domingo, 31 de agosto de 2014

Alvaro Posselt: Hai-Kais - I

Na adolescência encontrei na estante de livros de meu tio Elber Borges, um livro de Hai-Kais do Millôr Fernandes (1923-2012). Não tinha ideia de que eram poemas. Achava que eram textos de humor do mestre. Adorei! Na década de 1990, quando me mudei para Curitiba, reencontrei o Hai-Kai em Leminski, Wilson Bueno, Helena Kolody. Pesquisei, exercitei, orientei diversas oficinas de poema curto para crianças e adultos. Mas tudo sem compromisso, já que o português me parece prolixo demais para essas miudezas orientais.

No Brasil, não conheço quem se compare a Millôr Fernandes na fazedura do Hai-Kai. Leminski chegou perto. Alvaro Posselt é um escritor curitibano que vem se dedicando com sucesso a essa preciosa arte poética. Selecionei seis poemas do seu livro Um Lugar Chamado Instante (2013). Confira-os em três postagens.


I

Filtro tudo que ouço
Se virar poema
trago comigo no bolso



II

De repente zarpa
Se curva e flui na água turva
o corpo da carpa


*
ilustração de Joba Tridente.2014


Alvaro Posselt nasceu em Curitiba. É professor de português e escritor. Orienta oficinas de hai-kai em escolas públicas e tem poemas e minicontos publicados em revistas, jornais e coletâneas. Lançou Tão breve quanto o agora, em 2012, e, na sequência, Um Lugar Chamado Instante (2013). Seus livros estão à venda nas livrarias de Curitiba e na Barraca dos Autores, aos sábados, na Boca Maldita, e aos domingos, no Largo da Ordem.

Para mais informações, compra de livros e troca de ideias com Alvaro Posselt, email-lhe: alvaroposselt@yahoo.com.br.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

José Craveirinha: Reza, Maria

Em 2012, na Semana da Consciência Negra, postei o belíssimo poema Fábula, de José Craveirinha. Conheci a obra deste genial escritor através da Antologia de Autores Africanos: Do Rovuma ao Maputo, organizada por Carlos Pinto Pereira, em 1999, que encontrei por acaso disponibilizada na web. Retorno a ele com a postagem de três pungentes poesias. Anteontem, foi a Terra de Canaã. Ontem, foi a Carreira de Gaza. Hoje, Reza, Maria.


                                  

Reza, Maria
José Craveirinha
1ª versão

Suam no trabalho as curvadas bestas
e não são bestas
são homens, Maria!

Corre-se a pontapés os cães na fome dos ossos
e não são cães
são seres humanos, Maria!

Feras matam velhos, mulheres e crianças
e não são feras, são homens
e os velhos, as mulheres e as crianças
são os nossos pais
nossas irmãs e nossos filhos, Maria!

Crias morrem à míngua de pão
vermes na rua estendem a mão a caridade
e nem crias nem vermes são
mas aleijados meninos sem casa, Maria!

Do ódio e da guerra dos homens
das mães e das filhas violadas
das crianças mortas de anemia
e de todos os que apodrecem nos calabouços
cresce no mundo o girassol da esperança

Ah! Maria
põe as mãos e reza.
Pelos homens todos
e negros de toda a parte
põe as mãos


*
Ilustração de Joba Tridente (2014)


José João Craveirinha (1922 - 2003) nasceu em Maputo, Moçambique.  Considerado o maior escritor moçambicano, o primeiro a receber o Prêmio Camões, iniciou-se no jornalismo no Brado Africano e se firmou colaborando com diversos veículos de informação. Craveirinha esteve preso entre 1965 e 1969, pela PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), na Cela 1, com Malangatana e Rui Nogar. O escritor utilizou vários pseudônimos: Mário Vieira, J.C., J. Cravo, José Cravo, Jesuíno Cravo e Abílio Cossa. É autor de Xigubo (1964 - com 13 poemas e 1980 – com 21 poemas); Cantico a un dio di Catrame (1966); Karingana ua karingana (1974);  Cela 1 (1980); Izbrannoe (1984); Maria (1988); Babalaze das hienas (1996); Hamina e outros contos (1997); Maria. Vol.2 (1998); Poemas da Prisão (2004); Poemas Eróticos (2004 - edição póstuma organizada por Fátima Mendonça).

Para conhecer um pouco mais da sua obra, sugiro o ensaio José Craveirinha, publicado no Portal Lusofonia.  

domingo, 24 de agosto de 2014

José Craveirinha: Carreira de Gaza

Em 2012, na Semana da Consciência Negra, postei o belíssimo poema Fábula, de José Craveirinha. Conheci a obra deste genial escritor através da Antologia de Autores Africanos: Do Rovuma ao Maputo, organizada por Carlos Pinto Pereira, em 1999, que encontrei por acaso disponibilizada na web. Retorno a ele com a postagem de três pungentes poesias. Ontem foi a Terra de Canaã. Hoje é a Carreira de Gaza. Amanhã é Reza, Maria.


                         

Carreira de Gaza
José Craveirinha

Escusado fazer pontaria.
Chusmas de rajadas acertam sempre.

Povo armado de maternitude e velhice
esgota a lotação das carreiras de Gaza
rumo à saudade de onde saiu.

Objectivo estratégico de maternitude
machibombo da carreira de Gaza
atingido em cheio calcinou.

A mãe que dava o peito ao bebé de três meses
foi removida assim mesmo.


*
Ilustração de Joba Tridente (2014)


José João Craveirinha (1922 - 2003) nasceu em Maputo, Moçambique.  Considerado o maior escritor moçambicano, o primeiro a receber o Prêmio Camões, iniciou-se no jornalismo no Brado Africano e se firmou colaborando com diversos veículos de informação. Craveirinha esteve preso entre 1965 e 1969, pela PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), na Cela 1, com Malangatana e Rui Nogar. O escritor utilizou vários pseudônimos: Mário Vieira, J.C., J. Cravo, José Cravo, Jesuíno Cravo e Abílio Cossa. É autor de Xigubo (1964 - com 13 poemas e 1980 – com 21 poemas); Cantico a un dio di Catrame (1966); Karingana ua karingana (1974);  Cela 1 (1980); Izbrannoe (1984); Maria (1988); Babalaze das hienas (1996); Hamina e outros contos (1997); Maria. Vol.2 (1998); Poemas da Prisão (2004); Poemas Eróticos (2004 - edição póstuma organizada por Fátima Mendonça).

Para conhecer um pouco mais da sua obra, sugiro o ensaio José Craveirinha, publicado no Portal Lusofonia.  

sábado, 23 de agosto de 2014

José Craveirinha: Terra de Canaã

Em 2012, na Semana da Consciência Negra, postei o belíssimo poema Fábula, de José Craveirinha. Conheci a obra deste genial escritor através da Antologia de Autores Africanos: Do Rovuma ao Maputo, organizada por Carlos Pinto Pereira, em 1999, que encontrei por acaso disponibilizada na web. Retorno a ele com a postagem de três pungentes poesias. Hoje, é a Terra de Canaã. Amanhã, é a Carreira de Gaza. Depois, Reza, Maria.


               

Terra de Canaã
José Craveirinha
10.8.1982

Não, piloto Israelita.
Inútil procurares nos incêndios de Beirute
e nos inocentes corpos mutilados pelos estilhaços ardentes
as belas palavras do Cântico dos Cânticos.

E voa mais baixo.
Desce velozmente mais baixo no teu caça-bombardeiro.
Voa mais baixo. Desce ainda mais baixo piloto hebreu.
Desce até Eichman. Voa até ao fundo dos ascos.
Acelera até os motores e as bombas de fósforo
contigo oscularem sofregamente o chão sagrado.

Foi para este holocausto que sobreviveste
ao teu genocídio nos tempos da Nazilandia?
Achas que é esta a tua ambicionada Terra de Canaã?
Tu achas que assim ganhas a paz na Terra Prometida?"


*
Ilustração de Joba Tridente (2014)


José João Craveirinha (1922 - 2003) nasceu em Maputo, Moçambique.  Considerado o maior escritor moçambicano, o primeiro a receber o Prêmio Camões, iniciou-se no jornalismo no Brado Africano e se firmou colaborando com diversos veículos de informação. Craveirinha esteve preso entre 1965 e 1969, pela PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), na Cela 1, com Malangatana e Rui Nogar. O escritor utilizou vários pseudônimos: Mário Vieira, J.C., J. Cravo, José Cravo, Jesuíno Cravo e Abílio Cossa. É autor de Xigubo (1964 - com 13 poemas e 1980 – com 21 poemas); Cantico a un dio di Catrame (1966); Karingana ua karingana (1974);  Cela 1 (1980); Izbrannoe (1984); Maria (1988); Babalaze das hienas (1996); Hamina e outros contos (1997); Maria. Vol.2 (1998); Poemas da Prisão (2004); Poemas Eróticos (2004 - edição póstuma organizada por Fátima Mendonça).

Para conhecer um pouco mais da sua obra, sugiro o ensaio José Craveirinha, publicado no Portal Lusofonia

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Joba Tridente: língua

língua é de uma edição experimental composta de estampas com uma série de Exercícios poéticos Visuais. Já disseram: - Que exótico! Já disseram: - Que erótico! Eu digo: - Ah, tudo é tão político.



língua
Joba Tridente

ah!
língua afiada
ah!
guia da fala
ah!
lua do verbo
ah!
nua que cala
ah!
guia do falo
ah!
língua enfiada
ah!


*
exercício dezoito.
setembro.1999
ilustração.2014

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Teresa Vignoli: te-ar

Em novembro de 2013 postei três poemas de Teresa Vignoli: Pitanga..., de pousos e de pausas..., zen mistério ..., e deixei dois para depois. O de hoje é te-ar. O de ontem é sampa.



te-ar

...burilar as palavras
sem deturpá-las

afagar as palavras
para encontrá-las

tocar na pele
do que não seria palpável....


(*)
Foto de Joba Tridente: Art (Itapoá, SC - 27.12.2010). Vento ou verme estrangeiro escreveu “art” na areia da praia? Saí de manhã para fotografar e encontrei tal e qual...

 Teresa Vignoli (ou simplesmente Teca) é psicoterapeuta e coordenadora de oficinas de escrita criativa em encontros de psicologia, educação e criatividade, e escritora. Teca é da geração mimeógrafo, que escancarou a poesia na década de 70. Além dos badalados recitais e encontros de arte e poesia, se fez presente nas coletâneas Pa lavra (RJ, 1973); Alambique (RJ, 1976), esta com os poetas Joel Macedo e Pedro Pellegrino; Pega Gente (SP, 1977), editada por Ulisses Tavares; Po rr etas (DF,1978 e 1980), com Nicolas Behr, Tetê Catalão e Cassiano Nunes. Em parceria com o artista Rômulo Pinto Andrade (projeto visual, capa e ilustrações) lançou Asa Verso (Brasília, 1986) e com a poeta Silma Coimbra Mendes, publicou pela editora Komedi, o livro Chama Verbo (1999). Entre os vários periódicos que colaborou poeticamente, destaca-se a revista Quaternio, editada pelo Grupo de Estudos Carl Gustav Jung e organizada por Nise da Silveira. Teca mora em Campinas, São Paulo.

domingo, 17 de agosto de 2014

Teresa Vignoli: sampa

Em novembro de 2013 postei três poemas de Teresa Vignoli: Pitanga..., de pousos e de pausas..., zen mistério ..., e deixei dois para depois. O de hoje é sampa. O de amanhã é te-ar.



sampa

cinza cinza
cinzas do cigarro
no cinzeiro de São Paulo

cinzas cinzas
luzes
parcas estrelas brilham no teu céu nublado

dor, muita dor
nos poros
dos teus cimentos

amor
todo o amor
é a única flor
no teu concreto.


(*)
Foto de Joba Tridente: concreto (2011)


Teresa Vignoli (ou simplesmente Teca) é psicoterapeuta e coordenadora de oficinas de escrita criativa em encontros de psicologia, educação e criatividade, e escritora. Teca é da geração mimeógrafo, que escancarou a poesia na década de 70. Além dos badalados recitais e encontros de arte e poesia, se fez presente nas coletâneas Pa lavra (RJ, 1973); Alambique (RJ, 1976), esta com os poetas Joel Macedo e Pedro Pellegrino; Pega Gente (SP, 1977), editada por Ulisses Tavares; Po rr etas (DF,1978 e 1980), com Nicolas Behr, Tetê Catalão e Cassiano Nunes. Em parceria com o artista Rômulo Pinto Andrade (projeto visual, capa e ilustrações) lançou Asa Verso (Brasília, 1986) e com a poeta Silma Coimbra Mendes, publicou pela editora Komedi, o livro Chama Verbo (1999). Entre os vários periódicos que colaborou poeticamente, destaca-se a revista Quaternio, editada pelo Grupo de Estudos Carl Gustav Jung e organizada por Nise da Silveira. Teca mora em Campinas, São Paulo.

sábado, 16 de agosto de 2014

TT Catalão: Poesia VII

Última postagem com os poemas atemporais do TT Catalão.  Um poeta fora de catálogo. Um poeta  dentro de catálogo. Dupla exposição. Ao lado (direito) da página, links para todas as postagens anteriores. 


                 

TT Catalão - VII

“poeta”

só serei poeta quando perder  a meta;
sem desejo por tal glória vivo em despejo
do tal fluxo da história; sem ousar usar
poeta no título versejo desfeito
percevejo esmagado na unha da língua -
sem ar, truque de rima, artifício ou trava:
desmerecer antologias brasa matricial
sem retrospectivas ou crachá de marginal oficial;
só rogo pelo parco orifício
por onde possa brotar a sagrada palavra
de tão oculta expressa – em viva carne agrava
travo,  meta,  alvo sem seta
fora dessa diluição otária de “poeta”


Biografia de Catálogo

TT Catalão, 42 anos de paixão rasgada por Brasília, muito mais um “poeta sujo” de cotidiano amarelado, hoje, em centenas de páginas de jornal (sua real paixão): recluso, obtuso e óbvio na graça das traças, é mais um frasista barato que um militante do verbo encantado; apenas um que não ousa se assumir poeta, talvez por não construir uma “obra” organizada neste sentido. Irregular, arrebatado, distorcido, desenquadrado para mercados ávidos até da rebeldia direitinha, porém pensa mais que verseja e assim dispensa uma identidade, digamos, literária, daí só esmerilha a língua quando há sentido em luta, justiça, fraternidade, movimentos, utopias & topadas afins: atualmente atua pelo prazer de jogar conversa fora, sem tratos para teses, livros publicados, academais do mesmo, ou mesmo, grafitar vísceras no mármore desta cidade decapitada por cobiça, vaidade e muita diluição do que seja realmente Poesia. Cego nas letras, agora, só fotografa para ver se a palavra desdiz o verniz dos cretinos e assim, despudorada, se revele. O que faz em uma antologia um poeta sem livros?


*
Ilustrações de Joba Tridente - 2014

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

TT Catalão: Poesia VI

Sete poemas de TT Catalão. Dois da antologia Ebulição da Escrivatura – Treze Poetas Impossíveis. Todos atemporais. Ao final, uma “biografia” de catálogo de exposição.


     

TT Catalão - VI

o outro pode ser eu pelo avesso –
conversão do que ainda serei;
o outro sou eu quando verso –
versão do que ainda não me tornei...


*
Ilustração: foto e intervenção 
de Joba Tridente - 2014

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

TT Catalão: Poesia V

Sete poemas de TT Catalão. Dois da antologia Ebulição da Escrivatura - Treze Poetas Impossíveis. Todos atemporais. Ao final, uma “biografia” de catálogo de exposição.


                                

TT Catalão - V

vento contra é pra voar mais alto
mais forte mais bonito mais leve,
vento contra é pra sair do chão e dar o salto
mais solto mais longe menos breve;
vencer a gravidade dos graves
instalar a gravidez do voo sobre os entraves
vento contra é pra voar sem rumo
mesmo que a linha nos ensine
o valor do prumo


*
Ilustração de Joba Tridente - 2014

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

TT Catalão: Poesia IV

Sete poemas de TT Catalão. Dois da antologia Ebulição da Escrivatura – Treze Poetas Impossíveis. Todos atemporais. Ao final, uma “biografia” de catálogo de exposição.


          

TT Catalão - IV

OPÇÃO
BOMBA

Existe a pedra

Vem o homem nº. 1 e faz dela uma
escultura
Vem o homem nº. 2 e faz dela um
machado

Justifica-se a escultura pela sensação
de respeito que ela transmite
Justifica-se o machado pela sensação
de respeito que ele transmite

A pedra trazia em si, latente, potencial
o machado e a escultura
O homem é quem determinou
a pedra era arma e amor/ serenidade de
escultura/ temor de machado
o homem é quem determinou

a pedra não era boa
a pedra não era má


*
Ilustração de Joba Tridente - 2014

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