sábado, 31 de outubro de 2015

Carlos Drummond de Andrade: No meio do caminho

Ainda que nos dias de hoje o poema No meio do caminho, do escritor modernista mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), não seja unanimidade, em 1928, quando foi publicado na Revista de Antropofagia, a recepção foi muito pior. Incluído em Alguma Poesia, o primeiro livro de Drummond, lançado em 1930, continuou dando pano pra manga.  Provocação ou não, em 1967, comemorando os 40 anos do poema até hoje esmiuçado nos mais diversos estudos acadêmicos, o escritor reuniu vasto material sobre ele e publicou Uma Pedra no Meio do Caminho – Biografia de um Poema. A compilação abaixo, reunindo o poema original No meio do caminho e as traduções para o espanhol, italiano, inglês, alemão e francês, foi publicada anteriormente no site Alguma Poesia, na comemoração dos 100 anos de Drummond (2002). Hoje, o escritor comemoraria 113 anos.


                                

NO MEIO DO CAMINHO
Carlos Drummond de Andrade

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Carlos Drummond de Andrade
in Alguma Poesia
Ed. Pindorama, 1930






EN MEDIO DEL CAMINO
Carlos Drummond de Andrade

En medio del camino había una piedra,
había una piedra en medio del camino,
había una piedra,
en medio del camino habia una piedra.

Nunca me olvidaré de ese acontecimiento
en la vida de mis retinas tan fatigadas.
Nunca me olvidaré que en medio del camino
había una piedra,
había una piedra en medio del camino
en medio del camino había una piedra.

Gaston Figuera
in Poesía Brasileña Contemporanea
Montevideo, 1947
                                    



NEL MEZZO DEL CAMMINO

Nel mezzo del cammino c'era un sasso
c'era un sasso nel mezzo del cammino
c'era un sasso
nel mezzo del cammino c'era un sasso.

Non dimenticherò questa cosa accaduta
nella vita dei miei occhi così stanchi.
Non dimenticherò mai che nel mezzo del cammino
c'era un sasso
c'era un sasso nel mezzo del cammino
nel mezzo del cammino c'era un sasso.

Ruggero Jacobbi
in Lirici Brasiliani dal Modernismo ad Oggi
Milano, 1960
                                  
                                   




IN THE MIDDLE OF THE ROAD
Carlos Drummond de Andrade

In the middle of the road was a stone
was a stone in the middle of the road
was stone
in the middle of the road was a stone.

I shall never forget that event
in the life of my so tired eyes.
I shall never forget that in the middle of the road
was a stone
was a stone in the middle of the road
in the middle of the road was a stone.

John Nist
in The Middle Of The Road
Tucson, 1965



 


MITTEN IM WEG
Carlos Drummond de Andrade

Mitten im Weg lag ein Stein
Lag ein Stein mitten im Weg
Lag ein Stein
Mitten im Weg lag ein Stein.

Nie werde ich dieses Ereignis
Im Leben meiner so ermudeten Netzhaut vergessen.
Nie werde ich vergessen dass mitten im Weg
Lag ein Stein
Lag ein Stein mitten im Weg
Mitten im Weg lag ein Stein.

Curt Meyer-Clason
in Poesie
Frankfurt am Main, 1965




AU MILIEU DU CHEMIN
Carlos Drummond de Andrade

Au milieu du chemin y avait une pierre
y avait une pierre au milieu du chemin
y avait une pierre
au milieu du chemin y avait une pierre.

Jamais je n'oublierai cet évènement
dans la vie de mes rétines si fatiguées.
Jamais je noublierai qu'au milieu du chemin
y avait une pierre
y avait une pierre au milieu du chemin
au milieu du chemin y avait une pierre.

Tradutor desconhecido


*
ilustração de Joba Tridente


Carlos Drummond de Andrade  (Itabira, 31.10.1902 – Rio de Janeiro, 17.08.1987): cronista e escritor de prosa e verso. Farmacêutico formado pela Universidade Federal de Minas Gerais, Drummond, que foi funcionário público, se dedicou à literatura desde muito jovem, sendo considerado um dos mais importantes no cenário brasileiro do século 20. Nos sites Releitura e Projeto Memória há um bom material biográfico sobre o mestre.

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

TT Catalão: cora ou-via um rio

Eu não resisti ao recente poema do escritor TT Catalão sobre a belezura de Cora Coralina (1889-1985), a adorável escritora de Goiás Velho, e o rio que ainda passa por sua casa. Estou trabalhando numa seleção de material para homenagear esta singela escritora, mas precisava urgentemente publicar esta transparente doçura que é a poesia de TT: cora ou-via um rio


                               

cora ou-via um rio
TT Catalão

da janela cora ou-via um rio
e o rio vigiava cora
enquanto cora viajava
e tecia seus fios palavras
bendizendo sua terra-pão...

rio e cora eram rimas
de um mesmo coração;
da janela cora ou-via
um fio d´água q percorria
cora em seu porão...

o rio corria lá fora
o fio brotava no chão,
nascia bem perto de cora
entrava por dentro de cora
chegava da rosário dos pretos
cantava enquanto corria
em seu fio desafio
como todo rio faz d´água
cantochão...

no porão de cora
corre água q o poema
murmureja:
toda água é benta
toda água ensina q rios
nascem pequenos
e só por amor, aumentam...

da janela cora ou-via o fio d´água em seu porão,
na janela cora servia versos ao rio
q a corteja carinho coragem viagem oração...

em sua bravura delicada cora
desafina e desobedece a margem
dos oprimidos a margem da exclusão...

em seu fio d´água e seu rio
cora conduz e desfibra a
luta poeta brejeira:
doce firme, rio e fio, de
amorosa guerrilheira...


                                

ps.: ao trevisitar a casa da ponte/goiás de cora coralina, só agora, percebi, com uma intensidade diferente, o fio d´água (nasce na igreja do rosário) q corre no porão, em rima da janela onde cora contemplava o rio vermelho para celebrar seu chão.


TT Catalão: para conhecer um pouco mais da obra deste escritor, em constante ebulição criativa, acompanhe a publicação de Um Prólogo e Sete Poesias que fiz, aqui, em Agosto de 2014. Também de TT Catalão publiquei: Joba Tridente dialoga com TT Catalão e Carta Magna dos Ignorantes.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Joba Tridente: mamulengo

A Poesia como Vontade de Representação é uma alegoria..., em quatro poemas primários: religião, íntimo, raiz, mamulengo..., ao redor do livro capital de Arthur Schopenhauer (1788-1860): O Mundo como Vontade e Representação (conhecimento, natureza, beleza, ética), que marcou a minha juventude. Este primeiro opúsculo começou com r e l i gi ã o. Seguiu com íntimo. Continuou com raiz. Encerra com mamulengo.


        

mamulengo
a poesia como vontade de representação
joba tridente

:
chuva e vez em quando tempestade e vez em quando chuvisco
nada arrefece o calor de caldeira
nem Bóreas nem Zéfiro nem Éolo
sopro algum alivia a ardência 
as paredes do quarto não mais transpiram
ressecadas trincas acumulam insetos
mortos cupins e aranhas e traças e formigas
a pele descamada desenha trilhas pelo assoalho descascado
no espelho a minha nudez  mumificada
nos olhos baços apenas o sal das lágrimas
evaporadas.....................,
ouço a Lira Sanjoanense
e os sussurros dos homens que jogam dominó
no bar abaixo/embaixo da minha janela
tão nova para mim
e tão lugar comum para mim
sempre morando em cima/acima dos bares
como se deles (bares) fosse eu um Anjo
                                        a guardar as almas dos que bebem e bebem
como se deles (bares) fosse eu um Demônio
                                        a abandonar as almas dos que bebem e bebem
eu que, às vezes, prefiro um chá
eu que (talvez por isso), às vezes, feito um Anjo
                                                             subo aos Céus
                                                             em busca dos prazeres do espírito
eu que (talvez por isso), às vezes, feito um Demônio
                                                             desço aos Infernos
                                                             em busca dos prazeres da carne
eu que me embaraço nos fios
tênue mamulengo em pedaços
revirando no pó há tempos
:
           
*
Ilustração de Joba Tridente . 2015


Joba Tridente em Verso: 25 Poemas Experimentais; Quase Hai-Kai; em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida; 101 Poetas Paranaenses; Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu vejo da minha janela; Ebulição da Escrivatura; em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás; Cidades Minguantes; O Vazio no Olho do Dragão. Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Joba Tridente: raiz

A Poesia como Vontade de Representação é uma alegoria sem compromisso..., em quatro poemas primários: religião, íntimo, raiz, mamulengo..., ao redor do livro capital de Arthur Schopenhauer (1788-1860): O Mundo como Vontade e Representação (conhecimento, natureza, beleza, ética), que marcou a minha juventude. Este primeiro opúsculo começou com re l i g i ã o. Seguiu com íntimo. Continua com raiz.


                   

raiz
a poesia como vontade de representação
joba tridente

o mal-estar do tempo confunde a florada
das árvores que ainda restam
no dia da árvore
o mal-estar do tempo interrompe sementes
no prenúncio da primavera
o mal-estar do tempo confunde as cigarras
suas campainhas não alardeiam o cio
não mais clamam pela chuva
não mais cantam por mera garoa
não há ninfas para as doces raízes
.............................................................................
os corpos outrora lavados pelas águas dos céus
não jazem sobre a terra
os corpos outrora levados pelas águas dos céus
não desenvolvem sob a terra
os cantos não flutuam no eco das suas próprias canções
na velocidade do som das estações
não há mais estações
os céus estão secos
....................................................................................
trouxe comigo (por anos)
uma cigarra morta colhida nas terras de Ilhéus
tão bonita no seu silêncio cinza-esverdeado
asas de transcendente transparência
e tessitura de filigranas furta-cor
presas num corpo de leveza absurda
quantos gramas pesa a essência?
não a sabia cigarra
tampouco que cantava para acasalar e
então desovar e então morrer e
...........................................................
guardei-a numa caixinha (por anos)
nunca um verme cobrou a sua parte
nunca uma formiga a injuriou
nunca perdeu a beleza
nunca a essência retornou ao seu vazio
nunca sequer um tom da estridência
não a sabia eterna
........................................................
mudei de estado de cidade de casa
levando a bela cigarra
na sua caixinha
rolando entre livros e utensílios
e sempre tal e qual a encontrei
no brilho na transparência na cor do silêncio
............................................................................
um dia a colhi cuidadosamente entre os dedos
e a levei aos ouvidos
como se leva uma concha do mar
quando se quer ouvir o murmúrio do mar
mas não ouvi o seu canto
caminhei até o jardim
e aos pés de uma florida acácia
depositei sua linda carcaça
.................................................
amanhã, na hora da lua cheia,
será hora de saudar as Salamandras
os troncos estão febris

*
Ilustração de Joba Tridente . 2015


Joba Tridente em Verso: 25 Poemas Experimentais; Quase Hai-Kai; em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida; 101 Poetas Paranaenses; Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu vejo da minha janela; Ebulição da Escrivatura; em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás; Cidades Minguantes; O Vazio no Olho do Dragão. Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Joba Tridente: íntimo

A Poesia como Vontade de Representação é uma alegoria sem compromisso..., em quatro poemas primários: religião, íntimo, raiz, mamulengo..., ao redor do livro capital de Arthur Schopenhauer (1788-1860): O Mundo como Vontade e Representação (conhecimento, natureza, beleza, ética), que marcou a minha juventude. Este primeiro opúsculo começou com re l i g i ã o. Sigo com íntimo.



íntimo
a poesia como vontade de representação
joba tridente

a alma
lençol alvo balançando
num varal

o corpo
carne cavernosa apodrecida
devorada por vermes
que devoram vermes
que devoram vermes
até restar o nada
de não saber-se vermes
de não saber se vermes
também têm almas alvas
balançando num varal


*
Ilustração de Joba Tridente . 2015


Joba Tridente em Verso: 25 Poemas Experimentais; Quase Hai-Kai; em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida; 101 Poetas Paranaenses; Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu vejo da minha janela; Ebulição da Escrivatura; em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás; Cidades Minguantes; O Vazio no Olho do Dragão. Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

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