terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Celso Araujo: passa/ primavera/ passa

Celso Araujo é jornalista, escritor, dramaturgo, ator, compositor, cantor, performer. O conheci na redação do jornal Correio Braziliense, em Brasília, onde também trabalhava, em meados dos anos 1970. Saí definitivamente da Capital Federal em 1990. A maioria dos meus amigos..., gente da imprensa, artistas de teatro, cinema, literatura, música, artes gráficas e plásticas..., responsável pela base cultural da capital e suas satélites, continuou firme ali, defendendo seus caros alicerces no DF. Alguns já se foram do planeta, mas outros, feito ele, que reencontrei na rede FB, seguem por lá, alertas e fortes, em defesa da cultura brasiliense, com suas cores candangas e vivacidade brasileira!

Desde novembro de 2013, Celso Araujo mantém o interessante blog literário poesia-parque, onde publica seus catárticos poemas, crônicas e críticas teatrais. É deste blog, geralmente ilustrados por suas próprias fotos, que pincei os sete poemas que estou postando, um ao dia, aqui no Falas ao Acaso. Você que já conheceu o pai gigante e finalizando a gosto e desolamento, hoje se deixa levar pelas estações e se embriaga com passa/primavera/passa, publicado na quinta-feira, 27 de outubro de 2016.


                 
passa/ primavera/ passa
celso araujo

asas de mariposas caídas na pia
árvore caída pela queda de águas
britadeiras e latidos e insetos do poste
desde sobre vindo do alto me poupem
e afastem-se da janela da sala da cela
primavera é extravagância da insensatez
profusão de pragas do agito descomunal
de cigarras de frutas esmagadas no asfalto
de carros estacionados numa mesma casa
comemorando o aniversário do proprietário
música alta crianças algo enlouquecidas e
mães e pais de bermudas a mostrar para
os pimpolhos dos condomínios nobres os
morcegos na mangueira olhem meninos
aponta o pai ou tio ou amigo e surpresa
geral e próprio eu que moro no conjunto
nunca soube de morcegos pendurados no
maltratado passeio da calçada destituída
sob árvores cheirosas em sachês de flor
acima dos telhados o meu avião passacaglia

*
foto de Tayla Lorrana: a criatura por ser.2012


Celso Araujo nasceu no Maranhão em 1954. Chegou a Brasília em 68. Estudou Psicologia, sem terminar, e também Comunicação. Trabalhou nos jornais Correio Braziliense, Jornal de Brasília, Rádio Nacional e, atualmente na Rádio Cultura. Foto de Tayla Lorrana.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Celso Araujo: desolamento

Celso Araujo é jornalista, escritor, dramaturgo, ator, compositor, cantor, performer. O conheci na redação do jornal Correio Braziliense, em Brasília, onde também trabalhava, em meados dos anos 1970. Saí definitivamente da Capital Federal em 1990. A maioria dos meus amigos..., gente da imprensa, artistas de teatro, cinema, literatura, música, artes gráficas e plásticas..., responsável pela base cultural da capital e suas satélites, continuou firme ali, defendendo seus caros alicerces no DF. Alguns já se foram do planeta, mas outros, feito ele, que reencontrei na rede FB, seguem por lá, alertas e fortes, em defesa da cultura brasiliense, com suas cores candangas e vivacidade brasileira!

Desde novembro de 2013, Celso Araujo mantém o interessante blog literário poesia-parque, onde publica seus catárticos poemas, crônicas e críticas teatrais. É deste blog, geralmente ilustrados por suas próprias fotos, que pincei os sete poemas que você acompanha, um ao dia, aqui no Falas ao Acaso. Você que já conheceu o pai gigante e finalizando agosto, hoje vai saber o que ele tem a dizer sobre o desolamento, publicado na quinta-feira, 15 de setembro de 2016.


                 
desolamento
celso araujo

a desolação
de um sujeito
derramado debaixo da árvore
de jamelão
nunca saberei a locução certa dessa árvore
pra mim erariam azeitonas
os pássaros bicando os pés do senhor
carros de som panelas lençóis motores
e assim transita a manhã de sombras
isto é a manhã atemporal de cerrados queimando
é minha a desolação e um humano está ali por si
mesmo imaginado e com trilha
sonora do pássaro que canta
em escrita musical que não tem igual
nesse mundo e nunca decifrarei
mas ele canta o pássaro pequeno
a ave mais oculta entre os galhos
a angústia mais desgastada nas
folhas que cobrem minha pele
e a do sujeito que dorme debaixo
da sombra da vegetação do existir
ele existe eu não existo o dito está
desfeito e o que parecia tão direito
tudo mentira da minha mente fora
dessintonia e dentro da agonia nós

*
foto de celso araujo


Celso Araujo nasceu no Maranhão em 1954. Chegou a Brasília em 68. Estudou Psicologia, sem terminar, e também Comunicação. Trabalhou nos jornais Correio Braziliense, Jornal de Brasília, Rádio Nacional e, atualmente na Rádio Cultura. Foto de Tayla Lorrana.

domingo, 29 de janeiro de 2017

Celso Araujo: finalizando a gosto

Celso Araujo é jornalista, escritor, dramaturgo, ator, compositor, cantor, performer. O conheci na redação do Correio Braziliense, em Brasília, onde também trabalhava. Segui por caminhos outros e ele, assim como a maioria dos meus amigos da imprensa e artistas de teatro, cinema, literatura, música e artes plásticas, responsáveis pela base cultural da capital do Brasil, se mantiveram firmes, defendendo seus caros alicerces no DF. Alguns amigos já se foram do planeta, mas outros, feito ele, que reencontrei na rede FB, continuam por lá, firmes e fortes, em defesa da cultura e da arte brasiliense, candanga, brasileira!

Celso Araujo mantém, desde novembro de 2013, o seu blog literário poesia-parque onde publica seus catárticos poemas, crônicas e críticas teatrais poéticas e, esporadicamente, algum relevante autor. É de seu interessante blog que pincei os sete poemas que estou postando, um ao dia, aqui no Falas ao Acaso. Ontem você conheceu o belíssimo pai gigante..., hoje o lê intenso em finalizando a gosto, de 30 de agosto de 2014.


               
finalizando a gosto
celso araujo

finas linhas de palha queimada, passagem de horas
que se calam e performam pelos minutos banais
tramas desesperadas, truques no olhar andante
processo complicado demais pra explicar
ou palavras de menos no cérebro oxigênio
no acordar domingo, banho-perigo, roupa a vestir,
sair para encontro, conversas, nada de conversas
ao lado de corpos carbonizados, ali no acidente.

sem micro-ondas no extradia, no extravio de dívidas
na mesa de mármore suspensa, pernas paredes
papéis do imposto de renda à conta de luz.
livros lidos livres de suas letras, lividosos.
quebrar padrões, insinua o filme de segunda,
e para se livrar das imagens – escravizadamania -
estalos de elegância, silêncio, sopros, sonhos
e estética extasiada elegia de onde viés a luz.
recomenda-se não tocar nas feridas sem luvas.
afaste-se o que sequer sabe da compaixão.
exausto, por que, se nada fizeste?
deixaste que o dia se contraísse em calafrios
e nas copas das árvores cruzadas em galhos.
pensavas assim: só tu vês o cipreste de van gogh
exposto a essa hora, como a barbárie da história
- essa história descartável, espúria, fagulha –
ora, bolas, és somente o que se finda em agosto:
quedas, demolições, vórtices homicidas, óbvianoite.
ousa, alça uma ideia de asa, pisa as calçadas,
uma nuvem descalça, uma memória calcinada,
sustenta nos ombros a sombra, deleta o fardo
e não te negues a dormir, sonhar através
do lance de dados demências dançantes.

*
ilustração/foto de celso araujo


Celso Araujo nasceu no Maranhão em 1954. Chegou a Brasília em 68. Estudou Psicologia, sem terminar, e também Comunicação. Trabalhou nos jornais Correio Braziliense, Jornal de Brasília, Rádio Nacional e, atualmente na Rádio Cultura. Foto de Tayla Lorrana.

sábado, 28 de janeiro de 2017

Celso Araujo: pai gigante

Celso Araujo é jornalista, escritor, dramaturgo, ator, compositor, cantor, performer. O conheci na redação do jornal Correio Braziliense, em Brasília, onde também trabalhava, em meados dos anos 1970. Saí definitivamente da Capital Federal em 1990. A maioria dos meus amigos..., gente da imprensa, artistas de teatro, cinema, literatura, música, artes gráficas e plásticas..., responsável pela base cultural da capital e suas satélites, continuou firme ali, defendendo seus caros alicerces no DF. Alguns já se foram do planeta, mas outros, feito ele, que reencontrei na rede FB, seguem por lá, alertas e fortes, em defesa da cultura brasiliense, com suas cores candangas e vivacidade brasileira!

Desde novembro de 2013, Celso Araujo mantém o interessante blog literário poesia-parque, onde publica seus catárticos poemas, crônicas e críticas teatrais. É deste blog, geralmente ilustrados por suas próprias fotos, que pincei os sete poemas que começo a postar, um ao dia, no Falas ao Acaso. Começo com o belíssimo pai gigante..., publicado na quarta-feira, 13 de novembro de 2013.


                 
pai  gigante
celso araujo

Sou de um tempo
Em que se limpava os óculos com o cuspe
E ao lado da máquina de costurar, senhoras
Montavam roupas, mascavam e murmuravam
ao lançar tabaco mastigado na escarradeira esmaltada,
sem perder os dedais dos dedos.
Sou tão antigo que acordei  vários dias com
Os olhos  mascarados de remelas:
Estava cego até que a mulher mãe
Vinha com um algodão úmido e cálido
E abria as pálpebras aflitas.
Sou aflito como múmias que mourejam
Em cavernas nunca descobertas.
Bebia água no mesmo copázio de meu pai;
Todos bebiam no mesmo copo de alumínio areado.
E em seus pratos de cerâmica, como espelhos,
Viam o mesmo rosto de um passado,
Um é a cara do outro, tempos de pessoas perdidas.
Pai gigante, há um século soterrado nas tábuas
Da casa de mulheres cantoras e choronas...
Descoberto entre escombros de uma tarde
Ainda com vida; ele ....estrelas caindo no telhado

*
ilustração de joba tridente.2017 



Celso Araujo nasceu no Maranhão em 1954. Chegou a Brasília em 68. Estudou Psicologia, sem terminar, e também Comunicação. Trabalhou nos jornais Correio Braziliense, Jornal de Brasília, Rádio Nacional e, atualmente na Rádio Cultura. Foto de Tayla Lorrana.

domingo, 22 de janeiro de 2017

Joba Tridente: meio

Gosto de brincar com a forma do verso. Gosto de brincar com a linguagem do verso. Gosto de brincar com o verso do verbo. Um dia ainda quero aprender a fazer poemas de amor. No ano 2000, quando viajava pelo interior do Paraná-PR, no Brasil, a bordo do Comboio Cultural, cometi, entre outros exercícios poéticos breves: meio.

m  e  i  o
joba tridente

INDO
QUERO
TE
OUVIR
VER
TE
QUERO
VINDO

*
ilustração de Joba Tridente.2017


Joba Tridente, artesão de palavras e imagens em Verso: 25 Poemas Experimentais (1999); Quase Hai-Kai (1997, 1998 e 2004); em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida (2015); 101 Poetas Paranaenses (2014); Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu vejo da minha janela (2014); Ebulição da Escrivatura - 13 Poetas Impossíveis (1978); em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás (2000); Cidades Minguantes (2001); O Vazio no Olho do Dragão (2001). Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

domingo, 15 de janeiro de 2017

Joba Tridente: da válvula ...

Em 2017 será lançado o livro Hiperconexões: realidade expandida, volume 3, pela Editora Patuá. É a terceira antologia de poemas sobre o pós-humano da literatura brasileira, com organização do escritor Luiz Bras. Eu, que já estive no volume 2, com três Orações de Um Cotidiano, agora participo com o poema : da válvula ... .



: da válvula ...
joba tridente

... quando desatarraxaram a válvula que prendia o coração ao corpo ouvi cair quicando longe a ruela e o parafuso de titânio e logo o baque seco dos parafusos e ruelas e partes do corpo em liga de aço e diamante se amontoando atrás e como se bailarino do ar o cérebro talhado em prata com neurônios fiados em ouro pousou leve sobre os restos de tudo que fora e abrindo feito caixinha de música oriental deixou escapar a alma fugaz das minhas parcas memórias ...
curitiba.19.10.2016.22h51

*
ilustração de Joba Tridente


Joba Tridente, artesão de palavras e de imagens, em Verso: 25 Poemas Experimentais (1999); Quase Hai-Kai (1997, 1998 e 2004); em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida (2015); 101 Poetas Paranaenses (2014); Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu vejo da minha janela (2013); Ebulição da Escrivatura - 13 Poetas Impossíveis (1978); em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás (2000); Cidades Minguantes (2001); O Vazio no Olho do Dragão (2001). Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Joba Tridente: o sabiá e a velha

é verão, no Brasil, e já se passaram 12 dias de 2017. não demora e é ano novo de novo..., pelo menos para os apressados humanos. os pássaros têm seu próprio tempo. em anos e anos de convivência, já não tenho certeza dos mesmos sabiás, pardais e bem-te-vis. mas eles têm certeza de mim. no resgate de algumas crônicas e poemas que fiz para os avoadores: o sabiá e a velha.


        

                                                      o sabiá e a velha
joba tridente

espia o sabiá
o pão despedaçado
a velha espia

pousa o sabiá
desconfiado
a velha afasta

bica o sabiá
o pão e saltita
a velha sorri

em algazarra
pousam pardais
e........................
bem-te-vis


*
Joba Tridente: poema e ilustração - 2012



Joba Tridente, artesão de palavras e imagens em Verso: 25 Poemas Experimentais (1999); Quase Hai-Kai (1997, 1998 e 2004); em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida (2015); 101 Poetas Paranaenses (2014); Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu vejo da minha janela (2014); Ebulição da Escrivatura - 13 Poetas Impossíveis (1978); em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás (2000); Cidades Minguantes (2001); O Vazio no Olho do Dragão (2001). Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

domingo, 8 de janeiro de 2017

Joba Tridente: Um Amor Florido

Este conto, Um Amor Florido, que escrevi em 1999, e Palhaçada, de 2000, originaram o curta-metragem Cortejo, em 35mm, que dirigi em parceria com Marcos Stankievicz Saboia, em 2008, aqui em Curitiba-PR, no Brasil. No enredo, a interação de duas histórias que começam e terminam juntas, mas se desenrolam em tempos diferentes. Hora dessas publico Palhaçada, o conto que desconstrói o tempo (não a metragem!) no filme.



U m   A m o r   F l o r i d o
Joba Tridente

Todo dia chegava com o carro (tipo perua/kombi) coberto de flores. Às vezes manhã. Outras à tarde. Raramente à noite. Acreditava ser pra ela. Nunca perguntou de onde. Nunca perguntou por quê. Bastavam-lhe o amor e as flores diariamente trocadas. Braçadas de cravos, margaridas, dálias, camélias, lírios, copos-de-leite, antúrios, rosas misturadas aos ramos de cedrinho. Todo dia, ou tarde ou, raramente, noite. Um amor florido. Um carro de amor fazendo inveja. Uma cama coberta de pétalas. Gozo alucinante no meio delas. Sexo perfumado. Vontade de nunca acabar.

Um dia distraído na cidade vizinha. Na rua um cortejo. Enterro e carpideiras. Na frente um carro coberto de flores e no meio delas um caixão. Um carro parecido com o outro. Nas flores o mesmo perfume misturado. Baixou os olhos e o motorista era o amado. Não sabia agente funerário. Nem sabia ser dali. Um aceno dele. Não respondido. Um sorriso dele. Não correspondido. Uma lágrima dela. Não vista.

Ali, a última vez dos dois.


*
Ilustração: Cartaz de JobaTridente para o filme Cortejo 

Joba Tridente, artesão de palavras e imagens em Verso: 25 Poemas Experimentais (1999); Quase Hai-Kai (1997, 1998 e 2004); em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida (2015); 101 Poetas Paranaenses (2014); Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu vejo da minha janela (2014); Ebulição da Escrivatura - 13 Poetas Impossíveis (1978); em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás (2000); Cidades Minguantes (2001); O Vazio no Olho do Dragão (2001). Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Joba Tridente: de aranhas e de formigas

..., enquanto envelhecemos, rememoramos. jovem-adulto, morei em Brasília. tempos difíceis. dividi casa e apartamento. também morei só no distrito federal brasileiro, cercado do belíssimo cerrado. nem sempre tão só, como relembro nesta crônica poética, subtraída de uma carta à minha mãe Maria Augusta, escrita em 1985: de aranhas e de formigas (..., e alguns cacos de vidro).

       

de aranhas e de formigas
(..., e alguns cacos de vidro)
joba tridente

um dia...,
já faz um bom tempo...,
vi uma aranha de pernas longas, na janela do banheiro.
pensei que fosse bom ela tecer ali a sua teia,
assim não permitiria a entrada de pernilongos.
algum tempo depois encontrei a aranha desmaiada,
sobre a pia,
tentei (re)animá-la, mas não consegui...,
ela faleceu.

semanas depois, percebi
cadáveres de formigas em um ou outro ponto do estúdio.
estranhei aqueles exoesqueletinhos aqui e ali,
que raramente uso inseticida e, sempre,
botava farelo de bolacha no caminho ou na porta das suas tocas,
um pouco distante de onde jaziam.
com o passar do tempo descobri que eram mortas
por outras aranhas de pernas longas que “apareceram” na sala,
vindas não sei de onde.
fiquei chateado, a princípio,
: “umas formiguinhas tão piquenitiquinhas!”.
mas compreendi ser, esta, uma Lei Natural.
também, não eram tantas as formigas, assim,
que desencarnavam,
talvez, mesmo, as mais fracas...

descobri, ainda,
que estas formigas não trabalhavam aos domingos.
se dava comida para elas,
não era de bom grado que a recolhiam nesse dia.
talvez o Deus delas tenha descansado no domingo,
após criar o seu (delas) mundo.

de outra feita, um acidente com uma prateleira
quebrou vários vidros com ervas para chá
e voou e ficou caco para tudo quanto é lado e,
principalmente, no meio das esteiras.
limpei e bati as esteiras e varri os cantos
e passei pano molhado no chão.
no dia seguinte, embaixo da lixeira,
por onde caíram os vidros e eu havia limpado,
havia um montinho de cacos mínimos e perigosos de vidro...,
como se tivessem sido amontoados, ali, cuidadosamente.
talvez fosse trabalho das formigas.
talvez fosse trabalho das aranhas.

anos depois, ainda tenho duvidas,
se obra das formigas a quem eu “dava marmita
ou das aranhas que comiam as “gordinhas formigas
que guardavam o sétimo dia.

*
ilustração de Joba Tridente.2017


Joba Tridente, artesão de imagens e palavras em Verso: 25 Poemas Experimentais (1999); Quase Hai-Kai (1997, 1998 e 2004); em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida (2015); 101 Poetas Paranaenses (2014); Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu vejo da minha janela (2014); Ebulição da Escrivatura – 13 Poetas Impossíveis (1978); em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás (2000); Cidades Minguantes (2001); O Vazio no Olho do Dragão (2001). Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

domingo, 1 de janeiro de 2017

Olavo Bilac: A Avó

Após um difícil 2016, estou iniciando o ano 2017, aqui no Falas ao Acaso, saudando a todos aqueles privilegiados seres carregados de saberes de ontem que se eternizarão nos ouvintes de amanhã..., que herdarem o dom de criar e contar belas histórias para o mundo. Gosto muito deste inspirado poema A Avó, do escritor brasileiro Olavo Bilac (1865-1918), publicado em Poesias Infantis (1904).



A   Avó
Olavo Bilac

A avó, que tem oitenta anos,
Está tão fraca e velhinha! ...
Teve tantos desenganos!
Ficou branquinha, branquinha,
Com os desgostos humanos.
Hoje, na sua cadeira,
Repousa, pálida e fria,
Depois de tanta canseira:
E cochila todo o dia,
E cochila a noite inteira.
Às vezes, porém, o bando
Dos netos invade a sala ...
Entram rindo e papagueiando:
Este briga, aquele fala,
Aquele dança, pulando ...
A velha acorda sorrindo.
E a alegria a transfigura;
Seu rosto fica mais lindo,
Vendo tanta travessura,
E tanto barulho ouvindo.
Chama os netos adorados,
Beija-os, e, tremulamente,
Passa os dedos engelhados,
Lentamente, lentamente,
Por seus cabelos doirados.
Fica mais moça, e palpita,
E recupera a memória,
Quando um dos netinhos grita:
“Ó vovó! conte uma história!
Conte uma história bonita!"
Então, com frases pausadas,
Conta histórias de quimeras,
Em que há palácios de fadas,
E feiticeiras, e feras,
E princesas encantadas ...
E os netinhos estremecem,
Os contos acompanhando,
E as travessuras esquecem,
- Até que, a fronte inclinando
Sobre o seu colo, adormecem ...
....................................................

*
ilustração de Joba Tridente.2017


Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (Rio de Janeiro-RJ: 16.12.1865 - Rio de Janeiro-RJ: 28.12.1918), jornalista, escritor (parnasiano) de prosa e verso e membro fundador da Academia Brasileira de Letras (1896), onde ocupou a cadeira 15, cujo patrono é o poeta Gonçalves Dias. Olavo Bilac, eleito Príncipe dos Poetas Brasileiros, pela revista Fon-Fon, em 1907, tinha grande apreço pela literatura dirigida aos jovens. Republicano e nacionalista o polemista escritor é autor do Hino à Bandeira e de Poesias (1888); Crônicas e novelas (1894); Sagres (1898); Crônicas e Novelas (1894); Alma Inquieta (1902); Via Láctea (1888); Sarças de Fogo (1888); O Caçador de Esmeraldas (1902); As Viagens (1902); Crítica e fantasia (1904); Poesias infantis (1904); Contos Pátrios (1904); Conferências literárias (1906); Tratado de versificação (1905); Dicionário de rimas (1913); Ironia e piedade (1916); A Defesa Nacional (1917); Lições de História do Brasil (1918); Tarde (1919). Para saber mais: Academia Brasileira de Letras; Wikipédia. Para download do livro Poesias Infantis.
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