Este conto romântico, atribuído ao escritor
francês Paul Féval, foi enviado ao Almanach para 1878 por, Maria A. Salles
Pinto, de Campinas-SP, em 1877. Não sei se ela o traduziu ou só o encaminhou. Gosto
da singeleza de História da Pereira.
O tom melancólico e o final singular me tocam profundamente. Atualizei a
grafia, deixando três curiosas palavras no original..., veja no glossário.
História
da Pereira
Paul Féval
I
Numa das extremidades da aldeia havia um
caminho; dum lado estava uma copada pereira, que na primavera mais parecia um
bouquet de flores que uma arvore, do outro, uma casa cuja entrada era por um
portão de pedra, como os que se usam nos castelos; habitavam esta casa Petronilha
e o rendeiro seu pai.
Fernando era um rapaz da aldeia, por quem
Petronilha nutria um desses sentimentos que nos entram no coração sem que
saibamos quando e como.
Era correspondida.
II
Petronilha tinha apenas 16 anos, porte elegante,
cabelos d'oiro caindo em caracóis sobre o colo alabastrino, faces rosadas e
olhos azuis.
III
De uma das janelas de sua casa, ela cantava para
avisar Fernando de que era chegada a hora de, sob a frondosa pereira, modularem
essas palavras que, mesmo repetidas tantas vezes, ainda lhes pareciam novas.
IV
Os seus delicados pezinhos calçando tamancos cor
de rosa; sua vasquinha azul, suas mãozinhas abaixando os ramos para aspirar o
perfume das flores, tudo para Fernando era encantador;
Um dia perguntou-lhe:
- Petronilha, queres que nos casemos?
Ella riu-se como uma criança.
V
Pela conscrição, Fernando temendo partir para
longe dela, queimou aos pés do altar da Virgem, um círio, a graças à sua
devoção o seu numero foi alto.
Porém João, seu colaço, foi menos feliz, foi
sorteado.
VI
Um dia Fernando foi encontrá-lo, dizendo a
soluçar: - Minha mãe! Minha mãe!
- Consola-te, irmão, disse-lhe o generoso
Fernando, sou órfão, parto por ti.
Petronilha veio vê-lo sob a pereira; trazia os
olhos úmidos; ele nunca a tinha visto chorar; achou que as suas lagrimas eram
mais doces que o seu sorriso.
Angustiada por esta imensa dor, deu-lhe a face a
beijar e segredou-lhe: vai meu Fernando; eu te esperarei.
VII
Marchou com coragem; porém ao encarar o inimigo,
ao ver os canhões que vomitavam fogo, as balas que sibilavam, o sangue que
ensopava a terra, vacilou por um momento.
VIII
Teve medo de olhar para traz onde estava a
França, a sua querida aldeia e a pereira que agora devia estar com frutos.
Fechou os olhos e viu Petronilha que orava por
ele; foi quanto bastou.
Tornou-se um herói.
Findo o combate era capitão.
IX
Daí em diante os combates eram para ele uma
festa.
Um dia em que tinham de atravessar uma planície
coberta de gelo e em que o caminho era apenas marcado pelos cadáveres, tendo de
um lado, o inimigo, do outro, o rio e, de todos, a morte, ele, qual outrora
Napoleão, foi o primeiro a transpor a ponte que edificara.
O general sabendo isso, disse-lhe,:
- Sempre tu, capitão! - e tirando a sua cruz de
cavaleiro colocou-lhe no peito.
X
Petronilha, minha Petronilha! como vais ficar
orgulhosa de teu noivo! Manda repicar os sinos; tocar o órgão para o nosso
casamento! Separa-nos grande distância, porém a esperança me conduz em suas
leves asas. Lá embaixo, atrás daquela montanha, está a nossa aldeia; eu
reconheço o campanário e parece-me ouvir tocar o sino.
XI
Porém que é feito da pereira? Estamos na
primavera e eu não vejo as suas flores que mesmo de longe se divulgavam!
Tinham cortado a árvore testemunha das nossas
ternuras; os seus ramos ainda estavam esparsos pelo solo.
XII
Aproximou-se da igreja e perguntou a um-homem
que ali estava: - Para que são esses repiques, Matheu?
- Para um casamento, capitão.
Matheus não o reconhecera.
Nesse momento os noivos chegaram ao adro da
igreja; eram Petronilha e João, seu irmão por quem tanto se sacrificara!
Petronilha estava risonha e ainda mais bela que outrora.
XIII
Ao redor dele todos diziam dos noivos: como se
amam!
Porém, Fernando? - animou-se ele a perguntar!
- Qual Fernando? - disseram.
Todos o haviam esquecido!
XIV
Entrou na igreja e orou pelos desposados que
eram quem ele mais amava na terra.
Finda a missa, colheu da pereira decepada uma
flor murcha e tomou novamente o caminho sem olhar para trás.
XV
Ao chegar o príncipe ao exército, admirou-se
vendo Fernando que tinha partido para não voltar; porém, ao saber o que lhe
acontecera, disse: - És aos 22 anos comandante e cavalheiro, se quiseres,
dar-te-ei para esposa uma fidalga da minha corte.
Ele tirando do seio a flor murcha, respondeu:
- Senhor! o meu coração é como esta flor; só vos
peço um posto na vanguarda para morrer como herói.
XVI
Teve o que pediu; morreu em um dia de vitória e
próximo à aldeia; já era coronel.
XVII
Lá está no lugar em que esteve a pereira, sem
ter quem ore por ele ou quem derrame uma lagrima sobre a sua sepultura.
Glossário:
alabastrino: muito branco, alvura do
alabastro; vasquinha: saia pregueada
na cintura; colaço: irmão de leite.
*
Ilustração
de Joba Tridente - 2014
Paul Féval, citado por Eça de Queirós em Primo
Basílio: Mas era num terceiro andar -
quem sabe como seria dentro? Lembrava-lhe um romance de Paulo Féval, em que o
herói, poeta e duque, forra de cetins e tapeçarias o interior de uma choça;
encontra ali a sua amante; os que passam, vendo aquele casebre arruinado, dão
um pensamento compassivo à miséria que decerto o habita - enquanto dentro,
muito secretamente, as flores se esfolham nos vasos de Sèvres e os pés nus
pisam gobelins veneráveis! Conhecia o gosto de Basílio - e o Paraíso decerto
era como no romance de Paulo Féval.
Paul Henri Corentin Féval (1816 - 1887) foi um dos mais
populares romancistas franceses do século 19. Ele, que também trabalhou com
literatura fantástica, é considerado um dos precursores da ficção policial. Féval
teve um final de vida conturbado, trágico. Há bom material sobre ele na Wikipédia, e, ainda que breve, ótima análise da
sua obra em O romance gótico revisitado por um mestre
do folhetim, de Bira
Câmara. Material sobre a quadrinização de suas obras pode ser visto em Cool French Comics.
Algumas obras do autor: Les Mystères de Londres (Gentlemen
of the Night, stage play adaptation, 1848); Le
Livre des Mystères (Revenants, 1852); Le Bossu (The Hunchback, 1958); Le Chevalier énèbre (Knightshade, 1860); Jean Diable (John Devil,
1861); La Fille du Juif
Errant (The Wandering Jew's Daughter, 1863); Les Habits Noirs (The Black Coats: The Parisian Jungle, 1863);
Le Capitaine Fantôme (stage play
adaptation, 1864); Les Habits Noirs:
Coeur d Acier (The Black Coats: Heart of Steel, 1865); La Vampire (The Vampire Countess,
1865); Les Habits Noirs: La Rue de
Jérusalem (The Black Coats: Salem Street, 1868); Les Habits Noirs: L'Arme Invisible (The
Black Coats: The Invisible Weapon, 1869); Les
Habits Noirs: Les Companions du Trésor (The Black Coats: The Companions
of the Treasure, 1872); Les Habits
Noirs: La Bande Cadet (The Black Coats: The Cadet Gang, 1875); La Ville Vampire (Vampire City,
1874). Fonte: Wikipédia
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