sábado, 11 de fevereiro de 2017

Joba Tridente: m.ã.o.s

Numa época em que impostores e falastrões se apoderam do poder estabelecido com ou sem a conivência do povo..., em dias politicamente podres em quase todo o planeta..., há que se ficar atento para evitar a demência ampla, geral e irrestrita.

A minha arte vem da observação do mundo ao meu redor. Foi um olhar oportuno, em entrevistas indecentes, das mãos nervosas de quem se faz ou é feito comandante de nação, que, após c.h.ã.o (2016), me fez cometer m.ã.o.s (2017). Qualquer semelhança com algumas mãos (re)conhecidas por você pode não ser mera coincidência.

              
m . ã . o . s
joba  tridente

tuas gélidas mãos
tão suas no suor frio
arrepiam minha lógica
na tela em que te vejo
nem bocejo

tuas magricelas mãos
carregadas de longos dedos
que apontam que desdenham
que anunciam que empossam
mãos de todos os pesos
na latrina do palácio de todos os pecados
onde sempre encontras um bacio
a servir em comum às outras trêmulas mãos
que nas esquinas da labirintite palaciana
sabem temer
não apenas o degelo da munheca
que (en)torna escorregadia
a  rampa do poder
mas também o degrau sul-republicano
capaz de lhe sequestrar o sol

tuas viscosas mãos
tão temerosamente suas
exalam a seiva peçonhenta
comum aos sujeitos iagos
que gotejam hipocrisia
que cortejam vassalos
em serões aziagos
nas noites de lua nova
e estrelas cerradas
ofuscando o salão
de tortos bailados

tuas trágicas mãos
num drama federal
vagam tontas
vagam tolas
vagam tagarelas
vagam canastronas
num palco de idiossincrasias alugadas
a preços tão módicos
que fazem tremer as bolsas
que fazem temer os boçais
em suas cadeiras aveludadas
tão dadas ao vinho filante

tuas finórias mãos
tão apegadas
uma à outra tão suas
teus finórios dedos
tão apegados
uns aos outros tão seus
desdenham da sorte arruaceira
porque a câmera que tv
insiste em não ver
o quê d’ócio padece

na tela
bate o gongo emissor
o eco midiático na cabeça vazia
zonzeia o tongo

mãos alheias na boca nos olhos nas orelhas
tapam..., tapeiam..., esbofeteiam
: entorpecem!

na janela
bate o gongo remissor
o ego midiático na cabeça vadia
zonzeia o tongo

tuas maquiavélicas mãos
tão ardilosamente suas
de dedos maquinando canetas
tão mecanicamente suas
de dedos maquiando palavras
tão falsamente suas
de dedos esmaltando laivos
que a acetona do tempo
um dia desvelará

tuas lascivas mãos                 
tão lubricosamente suas
nas carícias de ossos de outra conjuntura
nos cafunés tamborilantes na calva da justiça

tuas lancinantes mãos
tão ferinamente suas
na tatuagem macabra do vocábulo subliminar
na panfletagem inócua do voto sustenido

tuas nulas mãos
tão cegamente suas
que se negam uma
a outra lavar
temerosas dos dedos
uma os da outra arrancar

no cotoco maneta
a concha que acolhe
e a concha que abafa
já não farão eco
os vermes da plateia
já deixaram o palco central
nos bastidores la commedia è finita
e apenas a tua boca
tão aborrecidamente sua
insiste em não desgrudar da máscara...

                                cwb.10.02.2017



Joba Tridente, artesão de palavras e imagens em Verso: 25 Poemas Experimentais (1999); Quase Hai-Kai (1997, 1998 e 2004); em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida (2015); 101 Poetas Paranaenses (2014); Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu vejo da minha janela (2014); Ebulição da Escrivatura - 13 Poetas Impossíveis (1978); em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás (2000); Cidades Minguantes (2001); O Vazio no Olho do Dragão (2001). Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

sábado, 4 de fevereiro de 2017

Celso Araujo: cena quente

Celso Araujo é jornalista, escritor, dramaturgo, ator, compositor, cantor, performer. O conheci na redação do jornal Correio Braziliense, em Brasília, onde também trabalhava, em meados dos anos 1970. Saí definitivamente da Capital Federal em 1990. A maioria dos meus amigos..., gente da imprensa, artistas de teatro, cinema, literatura, música, artes gráficas e plásticas..., responsável pela base cultural da capital e suas satélites, continuou firme ali, defendendo seus caros alicerces no DF. Alguns já se foram do planeta, mas outros, feito ele, que reencontrei na rede FB, seguem por lá, alertas e fortes, em defesa da cultura brasiliense, com suas cores candangas e vivacidade brasileira!

Desde novembro de 2013, Celso Araujo mantém o interessante blog literário poesia-parque, onde publica seus catárticos poemas, crônicas e críticas teatrais. É deste blog, geralmente ilustrados por suas próprias fotos, que pincei os sete poemas que estou postando, um ao dia, aqui no Falas ao Acaso. Você que já conheceu o pai gigante e finalizando a gosto e desolamento e passa/primavera/passa e respirandoGullar e noite dissolvida, saiba, com este último poema, o que é realmente uma cena quente, publicado na sexta-feira, 20 de janeiro de 2017.


                 
cena quente
celso araujo

entidades tendas mictórios
podres fechados no centro divisório
da cidade afundada num céu breu
transeuntes nunca dantes vistos
e marginais de tudo o que é real
esquisitíssimos na normalidade
sãos e salvos nas escadas paradas
gás para chorar gás de pimenta
o badernaço fez escola e sustenta
esta cidade disfuncional em off
que vê mas não enxerga de propósito
as mais divulgadas crueldades do império
de canalhas fazendo no mundo a imundície
os impérios são contados nos dedos tatuados
e esses hipnotizam e aumentam seus preços de
estratégias de selva escura como Dante gravou
em suas páginas misteriosas e luminosas do horror
sobre os povos de inteligentes contatos e índice
de subservidão é isto na esplanada doida então
está tudo explicado por essa menina história
que não avança apesar da ousadia dos anjos
uma vida de pavor e trash merda seja negada
uma vida de amor caia mesmo sobre tudo
e as asas sangrando logo estarão intactas

*
foto de celso araujo 


Celso Araujo nasceu no Maranhão em 1954. Chegou a Brasília em 68. Estudou Psicologia, sem terminar, e também Comunicação. Trabalhou nos jornais Correio Braziliense, Jornal de Brasília, Rádio Nacional e, atualmente na Rádio Cultura. Foto de Tayla Lorrana.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Celso Araujo: noite dissolvida

Celso Araujo é jornalista, escritor, dramaturgo, ator, compositor, cantor, performer. O conheci na redação do jornal Correio Braziliense, em Brasília, onde também trabalhava, em meados dos anos 1970. Saí definitivamente da Capital Federal em 1990. A maioria dos meus amigos..., gente da imprensa, artistas de teatro, cinema, literatura, música, artes gráficas e plásticas..., responsável pela base cultural da capital e suas satélites, continuou firme ali, defendendo seus caros alicerces no DF. Alguns já se foram do planeta, mas outros, feito ele, que reencontrei na rede FB, seguem por lá, alertas e fortes, em defesa da cultura brasiliense, com suas cores candangas e vivacidade brasileira!

Desde novembro de 2013, Celso Araujo mantém o interessante blog literário poesia-parque, onde publica seus catárticos poemas, crônicas e críticas teatrais. É deste blog, geralmente ilustrados por suas próprias fotos, que pincei os sete poemas que estou postando, um ao dia, aqui no Falas ao Acaso. Você que já conheceu o pai gigante e finalizando a gosto e desolamento e passa/primavera/passa e respirandoGullar, hoje mergulha na noite dissolvida, publicado no domingo, 15 de janeiro de 2017.


               
noite dissolvida
celso araujo

a noite abafada me constrange
a lua que se esconde entre árvores
raio que se quebra escândalo no ar
mas não traz a chuva da benção
preciso amar a margem do precipício
e não jogar-me desaforadamente
mas abraçar sua pedra a terra
e não olhar o abismo inclemente
fazer isso praticar o exercício
como uma cilada para enganar
todo o terror que esse princípio
representa e não me pergunte
que princípio é esse pois nem sei
nem consegui que caísse do éter
ou o prana me soprasse aos ouvidos
mas qual a razão de não estares bem
perguntas são as mais cretinas vozes
que ouço enquanto psicografo o grave
que soa como avião antes do voo
mas não é avião é computador zoando
mas que não sou são isso é a dor
que disse a uma mulher ser feliz e
vejo que não sou não fui não serei
a outra perguntei você não notou
mas sou ansioso e o pânico me pune
e ela de pronto ah notei sim ahahaha
e isso não importa pois me basta
a ausência de mim mesmo ao meu
lado guardado interior e ventilado
não tenho a força e a fera feroz
em meus domínios no horizonte
talvez as belas vozes de anjos respirando
perdidas cores perdidos pedidos
como se a ausência de deus fosse
aquele momento da fábula bíblica
em que és julgado e logicamente
condenado sem teres culpas mas
com a cuca congestionada de sons
sons falados de falas e falácias
fáceis de se jogar na vasta foz
do teu oceano como despacho
do teu íntimo como disfarce
da tua agonia como folia
do teu luto
da melancolia
das desavenças
entre ti e mim
armistício     

*
foto de celso araujo



Celso Araujo nasceu no Maranhão em 1954. Chegou a Brasília em 68. Estudou Psicologia, sem terminar, e também Comunicação. Trabalhou nos jornais Correio Braziliense, Jornal de Brasília, Rádio Nacional e, atualmente na Rádio Cultura. Foto de Tayla Lorrana.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Celso Araujo: Respirando Gullar

Celso Araujo é jornalista, escritor, dramaturgo, ator, compositor, cantor, performer. O conheci na redação do jornal Correio Braziliense, em Brasília, onde também trabalhava, em meados dos anos 1970. Saí definitivamente da Capital Federal em 1990. A maioria dos meus amigos..., gente da imprensa, artistas de teatro, cinema, literatura, música, artes gráficas e plásticas..., responsável pela base cultural da capital e suas satélites, continuou firme ali, defendendo seus caros alicerces no DF. Alguns já se foram do planeta, mas outros, feito ele, que reencontrei na rede FB, seguem por lá, alertas e fortes, em defesa da cultura brasiliense, com suas cores candangas e vivacidade brasileira!

Desde novembro de 2013, Celso Araujo mantém o interessante blog literário poesia-parque, onde publica seus catárticos poemas, crônicas e críticas teatrais. É deste blog, geralmente ilustrados por suas próprias fotos, que pincei os sete poemas que estou postando, um ao dia, aqui no Falas ao Acaso. Você que já conheceu o pai gigante e finalizando agosto e desolamento e passa/primavera/passa, hoje, num sopro atordoante, o sente respirando Gullar, nesta bela homenagem ao grande poeta Ferreira Gullar (10.9.1930-4.12.2016), publicado no sábado, 10 de dezembro de 2016.


                 
respirando Gullar
celso araujo

não sou antropófago
não vou pois engolir Gullar
nem devorar seus escritos
como seria pós-moderno
sei apenas que ao saber do
seu passamento e travessia
do corpo suplicante por respirar
então ao saber do passamento
estampado na página digital
pensei em algum lúmen fósforo
aceso na noite dominada de chuva
ouvi os sinos marítimos no quintal
verdejante de palmeiras da ilha barroca
de bondes e do antes de balbuciar sim
versos renegados nos jornais de crianças
búzios expostos na praia sem hospedeiros
trajetos rastejantes sonoros ataques em mim
como fruta mais que madura na terrina
pai mãe e irmãos na cozinha e alguns mais
os rios Bacanga e Anil barcas jangadas
algo ferve no jogo estalante atalhante
pegar o jornal para pisar em brasas
biografia interessa a outros escaninhos
e a per alta poesia essa é pulsântica
dentro das paredes em que se ouve
rajadas rasgadas pelo mundo
istmo do mistério do rio e do
murmúrio do oceano aqui e
alhures
ferro em fogo ferreiro
Gul gaivota
Lar el mar sim e não

*
foto de Ferreira Gullar - arquivo CPDoc Jornal do Brasil


Celso Araujo nasceu no Maranhão em 1954. Chegou a Brasília em 68. Estudou Psicologia, sem terminar, e também Comunicação. Trabalhou nos jornais Correio Braziliense, Jornal de Brasília, Rádio Nacional e, atualmente na Rádio Cultura. Foto de Tayla Lorrana.

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