segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Almir Correia: Poemas sapecas, rimas traquinas


Estes três adoráveis poemas são do livro Poemas sapecas, rimas traquinas, do escritor e cineasta Almir Correia. A obra, que já está na 7ª. Edição, pela Editora Formato, recebeu o Prêmio APCA de Melhor Livro Infantil de Poesia - 1997, e o selo da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil: Altamente Recomendável para Crianças. Ele foi ilustrado por Regina Miranda e tem um projeto gráfico muito bacana.


CODORNINHA DO SERTÃO
Almir Correia

Codorninha do sertão
bota um ovo na lua
bota outro no chão.
Bota aqui
bota acolá
bota até em Bagdá.
Bota na bota do vaqueiro
bota bota bota
o dia inteiro.
E às vezes
devido ao vento

desbota um lamento.


INSÔNIA COLETIVA
Almir Correia

Os carneirinhos que eu contava
contavam-me também.
Pra eles eu já era mil
pra mim eles só eram cem.

Pulávamos arame farpado
até perder a conta
pra depois deitar no gramado
embaixo da lua tonta.


ESPANTALHO
Almir Correia

Homem de palha
coração de capim
vai embora
aos pouquinhos
no bico dos passarinhos
e fim


Almir Correia é premiado escritor e diretor de cinema de ficção e de animação. Criador da série de animação Carrapatos e Catapultas, apresentado pela TV Cultura, de São Paulo, e atualmente por ser vista no Cartoon Network. Entre seus livros estão: Poemas malandrinhos; Poemas sapecas: rimas traquinas; Anúncios amorosos dos bichos; O leão camaleão; Blog do sapo Frog; Enrola bola língua e vitrola; Anúncios carentes de bichos abandonados por gente; O menino com monstros nos dedos,; Mais meninos com monstros nos dedos; Monstros Monstrengos.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Oscar Wilde: 10 Aforismos sobre as Aparências

foto de Joba Tridente - hibiscus

Em 2010 foram comemorados os 110 anos da morte do escritor Oscar Wilde (16/10/1854 - 30/11/1900), mestre do sarcasmo inglês: A única pessoa no mundo que gostaria de conhecer profundamente sou eu mesmo, mas por enquanto não vejo a menor possibilidade de isso acontecer. Em 2011 se comemora 110 anos da publicação de Aphorisms. Durante todo o ano vou postar por aqui alguns dos meus favoritos.

01 - Antigamente ninguém pretendia ser melhor que o seu vizinho, ser melhor que o vizinho, aliás, era considerado algo muito feio; hoje em dia, com a nossa moderna mania da moral, todos devemos posar como modelos de pureza, de incorruptibilidade, e das outras sete virtudes humanas. E qual é o resultado? Todos escorregam e caem no gelo fino.

02 - Entre o santo e o pecador só há esta diferença: o santo tem passado, o pecador tem futuro.

03 - As piores coisas sempre são feitas com as melhores intenções.

04 - Podemos resistir a tudo exceto às tentações.

05 - É muito melhor ser bonito que bom; mas é melhor ser bom antes que ser feio.

06 - Escolho os meus amigos pela beleza, os meus conhecidos pela respeitabilidade e meus inimigos pela inteligência.

07 - Para apreciarmos a qualidade de um vinho e sabermos de que safra foi feito, não precisamos tomar um tonel inteiro.

08 - Todo mundo sabe compadecer o sofrimento de um amigo, mas é preciso ter uma alma realmente bonita para se apreciar o sucesso de um amigo.

09 - Toda vez que fazemos uma coisa realmente idiota somos movidos pelos motivos mais nobres.

10 - Cada efeito bonito que produzimos nos cria um inimigo; para ser popular, a pessoa precisa ser uma mediocridade.

Estes Aforismos têm como base o livro Oscar Wilde - Aforismos, com tradução de Mario Fondelli para Clássicos Econômicos Newton.

Foto de Joba Tridente: Flores.2011

sábado, 12 de novembro de 2011

Joba Tridente: Faixa de Girassóis

foto de Joba Tridente: Girassol

Houve um tempo em que as minhas viagens ao interior eram mais intensas. Conheci todo tipo de hotel, até os de beira de estrada. Conheci todo tipo de gente, até os que valem nada. Houve um tempo anterior...

1
Ela gostava de girassóis, como poderia gostar de rosas, margaridas ou jasmins. Ou também de flor de laranjeira, abóbora ou algodão. E ainda da flor roxa do maracujá. Mas amava tão somente os girassóis. Desde criança. Desenhava, pintava e bordava a planta comprida e estranha em tudo quanto botava as mãos. Adorava passear no campo, para ver a plantação. Às vezes levava uma amiga. De outras ia . No interior daquele tempo o perigo passava ao longe. O namorado conheceu assim, passeando fora da cidade. Antes que falassem de amor ela falou de girassóis. Não sabia explicar a sua paixão. Talvez a luminosidade do amarelo. Ou o tamanho das pétalas. E ainda o girar contínuo. Ele era bom ouvinte e bom amante. Mas não sabia de que planta gostar. Seria bom se tivesse uma preferida, mas não conhecia coisas de jardim. Tinha um pequeno armazém e sonhava com um hotel. Achava bonito gente estranha chegando e partindo. Às vezes trocando causos e até mesmo ficando amigo. Mas nunca pensou em partir. Gostava de saber do mundo assim, através das pessoas. Fazia parecer que o mundo era um grande livro cheio de histórias sem fim.

2
Ela que gostava dos girassóis se casou com ele que gostava de hotéis. Então, as pinturas e bordados viraram quadros que o marido mandou emoldurar e dependurar nas paredes do pequeno Hotel dos Girassóis. Os filhos chegaram, cresceram, estudaram e partiram. Apenas uma, que não se importava com girassóis, mas com cosméticos, ficou para cuidar dos velhos e do hotel, que também precisava de cuidados. A que ficou achava tudo muito antigo. Queria novidades mesmo ali, naquela lonjura. Via seções de decoração em revistas femininas e programas de televisão. Gostava do que lhe parecia moderno, no interior.

3
A mãe que pintava girassóis e o pai que construíra o hotel viam nos desejos da filha um orvalho adoçando a terra na manhã. Não compreenderam a tormenta que chegou ali atropelando os canteiros cultivados outrora com tanta dedicação. Numa manhã a velha escada de madeira foi atropelada por uma de ferro retorcido. No outro o piso de antigos ladrilhos ganhou carpete de madeira. Na sequência os quadros sumiram das paredes. Não combina com nada disse a decoradora para a filha que respondeu a lengalenga para os pais. Assim, num passe de mágica fajuta, o dourado sumiu do entre andares, da sala de espera e dos corredores. Ali os vários quadros forrados de girassóis eram a luz faltante do inverno. Neles alguns viajantes deixavam-se vagar até o aconchego da casa longe. Perdiam o temor da noite que caía rapidamente num lugar em que não tinham mais que laços comerciais, que nem sempre eram desatados. Não se preocupavam com a aurora que os punha de novo na estrada. Também procuravam os girassóis de óleo, acrílico, , algumas abelhas cansadas ou mesmo sem rumo e beija-flores distraídos. Agora, não mais a luz dourada irradiando pelos cômodos. Não mais.

4
A mãe que bordava girassóis cegou o na garganta, ao saber que em canto algum caberia um girassol, nem em arranjo artificial. O pai que aprendeu a amar os girassóis, como amava a mulher, sugeriu uma pequena faixa da flor no papel de parede do restaurante. A resposta cortou feito navalha. Ali era um lugar frequentado por hóspedes e, em sua maioria, machos. Para a decoradora, o homem, se macho, ou aproximado, não gosta do que lhe parece singelo. Gosta é do que lhe parece rústico e bruto. Delicadeza não é coisa de homem. Difícil saber quem a figura da caricatura em objeto.

5
Mãe e pai, hóspedes antigos, olham o amarelo envelhecido da parede e pisam no amarelo desbotado do carpete de madeira, nem de longe o tom do girassol. A faixa de madeira entre a tinta e o papel na sala do café, amanhece apenas madeira nua. O pai não tem certeza da nova casa sem passado, sem as lembranças de cada um. A mãe apenas queda triste a cada dia de não mais isso ou aquilo.

6
Ela, que adorava girassóis, talvez continue pintando e bordando a flor, mesmo com os olhos cansados e os dedos reumáticos. O pai talvez continue mandando emoldurar tudo como antigamente, mesmo que o destino seja o quarto de velharias, junto com os outros. A mãe, feito uma Penélope, talvez continue inventando arte para aplicar seus girassóis, como tecer um tapete, uma passadeira, repleta de girassóis, que jamais irá para o chão do hotel, mas que poderá lhe servir de mortalha. O pai, feito um Ulisses, repleto de memórias, talvez continue olhando para as entranhas do seu hotel onde agora tudo combina fria e estranhamente. Ambos trocarão olhares escondidos da filha, buscando lembranças anteriores aos sonhos. Temem que quando as encontrarem seja tarde demais.

7
Hoje é quase amanhã e isso é muito mais que ontem.

Joba Tridente.06.07.2000
Foto de Joba Tridente.30.10.2011
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