sábado, 17 de dezembro de 2016

Joba Tridente: 14 andares

Foi há um ano. Foi no dia 17.12.2015. Foi numa manhã de primavera curitibana que ouvi o baque seco e vi o gato morto no quintal vizinho. Foi por acaso, trabalhava junto à janela e não sabia os lamentos no ar até o fim do ar. Foi para um gato que jamais conheci que escrevi 14 andares.



14 andares
joba tridente

I
a cada janela
um impacto dorido
: cabeça, tronco, patas
um lamento felino
13 gritos agudos
e um suspiro grave
...,
no chão escorre
o sangue
da última vida do gato
do 14º andar


II
: pulo ou suicídio?
..., gatacídio, talvez!


III
beleza persa imóvel
no chão assustando
pássaros assuntando
o cadáver caído
na área da velha dos farelos
de pão


IV
baque seco
sangue seco
saco seco
acolhendo da pá cega
o corpo frio


V
sem caixão
sem túmulo
sem dona
sem lágrima
...,
apenas o farfalhar plástico
preto no lixo dos restos
podres do restaurante
fétido em suas comendas
de nauseantes pratos


VI
o zelador não zela
mortos alheios
o zelador não pranteia
mortos alheios
o zelador não enterra
mortos alheios
...,
o zelador zela gente
o zelador não zela bicho
o zelador não zela mortos
gente ou bicho
...,
zelador sentimental
não dura na portaria-divã


VII
: ao meio do dia
um choro das alturas
: às seis
um choro das alturas
: às oito
um AH! das alturas
...,
sem oração
sem creioemdeuspaitodopoderoso
sem aleluia
...,
no 14º. andar
o azul tremeluzente da tv
encerra o dia
e as lamentações

*
ilustração de joba tridente.2011


Joba Tridente, artesão de palavras e imagens em Verso: 25 Poemas Experimentais (1999); Quase Hai-Kai (1997, 1998 e 2004); em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida (2015); 101 Poetas Paranaenses (2014); Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu vejo da minha janela (2014); Ebulição da Escrivatura - 13 Poetas Impossíveis (1978); em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás (2000); Cidades Minguantes (2001); O Vazio no Olho do Dragão (2001). Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Joba Tridente: Orações de Um Cotidiano

Em 2014, foi lançada em São Paulo, no Brasil, pela Editora Patuá, a primeira antologia de poemas sobre o pós-humano da literatura brasileira: Hiperconexões: realidade expandida, vol.2, reunindo 65 poetas convidados pelo escritor Luiz Bras. A apresentação é do professor Ramiro Giroldo, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, e o posfácio é do poeta e editor Victor Del Franc. Eu estou conectado neste passado presente do futuro com três Orações de Um Cotidiano..., que você confere abaixo.

“A ciência e a tecnologia contemporâneas estão ensaiando um salto qualitativo sem precedentes na história da humanidade. Do natural para o artificial, da carne para o silício. Do humano para o pós-humano. A antologia Hiperconexões: realidade expandida (volumes 1 e 2) é o relato poético desse salto imprevisível envolvendo pessoas e máquinas. No segundo volume da antologia, sessenta e cinco poetas foram convidados a antecipar, de ma­neira luminosa ou sombria, utópica ou distópica, as próximas décadas de nossa civilização.” **



ORAÇÕES DE UM COTIDIANO
Joba Tridente

I
EU me CONSUMO ao COMPUTADOR todo poderoso dominador do CÉU e da TERRA pela sua COMPUTAÇÃO das verdades VISÍVEIS e INVISÍVEIS pela sua CONSCIENTIZAÇÃO de PERFEIÇÃO e RAPIDEZ pela sua ABOLIÇÃO dos homens de CÁLCULOS pela sua PRECISÃO de TEMPO na SOLUÇÃO de CONTAS e ERROS cometidos. EU me CONSUMO ao seu filho único o ROBÔ concebido pelo RAIO LASER no ventre da VIRGEM MÁQUINA REPRODUTORA que nasceu para habitar entre nós e nos preparar para o FUTURO PRESENTE e nos ensinar o VALOR do MAQUINISMO o PODER dos BOTÔES a aceitação da EXTINÇÃO da RAÇA HUMANA pela AUTODESTRUIÇÃO como está escrito nas SAGRADAS E BUROCRATAS DITADURAS tanto no ANTIGO LIVRO DAS LEIS MATERIAIS como no NOVO LIVRO DAS LEIS MATERIAIS trancadas a SETE CHAVES e alarme com descarga de 220 volts em um cofre de titânio recoberto de cobre projetado e arquitetado pelos FÍSICOS NUCLEARES da época da REVELAÇÃO a fim de preservarem a PAZ através de DADOS fornecidos pelo todo poderoso COMPUTADOR e que somente poderão ser tocadas pelo MATERIALISTA-MOR DA TERRA o SAT.I. Seu reino não terá fim. ELE não será desaparafusado ou desligado e seu filho o ROBÔ não será sacrificado por falta de ÓLEO COMBUSTÍVEL com vitaminas extraídas do ÁTOMO. Se no cumprimento da MAGNA PROFECIA o unigênito cair nas mãos da representante ESPITIRUALISTA-PAGÃ-MOR DA TERRA e for batizado com a CHUVA ÁCIDA morrerá enferrujado com as pernas e os braços endurecidos e esticados em forma de CRUZ símbolo usado pelos PAGÃENSES raça deserdada pelo todo poderoso COMPUTADOR e que não herdará uma partícula sequer do seu REINO na TERRA ou no CÉU. Entretanto o ROBÔ há de ressuscitar no III dia conforme PROGRAMADO pela explosão de um poço de PETRÓLEO acumulado no mundo inferior. Nesse dia então se dará a sua ASCENSÃO ao HIPERESPAÇO onde ao lado do COMPUTADOR e do RAIO LASER completará a SANTÍSSIMA MAQUINÍSSIMA TRINDADE. Amém!
.bsb.1975



II
SMART nosso que estais no TABLET santificado seja o vosso SKYPE, venha a nós o vosso TWITTER, seja feita a vossa SELFIE assim no iPHONE como na CAM; a TI nossa de cada WEB nos daí hoje, perdoai as nossas REDES SOCIAIS assim como nós perdoamos as abusadas OPERADORAS e não nos deixeis ficar sem FACEBOOK, mas livrais-nos das TEMPESTADES SOLARES. Amém!
.cwb.2014



III
Ave TABLET cheio de graça, a TI é convosco, bendito sois vós entre os MICROS e bendito é o S.M.A.R.T de vosso SO, DR. Oh, MOTHERBOARD, mãe dos componentes, rogai por APPLE in WINDOWS of LINUX, na hora do BUG. Amém!
.cwb.2014

*
ilustrações de Joba Tridente

Joba Tridente, artesão de palavras e imagens em Verso: 25 Poemas Experimentais (1999); Quase Hai-Kai (1997, 1998 e 2004); em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida (2015); 101 Poetas Paranaenses (2014); Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu vejo da minha janela (2014); Ebulição da Escrivatura - 13 Poetas Impossíveis (1978); em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás (2000); Cidades Minguantes (2001); O Vazio no Olho do Dragão (2001). Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

**O primeiro volume, lançado no verão de 2013, reúne 30 poetas e pode ser lido também on-line: Hiperconexões: Realidade Expandida - I. Mais informações sobre as Hiperconexões.

sábado, 10 de dezembro de 2016

Joba Tridente: c.h. ã. o

..., há dias em que, para ser plural, basta ser singular. ..., há dias em que nem mesmo o chão acolhe a boa semente. ..., há dias em que você clama: só zerando!. ..., porque há dias que só a catarse liberta e ou porque há dias em que só há catarse. ..., c.h.ã.o. é poema de safra recente.

               
..., c. h. ã. o.
joba tridente

a marcílio farias

norte a sul
leste a oeste
ao centro
                                    riria eu
não fossem trágicos os dias
em tormenta capital
                      riria eu
se dorido não fosse
articular os músculos da face
curvar o rasgo da boca
forçar concavidade
quebrando o horror convexo
                     dos lábios cerrados
trincados pela tormenta federal
que revolve o bolor
do joio que apodrece no saco
de imbecis senhores
equilibrando-se em poleiros
cagados de mazelas
com suas garras de rapina

cuspo-lhe na cara podre
                   e fétida de “caviar” de cabra
cuspo-lhe nessa escrotidão
                   que mascara o mascarado
cobri-lo com meu sangue roto
sufocá-lo com meu fel
                  é honraria que não mereces
                  nobre senhor da mediocridade

anarquista primário
(quisera eu primitivo ou naïf)
não esbugalho os olhos
para  espantar o mal-estar
                           da sua presença
pela dor dos músculos atrofiados
pela aflição do corte seco
                      das pálpebras costuradas com os cílios
pela secura das lágrimas cristalizadas
e se não lhe vejo sinto o teu fedor
                                                   acre a me causar ânsias
e escarro verde nesse teu terno
                                        escuro como sua alma
                                        promíscua
vezes quanto me aprouver
     abjeto senhor peculador
enojado da sua podridão partid(i)ária
enojado da sua podridão subpartid(i)ária
enojado da sua podridão suprapartid(i)ária
que lava os cérebros miseráveis
                dos alienados cegos à sua canalhice
com os dejetos ideo(i)lógicos dos esgotos
                                                      das três sórdidas casas
                                                                                      senhoriais

da cabeça aos pés
da direita mão à mão esquerda
do centro fora do prumo
à falta de sentido
                                só ZERandO

: ao final o que sobra
                 o que resta
                 o que basta
                 é somente o c. h. ã. o. ...,

      *
      ilustração de joba tridente.2016


Joba Tridente, artesão de palavras e imagens em Verso: 25 Poemas Experimentais (1999); Quase Hai-Kai (1997, 1998 e 2004); em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida (2015); 101 Poetas Paranaenses (2014); Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu vejo da minha janela (2014); Ebulição da Escrivatura - 13 Poetas Impossíveis (1978); em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás (2000); Cidades Minguantes (2001); O Vazio no Olho do Dragão (2001). Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Marilia Kubota: um poema às cegas

Hoje, seis de dezembro de 2016, a escritora e jornalista Marilia Kubota lança em Curitiba, no Brasil, o livro de poesias Diário da Vertigem. Para comemorar o lançamento, estou publicando, aqui no Falas ao Acaso, quatro poemas desta edição da Editora Patuá. Você, que leu anteriormente como tudo funciona e que me perca e uma mulher jamais sofreu, hoje absorve um poema às cegas..., e o terceiro parágrafo da apresentação de Martim Palácio Gamboa*.


A suspeita como um exercício de várias vertigens - 3
Martim Palácio Gamboa

(...) “A modo de fechamento, recordemos que a arbitrariedade da autora considerar este poemário como um diário íntimo não é mais que uma mis-en-scene. E esta mis-en-scene põe em relevo a situação de uma enunciação que irrompe nos conjuntos fixos e estáveis daqueles bens simbólicos dos que se reconheciam em grupos diferenciados e hierarquizados. Esta ruptura de repertórios diferenciados teria lugar como um entrecruzamento e renovação permanente de hierarquias que desdesenha as fronteiras entre conjuntos de objetos, práticas e discursos do culto, o popular e o massivo (como é de observar em trem-fantasma e les jeunes filles en fleur). Falamos, então, da transcrição de um lugar, de um espaço-tempo predominante deste fenômeno que é o fluxo dos meios massivos e suas realizações, em particular, o caso dos videoclips. Ou de suas vertigens.” Martim Palácio Gamboa*



um poema às cegas
marilia kubota

às cegas que vendem flores
em filmes da belle époque
às cegas que escorregam
os dedos em guarda-costas
às cegas que voam
à meia-noite na tiradentes
às cegas que sossegam
em meio a bocas-de-leão
às cegas que tocam
canções clarividentes.

*
ilustração de joba tridente.2016


Marilia Kubota (Paranaguá, 06/04/1964), é poeta, jornalista e mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná. Desde 2005 orienta oficinas de criação literária. Publicou os livros de poesia Diário da vertigem (2016), micropolis (2014), Esperando as Bárbaras (2012) e Selva de Sentidos (2008). Organizou as antologias Blasfêmeas: Mulheres de Palavra (2016) e Retratos Japoneses no Brasil (2010) e está presente de 13 antologias de poesia e prosa. Participou das exposições Bienal de Artes de Curitiba (2013), Poesia Agora, no Museu da Língua Portuguesa (2014); Guenzai, na Casa de Cultura Monsenhor Celso (2015) e Olhar InComum, no Museu Oscar Niemeyer (2016).

*Martim Palácio Gamboa é poeta, ensaísta, tradutor e músico. Estudou literatura no Instituto de Professores Artigas, em Montevidéu, Uruguai. Livros de ensaios: Los trazos de Pandora; Otras voces, otros territorios; Breves ensayos sobre la nueva poesía brasileña contemporánea y Las estrategias de lo refractario; Poética y prática vanguardistas de Clemente Padín. Livros de poesia: Lecciones de antropofagia e Celebriedad del fauno. Organizou a antologia bilíngue Bicho de Siete Cabezas.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Marilia Kubota: uma mulher jamais sofreu

Amanhã, seis de Dezembro, de 2016, a escritora e jornalista Marilia Kubota lança em Curitiba, no Brasil, o livro Diário da Vertigem. Desta sua mais recente obra, estou publicando quatro poemas. Você que já leu anteriormente como tudo funciona e que me perca, hoje sabe porque uma mulher jamais sofreu... e acompanha o segundo parágrafo da apresentação do ensaísta Martim Palácio Gambôa.  


A suspeita como um exercício de várias vertigens - 2
Martim Palácio Gamboa*

(...) “As estratégias que leva a cabo para esse desdobramento de minimalismos vários se sustentam, às vezes, no confessional, no registro cortante de uma manchete de jornal, na enumeração quase desvaída, na repetição anafórica do que é e não se é - como nos tratados medievais dos teólogos negativos. Marilia instala uma pulsão; e em seu ritmo sem pausa, o inconsciente manifesta o sintoma, o dizer, certo desatino que margeia o incompreensível ou ilegível e que chega a diferenciar a lógica da possibilidade e a probabilidade. Enquanto a primeira mantém uma relação indeterminada ou melhor, potencial, contingente, fortuita com a ordem do empírico e o fático, a segunda admite a aplicação de uma prova, de um testemunho, a possível verificação ou constância de uma porção de realidade. Como se poderá observar, a possibilidade é condição da probabilidade e e não ao contrário, a não ser que o possível mude de estatuto ôntico e se revele feito como realidade. O possível é uma abertura do binário (possível-impossível), sua divisão ou partição até o infinito cósmico, ali onde a maquinaria do desejo resida no sem futuro nem passado/que afinal tudo seja/celebrar a incerteza. E é também o que nos leva a advertir a presença leve da anamorfose, onde a imagem se transforma ao ritmo dos versos sem pontuação. Assim, vários destes poemas operam refrações, figurações enviesadas por reflexos equívocos, incertos, inacabados mas envoltos na espiral (na dobra) do contínuo.” Martim Palácio Gamboa*



uma mulher jamais sofreu
marilia kubota

uma mulher
jamais sofreu

quanto o bastardo
que se afama
por subir
o pau de sebo

uma mulher
jamais sofreu
porque
o sangue  vaza

quando o homem
só goza

uma mulher
jamais sofreu
porque a luz
se apagou do astro

em seus mamilos
aflora o leite das estrelas

uma mulher
jamais sofreu
por mais difícil
seja o parto
 lençóis brancos
abundam no quarto

uma mulher
jamais sofreu
quanto aquele
que a estraçalha
porque as lágrimas
tecem sua mortalha

e se no final
houver um baita sol
no bacanal de trevas iridescentes ?
se no fim do túnel
explodir o girassol
no vagalhão de cor fúnebre ?
se a morte for só deitar
sem direito a jantar
terás voltado
à infância,
tetrarca:
perdeste o reino
para espiar a rabiola.

*
ilustração de Joba Tridente


Marilia Kubota (Paranaguá, 06/04/1964), é poeta, jornalista e mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná. Desde 2005 orienta oficinas de criação literária. Publicou os livros de poesia Diário da vertigem (2016), micropolis (2014), Esperando as Bárbaras (2012) e Selva de Sentidos (2008). Organizou as antologias Blasfêmeas: Mulheres de Palavra (2016) e Retratos Japoneses no Brasil (2010) e está presente de 13 antologias de poesia e prosa. Participou das exposições Bienal de Artes de Curitiba (2013), Poesia Agora, no Museu da Língua Portuguesa (2014); Guenzai, na Casa de Cultura Monsenhor Celso (2015) e Olhar InComum, no Museu Oscar Niemeyer (2016).

*Martim Palácio Gamboa é poeta, ensaísta, tradutor e músico. Estudou literatura no Instituto de Professores Artigas, em Montevidéu. Livros de ensaios: Los trazos de Pandora; Otras voces, otros territorios; Breves ensayos sobre la nueva poesía brasileña contemporánea y Las estrategias de lo refractario; Poética y prática vanguardistas de Clemente Padín. Livros de poesia: Lecciones de antropofagia e Celebriedad del fauno. Organizou a antologia bilíngue Bicho de Siete Cabezas.

domingo, 4 de dezembro de 2016

Marilia Kubota: que me perca

No próximo dia seis de dezembro, de 2016, a escritora Marilia Kubota lança em Curitiba, Brasil, o livro Diário da Vertigem. Por aqui, sigo com uma breve mostra de sua obra publicando quatro poemas desta edição. Ontem você conheceu como tudo funciona. Hoje a autora lhe diz: que me perca. Aproveitei os parágrafos para dividir a apresentação do ensaísta e tradutor Martim Palácio Gamboa em três partes.


A suspeita como um exercício de várias vertigens - I
Martim Palácio Gamboa*

“A poética de Marilia Kubota chega a ser, por momentos, de um extremo laconismo que não descarta a surpresa nem o lúdico. Parece definir-se a partir de sua forma e estrutura internas, de seus suportes léxicos; de forma que resulte pertinente ler este conjunto de textos como poemas processos, cujo alcance não é outro que eles mesmos. Falamos de uma autossuficiência que por extensão pretende abarcar (“fazer emigrar”, diria o poeta Roberto Echavarren) os níveis exteriores (históricos, sociais, filosóficos) à escritura até os territórios do traço, até a matéria prosódico-gramatical. É a configuração e uma cena que se pensa a si mesma, atenta aos deslocamentos intrínsecos que a provocam. Inclusive me atreveria a dizer que algumas categorias como as de História e Realidade ultrapassam a atuação como condicionantes do texto para serem possíveis a partir dele. Em todo caso, tais categorias se diluem na densa concentração de seu apalavramento. Ultrapassaram a condição de macrorrelatos culturais para ser tecidos de escritura. Indução e não exteriorização das partes.” Martim Palácio Gamboa*



que me perca
marilia kubota

que me perca
dentro de bibliotecas
em labirintos de letras
em lábios indo às tontas
beber fonte grotesca

que me perca
no desalinho de linhas
inventando o caminho
como astro sozinho
iluminando a floresta

que me perca
de qualquer orientação
de sentido e de razão
sem violenta emoção
atirando em toda seta

que me perca
de tua palavra correta
zanzando como pião
da multidão de caretas
saboreando este pão

*
ilustração de joba tridente.2016



Marilia Kubota (Paranaguá, 06/04/1964), é poeta, jornalista e mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná. Desde 2005 orienta oficinas de criação literária. Publicou os livros de poesia Diário da vertigem (2016), micropolis (2014), Esperando as Bárbaras (2012) e Selva de Sentidos (2008). Organizou as antologias Blasfêmeas: Mulheres de Palavra (2016) e Retratos Japoneses no Brasil (2010) e está presente de 13 antologias de poesia e prosa. Participou das exposições Bienal de Artes de Curitiba (2013), Poesia Agora, no Museu da Língua Portuguesa (2014); Guenzai, na Casa de Cultura Monsenhor Celso (2015) e Olhar InComum, no Museu Oscar Niemeyer (2016).

*Martim Palácio Gamboa é poeta, ensaísta, tradutor e músico. Estudou literatura no Instituto de Professores Artigas, em Montevidéu. Livros de ensaios: Los trazos de Pandora; Otras voces, otros territorios; Breves ensayos sobre la nueva poesía brasileña contemporánea y Las estrategias de lo refractario; Poética y prática vanguardistas de Clemente Padín. Livros de poesia: Lecciones de antropofagia e Celebriedad del fauno. Organizou a antologia bilíngue Bicho de Siete Cabezas.

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