segunda-feira, 31 de março de 2014

Joba Tridente: 31

31
para TT Catalão

à hora zero
era
à zero hora
foram
à hora zero
causaram
à zero hora
casernaram
à hora zero
.............................................
indo ou vindo
indo ouvindo
o tic-tac-clic
no desterro
o tic-tac-glub
no porão
o tic-tac-bang
no ermo
o tic-tac-taco
no pau
indo ou vindo
indo ouvindo
.............................................
arara desencantada
arara desencapada
arara desembestada
arara desencadeada
arara desensinada
.............................................
céu daquele azul
aves desemparceiradas
chão daquele verde
aves desmembradas
água daquele branco
aves desditosas
.............................................
casa sem leme
casa furta-cor
casa sem lema
.............................................
31 tic-tac 31 tac-tic: 31!
31 clic-clac 31 clac-clic: 31!
ai! ai! ai! 
ai! ai! ai! ai!
ai! ai! ai! ai! ai! 
ai! ai!ai! ai!ai! ai! ai!
ai! ai!ai! ai! ai! 
ai! ai! ai! ai!
ai! ai! ai!
31 clic-clac 31 clac-clic: 31!
31 tic-tac 31 tac-tic: 31!
………………………………..…….
à hora zero
casernaram
à zero hora
causaram
à hora zero
foram
à zero hora
era
à hora zero

*
Joba Tridente. 2014

domingo, 30 de março de 2014

Amadeu Amaral: Poesia da Viola - 3

Conheci o livro Poesia da Viola (Folclore Paulista), de Amadeu Amaral, lançado em 1921, vasculhando o fascinante arquivo digital do projeto Brasiliana USP. Trata-se de uma interessante “Conferência proferida em S. José do Rio Pardo, em 8 de Junho de 1921, a beneficio integral do Asilo de Inválidos «Padre Euclides Carneiro», daquela cidade, e mandada imprimir pela mesma instituição, ainda a seu beneficio.” Compilei três distintas modas, acompanhadas da análise de Amadeu Amaral.


A “Moda” Melancólica

A aparição de animais na moda caipira é frequentíssima. Ha inumeráveis composições, como a que acabo de citar, a eles inteiramente consagradas. São, como é bem de ver, quase sempre humorísticas, de um humorismo raso e liso, sem segundas intenções, sem refolhos. Contudo, em algumas - nota curiosa - se mistura ao riso um pouco de piedade e de melancolia.

O exemplo mais completo que possuo é uma canção ou moda - As queixas do Boi - notável pela doçura do sentimento, pelo seguido da narrativa, pela ausência de enxertos e de excrescências, pelo realismo vivo e pelo vigor de certos traços. Colhi-a em S. Sebastião da Grama, da boca de um cantador, e informou-me Pedro Saturnino que a ouviu, há muitos anos, em Minas, tendo-lhe ela feito tão profunda impressão, que mais tarde o poeta não pode eximir-se a dedicar um poema ao mesmo assunto - vicissitudes de um novilho, - poema que é um dos mais sentidos e mais fortes da sua lira tão boa quanto bela.  


As Queixas do Boi

Eu fui aquele bezerro
que nasci no mês de Maio.
Desde o dia em que nasci
começaram os meus trabaio.

Me trouxeram lá do campo,
me puseram no curral;
me amarraram com uma corda,
para o meu leite roubar.

Me amarraram com uma corda,
roubaram todo o meu leite.
Depois de eu garrote feito,
me caparam de macete.

De dois ano era bezerro,
de quatro eu era garrote.
Me caparam de macete
que eu sofri a dor da morte.

Me trouxeram lá do campo,
me deram tantos esbarros,
puseram tamanha canga
p'ra puxar tamanho carro.

Puseram tamanha canga,
tamanho tiradeirão;
tanta força que eu fazia,
inda tomava ferrão.

Eu mostrei minhas bondades
logo no primeiro dia:
me tiraram eu do meio,
me puseram lá na guia.

Eu fui aquele infeliz
que nasceu no mês de Maio,
me tiraram lá da guia,
puseram no cabeçaio.

Carreiro que me tocava
era um moço valentão ;
dei uma chifrada nele,
que varou no coração.

Meu senhor foi, me vendeu,
vendeu com grande despacho ;
me puseram na boiada
me tocaram serra abaixo.

Corri matas e capoeiras
p'ra fazer minha fugida :
vi que não tinha remédio,
entreguei a minha vida.

As carreiras que eu dei
lá no alto do capão!
Adonde eu tirava os pés
o cavalo punha as mão.

As carreiras que eu dei
lá no campo da amargura!
Saía tocha de fogo
do rompão das ferraduras.

Adeus, campo! adeus, terra!
adeus, serra de Goiais
Vou indo por aqui afora,
sei que cá não volto mais.

Eu passei esses trabalhos,
uns grandes e outros maior:
às quatro horas da tarde,
tive de casco p'ra o sor.

Corri meus olhos p'ra baixo,
p'ra ver meu sangue correr.
Adeus, campo! adeus, terra,
p'ra nunca mais eu te ver !

O carniceiro saiu,
avisando seus vizinhos ;
quando foi daqui um pouco,
fui saindo aos pedacinhos.

A velha pediu um pedaço,
eles deram o coração ;
também deram a barrigada,
p'ra a velha fazer sabão.

Do couro fizeram laço;
veio um ratinho, picou.
Coitado do Ramalhete!
até rato o aproveitou!

*
Ilustração de Joba Tridente - 2014


Amadeu Amaral (1875-1929), poeta, folclorista, filólogo e ensaísta. Autodidata (assistiu algumas aulas do Curso Anexo da Faculdade de Direito), ingressou no jornalismo trabalhando no Correio Paulistano, O Estado de S. Paulo, Gazeta de Notícias. No Brasil, foi o primeiro a estudar cientificamente um dialeto regional. Dialeto Caipira, publicado em 1920, escrito à luz da linguística, estuda o linguajar do caipira paulista da área do vale do rio Paraíba, analisando suas formas e esmiuçando-lhe o vocabulário. Poesia: Urzes (1899); Névoa (1902); Espumas (1917); Lâmpada Antiga (1924). Ensaios: Letras floridas (1920); O dialeto caipira (1920); A Poesia da Viola - Folclore Paulista (1921), O elogio da mediocridade (1924). Póstumo: Memorial de um passageiro de bonde (1931), Tradições populares (1948). Fonte: Academia Brasileira de Letras.

sábado, 29 de março de 2014

Amadeu Amaral: Poesia da Viola - 2

Conheci o livro Poesia da Viola (Folclore Paulista), de Amadeu Amaral, lançado em 1921, vasculhando o fascinante arquivo digital do projeto Brasiliana USP. Trata-se de uma interessante “Conferência proferida em S. José do Rio Pardo, em 8 de Junho de 1921, a beneficio integral do Asilo de Inválidos «Padre Euclides Carneiro», daquela cidade, e mandada imprimir pela mesma instituição, ainda a seu beneficio.” Compilei três distintas modas, acompanhadas da análise de Amadeu Amaral.


A “Moda” de Fantasia

(...) Recitei-vos duas modas de amor. O amor é que fornece tema para a maioria dessas composições; mas também cantam elas, em vários tons, as misérias do pobre campônio, cantam aventuras e trabalhos, cantam os mais diversos acontecimentos da vida social, observados pelo cantador. E há também as modas de pura fantasia e brincadeira, como esta que ouvi cantada por um caipira dos arredores desta cidade e que é, indisputavelmente, bem tecida:


O Casamento da Filha da Onça

Ajuntaram a bicharada,
p'ra fazer uma reunião,
p'ra fazer uma grande festa
nesse centro de sertão.

A onça tinha uma filha
que era linda de feição;
pra não misturar co'a raça,
fez casar com primo-irmão.

O tamanduá era o padre,
o lobo era o sacristão:
o macaco, o juiz de paz,
o veado era escrivão.

A noiva sabia ler,
o noivo disse que não;
p'ra assiná a rogo do noivo,
mandaram chamar o leão.

A barraca é do fandango,
a sala é da coleição: (*)
repunaro o gambá
por chegar de pé no chão ;

(Mas) logo foi alumiado
pra servente do quentão.
Mandaram chamá o bugio
p'ra servir os folgasão.

A capivara com a paca
se arranjaram num pontão.
Brinco de ouro nas orelhas,
vestido de gorgorão,

sapatinhos de fivela,
carreirinha de botão,
ficaram na maior forma
p'ra ser damas num salão.

Mandaram buscá instrumento
nesse centro de matão;
o tatu veio de viola,
o lagarto de violão.

Tocador que ali tocava
era um bando de pavão,
que cobriro o mundo inteiro
de toque de bamburrão.

O cuati namorou a cutia
pela réstea do lampião.
O cateto chegou perto,
ele foi não achou bão;

logo formaro uma briga
arrancaro do facão.
Veio um bando de queixadas,
levou tudo p'ra a prisão.

(*) Coleição, gente fina.

 *
Ilustração de Joba Tridente - 2014

Amadeu Amaral (1875-1929), poeta, folclorista, filólogo e ensaísta. Autodidata (assistiu algumas aulas do Curso Anexo da Faculdade de Direito), ingressou no jornalismo trabalhando no Correio Paulistano, O Estado de S. Paulo, Gazeta de Notícias. No Brasil, foi o primeiro a estudar cientificamente um dialeto regional. Dialeto Caipira, publicado em 1920, escrito à luz da linguística, estuda o linguajar do caipira paulista da área do vale do rio Paraíba, analisando suas formas e esmiuçando-lhe o vocabulário. Poesia: Urzes (1899); Névoa (1902); Espumas (1917); Lâmpada Antiga (1924). Ensaios: Letras floridas (1920); O dialeto caipira (1920); A Poesia da Viola - Folclore Paulista (1921), O elogio da mediocridade (1924). Póstumo: Memorial de um passageiro de bonde (1931), Tradições populares (1948). Fonte: Academia Brasileira de Letras.

sexta-feira, 28 de março de 2014

Amadeu Amaral: Poesia da Viola - 1

Conheci o livro Poesia da Viola (Folclore Paulista), de Amadeu Amaral, lançado em 1921, vasculhando o fascinante arquivo digital do projeto Brasiliana USP. Trata-se de uma interessante “Conferência proferida em S. José do Rio Pardo, em 8 de Junho de 1921, a beneficio integral do Asilo de Inválidos «Padre Euclides Carneiro», daquela cidade, e mandada imprimir pela mesma instituição, ainda a seu beneficio.” Compilei três distintas modas, acompanhadas da análise de Amadeu Amaral.

Poesia da Viola (Folclore Paulista)
Flores do Campo e a Poesia do Povo.

(...) Essa poesia do povo é singela, é humilde e é rude como as florezinhas do campo. Mas, convém que se note, muitas vezes ela é menos singela, menos humilde e menos rude do que se nos afigura. Assim como entre aquelas flores algumas há que apenas parecem ligeira diferenciação de folhas, com as quais por pouco se não confundem, assim, entre os versos do povo, há as que mal se destacam da prosa corriqueira por um ligeiro artificio de ritmo e de rima. Mas também há versos que lembram aquela corola de há pouco, a denunciarem um trabalho já relativamente adiantado. Há coisas que são aleijões; há outros que são milagres de arte, reunindo a maior espontaneidade à maior força de expressão, o mais doce lirismo ao realismo mais intenso, - límpidas condensações de verdade, de beleza e de graça. O ponto está em se lhes dispensar alguma atenção, e algum carinho, em se examinarem de perto - como quem toma entre os dedos, amorosamente, uma florinha do campo.


A "Moda" Romântica

Encontram-se entre as modas coisas encantadoras pelo perfume de poesia silvestre, ora acre, ora suave, que desprendem. Escute-se esta curiosa narrativa, colhida por um de meus amigos em Porto Ferreira:

No tempo que fui tropeiro,
por esse mundo viajava.
A besta de cabeçada
de flores eu enfeitava.
Batia a carga no rancho,
as cangalhas arrumava;
botava um couro no centro,
a minha cama arranjava.
De noite eu pegava o pinho,
lindas canções eu cantava...
Lembrei-me da moreninha
que no meu bairro morava.

Foi numa noite estrelada,
vespra do galo cantar;
eu junto com a moreninha
sentemo de se apartar.
Na hora da despedida,
nós não pudemos falar;
nós dois chorava baixinho
pra ninguém não escutar.
Uma despedida oculta
é custoso de aguentar ;
ante uma bala no peito,
morrer sim, mas não penar. (*)

(*) É curioso notar como as ideias poéticas se repetem, até com grandes distancias e muitos séculos de permeio. Compare-se esse final com o remate desta estrofe de Enzo re, poeta dos primeiros tempos da literatura italiana:

Giorno non ho di posa,
come nel mare l'onda:
core, chè non ti smembri?
Esci di pene e dal corpo ti parte:
ch’assai val meglio un'ora
morir, che ognor penare.
(Francesco De Sanctis - Storia de la Letteratura Italiana, I.)

*
Foto-Ilustração de Joba Tridente - 2014


Amadeu Amaral (1875-1929), poeta, folclorista, filólogo e ensaísta. Autodidata (assistiu algumas aulas do Curso Anexo da Faculdade de Direito), ingressou no jornalismo trabalhando no Correio Paulistano, O Estado de S. Paulo, Gazeta de Notícias. No Brasil, foi o primeiro a estudar cientificamente um dialeto regional. Dialeto Caipira, publicado em 1920, escrito à luz da linguística, estuda o linguajar do caipira paulista da área do vale do rio Paraíba, analisando suas formas e esmiuçando-lhe o vocabulário. Poesia: Urzes (1899); Névoa (1902); Espumas (1917); Lâmpada Antiga (1924). Ensaios: Letras floridas (1920); O dialeto caipira (1920); A Poesia da Viola - Folclore Paulista (1921), O elogio da mediocridade (1924). Póstumo: Memorial de um passageiro de bonde (1931), Tradições populares (1948). Fonte: Academia Brasileira de Letras.

Nota: Link da versão pdf do livro Storia de la Letteratura Italiana I., de Francesco De Sanctis (1817-1883), lançado em 1870, que encontrei na web.

sábado, 22 de março de 2014

Siroba: Água

O grande SIROBA morreu em maio de 2013. Um dos melhores artistas do traço que conheci. Possivelmente a mais bondosa pessoa que conheci. Hoje comemora-se o Dia Mundial da Água. Ontem, quando preparava a postagem do meu poema água..., lembrei deste cartum do genial SIROBA, publicado no livro ABAIXO A DITA CUJA - Olho Por Olho, Dente Por Dente, lançado em 1977, pela Editora Horizonte, em Brasília. Tudo a ver! Tudo a pensar!






Joba Tridente: água


á g u a

aguadouro
água prata
água bronze
água ferro
água pedra
água pó
..................
eira à beira
seca a água a seca
................... à seca


*
Joba Tridente - Poema (06.12.2013)
e Ilustração (2014)

quinta-feira, 20 de março de 2014

Luiz Tatit: Felicidade

Não sabia da existência de um dia para ser feliz: 20 de Março. Ouvi, de manhã, um repórter falando e me lembrei desta pérola de Luiz Tatit, chamada Felicidade.



Felicidade
Luiz Tatit

Não sei porque eu tô tão feliz
Não há motivo algum pra ter tanta felicidade
Não sei o que que foi que eu fiz
Se eu fui perdendo o senso de realidade
Um sentimento indefinido
Foi me tomando ao cair da tarde
Infelizmente era felicidade
Claro que é muito gostoso
Claro que eu não acredito
Felicidade assim sem mais nem menos é muito esquisito

Não sei porque eu tô tão feliz
Preciso refletir um pouco e sair do barato
Não posso continuar assim feliz
Como se fosse um sentimento inato
Sem ter o menor motivo
Sem uma razão de fato
Ser feliz assim é meio chato
E as coisas nem vão muito bem
Perdi o dinheiro que eu tinha guardado
E pra completar depois disso
Eu fui despedido e estou desempregado
Amor que sempre foi meu forte
Não tenho tido muita sorte
Estou sozinho, sem saída, sem dinheiro e sem comida
E feliz da vida!!!

Não sei porque eu tô tão feliz
Vai ver que é pra esconder no fundo uma infelicidade
Pensei que fosse por aí, fiz todas terapias que tem na cidade
A conclusão veio depressa e sem nenhuma novidade
O meu problema era felicidade
Não fiquei desesperado, não, fui até bem razoável
Felicidade quando é no começo ainda é controlável

Não sei o que foi que eu fiz
Pra merecer estar radiante de felicidade
Mais fácil ver o que não fiz
Fiz muito pouca coisa aqui pra minha idade
Não me dediquei a nada
Tudo eu fiz pela metade, porque então tanta felicidade
E dizem que eu só penso em mim, que sou muito centrado
Que eu sou egoísta
Tem gente que põe meus defeitos em ordem alfabética
E faz uma lista
Por isso não se justifica tanto privilégio de felicidade
Independente dos deslizes dentre todos os felizes
Sou o mais feliz

Não sei porque eu tô tão feliz
E já nem sei se é necessário ter um bom motivo
A busca de uma razão me deu dor de cabeça, acabou comigo
Enfim, eu já tentei de tudo, enfim eu quis ser consequente
Mas desisti, vou ser feliz pra sempre
Peço a todos com licença, vamos liberar o pedaço
Felicidade assim desse tamanho
Só com muito espaço!

*
Ilustração de Joba Tridente – 2014



Versões da canção no YouTube

Zélia Duncan em versão antológica

Luiz Tatit minimalista

Zélia Duncan em clipe da Biscoito Fino


Luiz Tatit, fundador do Grupo Rumo (1974-1991), é músico, linguista e professor universitário. Mais informação em MPBNET; Dicionário Cravo Albin da MPB; Luiz Tatit

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