quinta-feira, 23 de maio de 2019

Thomas Edward Lawrence: Confissão de Fé


Muitos leitores ligam o nome de Thomas Edward Lawrence primeiramente ao filme Lawrence da Arábia (1962) e depois ao clássico Sete Pilares da Sabedoria. Poucos sabem que ele era também escritor de belos poemas, como Confession of Faith ou Confissão de Fé, que você confere na fascinante tradução do jornalista e escritor Marcílio Farias, autor da excelente apresentação.

Em Agosto de 1922, Thomas Edward Lawrence, então Coronel do Exército Inglês, militar mais condecorado na época pela sua liderança na unificação dos países árabes e dissolução do Império Otomano (que lhe valeu o apelido Lawrence da Arábia), autor de uma das obras mais importantes do século XX, Os Sete Pilares da Sabedoria, pediu para passar à reserva e alistou-se na Força Aérea Real (R.A.F), aceitando o posto de cabo, comissão que teve até a sua morte alguns anos depois em um estúpido acidente de moto. Piloto exímio, arqueólogo brilhante, e engenheiro autodidata, Lawrence aperfeiçoou o desenho e motores dos biplanos da época e desenhou um dos primeiros barcos de combate anfíbio. Para animar seus colegas de caserna escreveu este Poema sobre os Pilotos da R.A.F. – uma pequena obra prima de observação e sutileza. Numa época em que o homossexualismo era punido com prisão ou castração química, Lawrence nunca escondeu sua preferência. Li este poema para meus alunos há alguns dias – e fiquei emocionado com as expressões felizes de seus rostos, e o silêncio profundo que se seguiu. New Orleans, Outubro de 2017. Marcílio Farias.


      

Confession of Faith
Thomas Edward Lawrence

Not the conquest of the air, but our entry thither.
We come.
Our soiled overalls were the livery of that sunrise.
The soilings of our bodies in its service were prismatic with its light.
Moody or broody.
From ground to air. First we are not earthbound.

In speed we hurl outselves beyond the body.
Our bodies cannot scale the heavens except in a fume of petrol.
The concentration of our bodies in entering a loop.
Bones, blood, flesh all pressed inward together.
Not the conquest of the air. Be plain, guts.
In speed we hurl outselves beyond the body.

We enter it. We come.
Our bodies cannot scale the heavens except in a fume of burnt petrol.
As lords that are expected. Yet there is a silent joy in our arrival.
Years and years.
Long arpeggios of chafing wires.
The concentration of our bodies in entering a loop.



                 

Confissão de Fé
Thomas Edward Lawrence
tradução Marcílio Farias

Não a conquista do ar, mas minha fusão
Com ele, por ele, nele.
Esse macacão sujo de óleo dando vida
A um sol estridentemente
Vivo.
O suor de nossos corpos
Refletindo (prismas) todas as
Cores desse dia que vivemos do
Solo às nuvens, pois
No Principio vivíamos
No Ar.
A velocidade nos separa desse corpo
E esse corpo só alcança os céus
Envolto numa nuvem de petróleo.
E quando mergulhamos em parafuso
Este corpo e este sangue unem-se
(fogo e nuvem) para sempre na
Marca do horizonte.
Não para conquista, mas comunhão:
Sangue, ossos, víscera,
Vida sempre viva sempre à frente
Desse corpo.
Absorvidos pelo firmamento
Só alcançamos os céus cobertos por
Uma nuvem de óleo queimado, e
Como deuses ansiosamente esperados
Sentimos o júbilo silencioso que nos
Aguarda na chegada.
Anos e mais anos
Percutindo fios telegráficos. E
Nossos corpos concentrados na
Preparação para a subida rápida
E o mergulho radical.

Londres, 02 de Setembro de 1929

*
fotos.joba.tridente.2015


Thomas Edward Lawrence ou T. E. Lawrence (Tremadog-GB: 16.08.1888 - Bovington-GB: 19.05.1935), foi arqueólogo, militar, agente secreto, diplomata, tradutor e escritor. O autor de Os Sete Pilares da Sabedoria ganhou notoriedade de herói militar britânico pelo seu desempenho na Revolta Árabe (1916-1918), ajudando na unificação das Tribos Árabes do Orienta Médio e na luta contra o Império Turco-Otomano..., o que lhe valeu o apelido de Lawrence da Arábia. As atividades de Lawrence ganharam uma repercussão ainda maior com o premiadíssimo filme épico Lawrence da Arábia (1962), dirigido por David Lean e com Peter O’Toole no papel título. T. E. Lawrence é autor, entre outros, de Seven Pillars of Wisdom; Revolt in the Desert; The Mint, Crusader Castles. Traduziu, diretamente do grego, The Odyssey of Homer e, do francês, The Forest Giant, de Adrien Le Corbeau.
Para saber mais: Wikipédia: T. E. Lawrence; First World War: Prose & Poetry - T.E. Lawrence; A Medium Corporation: The Man and the Mask of Lawrence of Arabia; A Medium Corporation: The Essential T.E.Lawrence; New World Encyclopedia: T. E Lawrence; John Byron Kuhner: Seven Pillars of Wisdom, by T.E. Lawrence; The New Criterion: The importance of T. E. Lawrence; T. E. Lawrence Society: A Brief Biography of T. E. Lawrence (1888-1935); History: T. E.Lawrence; Smithsonian: The True Story of Lawrence of Arabia;

Marcílio Farias é formado e pós-graduado pela Universidade de Brasília em Jornalismo, Cinema e Filosofia. Nos anos 70/80 trabalhou para a UNICEF/Brasil, USIS - Brasil e WHO, como consultor e assessor de assuntos públicos e culturais. Atuou como professor visitante da Universidade de Brasília e da Fundação Nacional de Teatro, editor assistente do Jornal de Brasília, colaborador do Jornal do Brasil, Correio Braziliense, Última Hora, Jornal do Unicef e The Brazilians (NY). Em 1974, integrou a equipe vencedora do Prêmio Esso para Melhor Contribuição à Edição Jornalística - Jornal de Brasília. No final da década de 80, escreveu e dirigiu o curta-metragem "Digitais" hors-concours em Lausanne e no Festival de Salvador, vetado pelo Concine logo em seguida. Em 1989 emigrou legalmente para os Estados Unidos. Foi assessor cultural e adido cultural ad hoc do Consulado Geral do Brasil, em Boston, de 1993 a 2003; Professor Visitante da Universidade de Massachusetts - Boston; Conferencista convidado do David Rockefeller Center for Latin American Studies (Harvard University) e Sloan School of Management (MIT); Professor de Comunicação Impressa e de História da Cultura na Universidade de Phoenix, AZ, EUA; Membro Honorário da American Academy of Poets (Owing Mills, MD), da International Society of Poets (Washington, DC) e da Society of Friends of The Longfellow House (Cambridge, MA). Vive e trabalha entre Natal (Brasil) e Phoenix-Miami-Boston (EUA).
Traduções publicadas no Falas ao Acaso: Ashraf Fayadh; Youssef Rakha; Thomas Merton I e II, III e IV; Hermann Hesse; Jean Arthur Rimbaud; Navajo John-Com-O-Sol-No-Peito; Seamus Heaney; George Seferis; Guillaume Apollinaire; Paul Celan; Frederic Manning; Max Ritvo. Poemas seus publicados no Falas ao Acaso: Moebius; Mandala; Passado incômodo; (John); Diálogo visto de longe na Praça de Sé; George Seferis; Thucydides. Marcílio Farias é autor de: Visual Field (1996), Watermark Press, MD, EUA; O Livro Cor de Triângulo Cor-de-Rosa (2007), e Rito para Ressuscitar um Elefante (2010), ambos pela Scortecci Editora, São Paulo, Brasil.

quarta-feira, 15 de maio de 2019

Carlos Drummond de Andrade: Canção Amiga


Há um poema antigo de Carlos Drummond de Andrade, publicado em Novos Poemas (José Olympio, 1948), que ganhou grande repercussão ao ser musicado pelo compositor e cantor Milton Nascimento e lançado no LP Clube da Esquina 2 (1978): Canção Amiga. Um poema de beleza ímpar que toca os leitores de qualquer idade (e nacionalidade), ao falar de lembranças e de fraternidade. Curiosamente o poema está reproduzido na cédula de 50 Cruzados Novos, que circulou entre 1989 e 1992. 

Complemento a postagem com a tradução do poema para o espanhol, feita pelo escritor e tradutor argentino Rodolfo Alonso e publicada em Carlos Drummond de Andrade - 50 Poemas Escogidos (Fundación Editorial el perro y la rana, 2008).



                  

Canção Amiga
Carlos Drummond de Andrade

Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça,
todas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos.

Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não me vêem, eu vejo
e saúdo velhos amigos.

Eu distribuo um segredo
como quem ama ou sorri.
No jeito mais natural
dois carinhos se procuram.

Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
e tornei outras mais belas.

Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.



Canción Amiga
Carlos Drummond de Andrade
traducción de Rodolfo Alonso

Yo preparo una canción
 en que mi madre se reconozca,
todas las madres se reconozcan,
y que hable como dos ojos.

Camino por una calle
que pasa por muchos países.
Si no me ven, yo veo
y saludo a viejos amigos.

Yo distribuyo un secreto
como quien ama o sonríe.
 Del modo más natural
 dos cariños se buscan.

Mi vida, nuestras vidas,
forman un solo diamante.
Aprendí nuevas palabras
y a otras las torné más bellas.

Yo preparo una canción
que haga despertar a los hombres
y adormecerse a las criaturas.

*
foto.joba.tridente.2012




Carlos Drummond de Andrade (Itabira-MG, 31.10.1902 - Rio de Janeiro-RJ, 17.08.1987): cronista e escritor de prosa e verso, tradutor. Farmacêutico formado pela Universidade Federal de Minas Gerais, Carlos Drummond, que foi funcionário público, dedicou-se à literatura desde muito jovem. Aos 28 anos de idade lançou seu primeiro livro, Alguma Poesia (1930), e teve o poema Sentimental declamado na Conferência Poesia Moderníssima do Brasil, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Portugal. Considerado o mais influente poeta do Sec. XX, Drummond de Andrade foi colaborador do Diário de Minas (onde iniciou a sua carreira de escritor), Correio da Manhã e Jornal do Brasil. A sua obra foi traduzida para o inglês, espanhol, alemão, italiano, sueco, francês, holandês, chinês. Entre os autores que traduziu para o português estão Honoré de Balzac; Choderlos de Laclos; Marcel Proust; Federico García Lorca; François Mauriac; Thérèse Desqueyroux; Molière, Jean-Theodore Descourtilz; Maurice Maeterlinck; Knut Hamsun; Bertolt Brecht. Como a sua bibliografia é imensa e há farto material biográfico sobre o escritor na internet, sugiro: Templo Cultural Delfos: Carlos Drummond de Andrade - um poeta de alma e ofício; TCD: Carlos Drummond de Andrade - antologia poética; TCD: Carlos Drummond de Andrade - entrevista inédita: erotismo - poesia e psicanálise; Site Oficial: Carlos Drummond de Andrade; Folha de S.Paulo: A homossexualidade na vida e na obra de Carlos Drummond de Andrade; IMS: Carlos Drummond de Andrade; Revista Cult: Carlos Drummond de Andrade.

Rodolfo Alonso (Buenos Aires, Argentina - 1934) é um premiado escritor, tradutor, ensaísta, roteirista, editor. Foi o mais jovem autor presente na vanguardista revista Poesia Buenos Aires e o primeiro tradutor de Fernando Pessoa (com seus heterônimos) para o espanhol. Autor de extensa bibliografia, Rodolfo Alonso que, entre outros, traduziu Paul Celan; Cesare Pavese; Marguerite Duras; Gillo Dorfles, Carlos Drummond de Andrade; Giuseppe Ungaretti; Paul Éluard; Jacques Prévert; Umberto Saba; Murilo Mendes; Eugenio Montale; Guillaume Apollinaire; Dino Campana; Rosalía de Castro; Manuel Bandeira; Charles Baudelaire; Stéphane Mallarmé; Olavo Bilac; Antonin Artaud; Pier Paolo Pasolini; Paul Valéry; André Breton; Ledo Ivo; Georges Schehadé; Sophia de Mello Breyner Andresen; Saint-Pol-Roux; René Char...,  recebeu as seguintes distinções: Premio Nacional de Poesía (1997); Orden “Alejo Zuloaga” de la Universidad de Carabobo (Venezuela, 2002); Premio Konex de Poesía (2002); Gran Premio de Honor de la Fundación Argentina para la Poesía (2004); Palmas Académicas de la Academia Brasileña de Letras (2005); Premio Único de Ensayo Inédito de la Ciudad de Buenos Aires (2005); Premio Festival Internacional de Poesía de Medellín (Colômbia, 2006); Premio Rosa de Cobre de la Biblioteca Nacional (2014).

domingo, 5 de maio de 2019

Max Ritvo: Três Poemas


Ao jornalista, escritor e tradutor (sem compromisso) Marcílio Farias devo o conhecimento da vigorosa poesia do jovem escritor Max Ritvo, expoente da novíssima geração norte-americana, que nos deixou recentemente. É do próprio Marcílio as duas emocionantes apresentações que acompanham a postagem.

Max Joseph Ritvo nasceu em 1990, em Los Angeles. Só publicou um livro, AEONS, que ele mesmo imprimiu, encadernou e distribuiu, e pelo qual recebeu (2014) o prêmio de melhor livro do ano da Poetry Society of America. Max faleceu hoje, 23 de agosto de 2016, aos 25 anos de idade, após batalhar a morte desde os 16, quando médicos descobriram corpos estranhos crescendo no seu corpo (com o nome de Sarcoma de Ewig). Apesar da quimioterapia pesada, estudou em Yale e Columbia. Foi editor assistente da revista literária Parnassus. “V” é sua esposa desde agosto de 2015..., a psicóloga inglesa Victoria Jackson-Hanen, que ele conheceu no hospital. Max escreveu até ontem à tarde, quando, exausto, disse à mãe e à mulher: “Chega. Cansei de escrever.” Hoje pela manhã estava morto. Cedo demais. New Orleans, Agosto de 2016.

O texto acompanha a tradução para o português do Brasil do poema Heaven is us being a flower together (Paraiso é a gente junto sendo uma flor), que ele disponibilizou para alguns amigos no FB. O segundo texto, que acompanha as traduções de Radiation in New Jersey, Convalescence in New York (Radiação em New Jersey, Recuperação em New York) e The Senses (Os Sentidos), você lê abaixo.

Sempre que possível, procuro compartilhar traduções das mesmas obras originais para outras línguas, dando também oportunidade a quem não domina o português brasileiro usufruir da leitura. Assim, enriquecendo ainda mais esta postagem, publico as traduções em espanhol do escritor e tradutor colombiano Armando Ibarra Racines para Heaven is us being a flower together (El cielo es una floración mutua); Radiation in New Jersey, Convalescence in New York (Radiación en Nueva Jersey, Convalecencia en Nueva York) e The Senses (Los Sentidos)..., que encontrei no ótimo portal Clave - Revista de Poesia, dirigido por ele, que disponibiliza mais traduções de Max Ritvo, entre outros escritores estrangeiros.













HEAVEN IS US BEING A FLOWER TOGETHER
Max Ritvo

for V

I think death comes at blindness.
 
I think pupils are sails,
and death is when the wind goes slack.
 
Winter, by being so white,
it is trying to talk to me—
 
closing communicated to one who sees death
as white worms
riddling the apple of the eye.
 
You think death comes at the cessation of touch.
You are a flower bulb
which can feel even in the winter earth:
 
coldness as its body
of sensation.
 
The cold is a line that will not bend,
drawn through you foot to head.
 
Heat is a planet
fleeing its own cold line,
its primary chill.
 
I have written this poem inside of you.
I am clutched in with your mother blood,
feeling your bends in the dark,
becoming a soft bend in your body.
I feel a circle grow in your stomach.
 
We are becoming a bulb
in the ground of the living,
in the winter of being alive.



PARAISO É A GENTE JUNTO SENDO UMA FLOR
Max Ritvo
tradução: Marcílio Farias

para V.

Eu acho que a morte vem como cegueira.

Pupilas como velas,
E a Morte é quando o vento cessa.

Inverno, sendo tão branco,
Tenta falar comigo –
Comunicação intima para alguém que enxerga a morte
Como vermes brancos
Devorando a maçã dos meus olhos.

Você pensa que a morte vem quando o toque cessa
E você torna-se um botão de flor
Que germina até mesmo no inverno desse solo:
Sentimento do frio enquanto
Corpo dos sentidos.

O Frio é uma linha reta que não dobra,
Desenhada dos pés à cabeça.

O calor é o planeta
Que foge desse limite gélido,
Dessa friagem primitiva.

Esse poema eu escrevi de dentro de seu coração
E do sangue da minha mãe que
Sente as quinas desse quarto no escuro
E torna-se então uma quina suave no meu corpo
E um aperto crescente no teu estomago.

Nós nos tornamos então um broto de rosa
No solo dos que vivem
Nesse inverno em que ainda estou vivo.



EL CIELO ES UNA FLORACIÓN MUTUA
Max Ritvo
traducción: Armando Ibarra Racines

para V

Creo que ceguera y muerte se confunden.

Creo que las pupilas son un velamen,
y el viento de la muerte las desinfla.

El invierno, es tan blanco
que intenta hablarme
en la comunicación íntima de alguien
que piensa que la muerte son gusanos blancos
que carcomen la manzana del ojo.

Crees que la muerte llega cuando cesa el tacto.
Eres un bulbo florecido
que hasta en la tierra invernal siente:
la frialdad convertida
en cuerpo de sensación terrena.

El frío es una cuerda que no se doblará
y te alambra de los pies a la cabeza.

El calor es un planeta
que evade su cuerda fría,
su helado primordial.

Escribí este poema adentro de ti.
Me aferro a tu sangre maternal,
palpando tus curvas en el oscuridad,
convertido en un suave recodo de tu cuerpo.
Siento que un círculo crece en tu estómago.

Nos volvemos bulbos florecidos
en tierra de vivos,
en el invierno de la existencia.
        
*
           foto.ilustração:Joba Tridente.2019



Para as duas traduções seguintes, Marcílio escreveu: Tradução livre de Two Poems by Max Ritvo, publicados na edição de 23 de Setembro de 2015, da Boston Review, onze meses antes da morte do Poeta, em 23 de Agosto de 2016, aos 25 anos de idade. Estão entre os últimos Poemas escritos por Max (Max Joseph Ritvo), uma das vozes poéticas mais poderosas dos últimos dez anos na Poesia Norte-Americana (tive a honra de conhecê-lo há dez anos e ele e sua Arte me conquistaram de um pancadão só. Impossível esquecer.) Seu primeiro livro, AEONS, recebeu o Prêmio de Melhor Livro do Ano (2004) da Poetry Society of America. Já traduzi vários Poemas seus nos últimos anos. New Orleans, Agosto de 2018. Poemas estes que espero publicar em algum próximo Falas ao Acaso.


                   

Radiation in New Jersey, Convalescence in New York
Max Ritvo

I come from the place where the blender is the moon,
where the green bean is the body and the sun,
where the zip-lock bag prevents the lovers
from breathing the same evening
as they lay on their love-skin
of murdered animal.
 
I come from a place where the water
is so barren that when you drink it
the fish of the throat die,
causing malignant thirst.
 
What’s a dazzler like you
doing in a dump like my bed?
 
No bedtime story for you tonight.
The telling of the tale could kill you, little Jesus.
 
It’s a new, scary Jesus I think I found.
And if I share it, from that land
of harsh vinegars, blue light,
then his voice will be stronger than your voice.
 
I awoke on a table with blue cylinder pressed to my neck.
From deep inside the cylinder I heard a sound,
like a trembling man
opening the smallest can of soup—
a can with only one green bean in it.
 
Next to him a woman is completely silent.
Feeding him the green bean
becomes her only thought,
even when he tries to admire her beauty
or make her laugh.
She folds into the bean’s mind,
a blinding, salty emerald,
and nobody will listen to his news.
 
The sound wasn’t a gun.
It was a kiss.
It’s my mother—
I have to go.



Radiação em New Jersey, Recuperação em New York
Max Ritvo
tradução Marcílio Farias

Eu venho de um lugar onde a lua é um liquidificador,
Onde o meu corpo e o sol são um molho de feijão verde,
Onde um zip-lock hiper grande impede que amantes
Respirem compartilhem da mesma noite
Enquanto se deitam sobre a pele de um amor
Assassinado como um animal selvagem.

Eu venho de um lugar onde a água é
Tão árida que, ao bebê-la,
Os peixes na garganta morrem,
Provocando uma sede maligna e perversa.

O que um sonhador como você
Está fazendo numa lixeira como a minha cama?

Nenhuma lenda para dormir hoje à noite,
Pois a narrativa da lenda poderá matá-lo como um pequeno Jesus.

Mesmo esse Jesus assustador que vejo em torno,
E se falo dele para os outros, perdidos nessa terra de
Vinagres pesados, cheias de luzes azuis,
A voz dele tornar-se-á mais forte que minha voz.

E eu acordei numa mesa com um cilindro azul apertando meu pescoço
E lá de dentro do cilindro azul ouvi um ruído como
De um homem trêmulo tentando
Abrir uma lata de sopa minúscula—
Com um único grão de feijão verde no fundo.

Perto desse homem uma mulher no mais completo silêncio.
Alimentar o homem com o grão de feijão verde
Torna-se o seu único e principal pensamento,
Mesmo quando ele tenta admirar sua beleza ou
Fazê-la sorrir.
Ela então envolve o grão verde na
Esmeralda salgada e brilhante de seu desejo,
Para que ninguém escute o boletim médico.

E o som que ouço não era um tiro.
Era um beijo.
Minha mãe que chega—
E eu parto.



Radiación en Nueva Jersey, convalecencia en Nueva York
Max Ritvo
traducción: Armando Ibarra Racines

Vengo del lugar en que la licuadora es la luna,
donde las habichuelas son el cuerpo y el sol,
donde la bolsa hermética impide a los amantes
respirar el mismo anochecer
porque reposan en la piel del amor
de animal asesinado.

Vengo de un lugar en que el agua
es tan árida que cuando la bebes
los peces de la garganta fallecen,
produciendo una sed tóxica.

¿Qué hace una super heroína como tú
en un basurero como mi cama?

Esta noche no te leerán ningún cuento para dormir.
La narración podría matarte, pequeño Jesús.

Creo que encontré un nuevo Jesús, aterrador.
Y si lo comparto, desde la tierra
de los vinagres ásperos, luz azul,
entonces su voz será más fuerte que la tuya.

Me despierto en una mesa
con un cilindro azul apretado al pecho.
Bien adentro del cilindro oigo un sonido,
como un hombre trémulo
que abre la más minúscula lata de sopa:
un lata que contiene solo una habichuela.

A su lado, una mujer en completo silencio.
Alimentarlo con la habichuela
se vuelve su único pensamiento,
incluso cuando él trata
de contemplar su belleza
o hacerla reír.
Ella dobla en la mente de la habichuela,
un esmeralda salada, deslumbrante,
y nadie escuchará sus noticias.

El sonido no era una pistola.
Era un beso.
Era mi madre:
me tengo que ir.

*
foto.ilustração:Joba Tridente.2019















THE SENSES
Max Ritvo

Everything feels so good to me:
my wool hat,
the cocoon of dryness in my throat.
 
The sound of burning vegetables
is like a quiet, clean man folding sheets.
 
But I keep having thoughts—
this thought always holding at bay the next thought
until it sours into yet
 
another picture of dissatisfaction,
that loves to be thought,
 
another pear, ugly
as the head
of a man who is thinking.
 
I thought my next thought would be a vision of my suffering;
I thought I would understand the yellow lightning in a painted storm—
the crucial way it disappears
when I imagine myself flung
head-long into the painting.
 
Instead I have this picture of dissatisfaction,
the thought not rising, but splitting in half
on the unanswered question of lightning,
 
my mind
like a black glove
that you mistake for a man
in the middle of a blizzard.



OS SENTIDOS
Max Ritvo
tradução: Marcílio Farias

Tudo me parece tão agradável agora:
Meu chapéu de lã,
O casulo de secura em minha garganta

O som de vegetais queimando
Como um homem silencioso e limpo dobrando lençóis.

Mas os pensamentos persistem—
Um depois do outro mantendo o próximo ao largo até que
Ele coagule numa fotografia

Insatisfeita mas que
Adora ser reflexo de um pensamento

De uma pera hedionda
Como a cabeça
De qualquer homem que pensa.

E eu que pensava que o próximo pensamento seria a visão do meu martírio;
E eu que pensava esperava entender o raio amarelo naquele quadro clássico da tempestade—
O incrível jeito com que a imagem desaparecia
Quando me via pulando
De cabeça no meio da imagem.

Mas ao contrário, me resta a visão insatisfeita de
Um pensamento que não desperta mas
Divide-se em dois como uma pergunta irrespondida
Sobre a natureza do relâmpago, e a
Minha mente
Como uma luva negra
Que você de longe confundiu com o Homem
Perdido no meio da tempestade.



LOS SENTIDOS
Max Ritvo
traducción: Armando Ibarra Racines

Todo me parece tan agradable,
el gorro de lana,
el capullo de sequía en la garganta.

El crepitar de vegetales que se queman
es como un hombre sobrio
y silencioso que dobla sábanas.

Pero sigo teniendo pensamientos:
que siempre acorralan al siguiente
hasta que se avinagran en una
imagen alterna de disgusto,
que goza cuando la piensan,
otra pera, horrenda
como la cabeza
de un hombre pensativo.

Creía que el próximo pensamiento
sería un sueño de mi sufrimiento;
creía que comprendería
el rayo amarillo en la pintura de la tormenta:
el modo primario como desaparece
cuando me imagino tirándome
de cabeza en la pintura.

En cambio, tengo esta imagen de disgusto,
el pensamiento no se levanta, pero se parte en dos
en la pregunta que el rayo no contesta,
mi mente
como un guante negro
que confundiste con un hombre negro
en medio de una ventisca.

*
foto.ilustração:Joba Tridente.2019



Max Ritvo (19.12.1990 – 23.08.2016) foi um escritor norte-americano cujo primeiro e único livro, AEONS, mereceu o prêmio Poetry Society of America (2014). Admirado pela crítica especializada, como um dos grandes nomes de poesia contemporânea, Max Ritvo, professor universitário de língua inglesa, teve poemas publicado na Parnassus: Poetry in Review; Poetry: A Magazine of VerseThe New YorkerBoston ReviewPoem-a-day - Academy of American Poets. Logo após a sua morte foram lançados: Four Reincarnations (Edições Milkweed, 2016); The Final Voicemails: Poems (seleção de Louise Glück para Edições Milkweed, 2018); Letters from Max (coautoria de Sarah Ruhl - Edições Milkweed, 2018).
Para mais informações: Site Oficial: Max Ritvo; Wikipédia: Max Ritvo; Poetry Foundations: Max Ritvo; The New Yorker: Max Ritvo’s Enduring Lyricism; The Rumpus: A Legacy of Wisdom: The Final Voicemails by Max Ritvo; Clave Poesia: Max Ritvo; Poet’s Sampler: Max Ritvo.

Marcílio Farias é formado e pós-graduado pela Universidade de Brasília em Jornalismo, Cinema e Filosofia. Nos anos 70/80 trabalhou para a UNICEF/Brasil, USIS - Brasil e WHO, como consultor e assessor de assuntos públicos e culturais. Atuou como secretário particular do escultor Rubem Valentim, professor visitante da Universidade de Brasília e da Fundação Nacional de Teatro, editor assistente do Jornal de Brasília, colaborador do Jornal do Brasil, Correio Braziliense, Última Hora, Jornal do Unicef e The Brazilians (NY). Em 1974, integrou a equipe vencedora do Prêmio Esso para Melhor Contribuição à Edição Jornalística - Jornal de Brasília. No final da década de 80, escreveu e dirigiu o curta-metragem "Digitais" hors-concours em Lausanne e no Festival de Salvador, vetado pelo Concine logo em seguida. Em 1989 emigrou legalmente para os Estados Unidos. Foi assessor cultural e adido cultural ad hoc do Consulado Geral do Brasil, em Boston, de 1993 a 2003; Professor Visitante da Universidade de Massachusetts - Boston; Conferencista convidado do David Rockefeller Center for Latin American Studies (Harvard University) e Sloan School of Management (MIT); Professor de Comunicação Impressa e de História da Cultura na Universidade de Phoenix, AZ, EUA; Membro Honorário da American Academy of Poets (Owing Mills, MD), da International Society of Poets (Washington, DC) e da Society of Friends of The Longfellow House (Cambridge, MA). Vive e trabalha entre Natal (Brasil) e Phoenix-Miami-Boston (EUA).
Traduções publicadas no Falas ao Acaso: Ashraf Fayadh; Youssef Rakha; Thomas Merton I e II, III e IV; Hermann Hesse; Jean Arthur Rimbaud; Navajo John-Com-O-Sol-No-Peito; Seamus Heaney; George Seferis; Guillaume Apollinaire; Paul Celan; Frederic Manning. Poemas seus publicados no Falas ao Acaso: Moebius; Mandala; Passado incômodo; (John); Diálogo visto de longe na Praça de Sé; George Seferis; Thucydides. Marcílio Farias é autor de: Visual Field (1996), Watermark Press, MD, EUA; O Livro Cor de Triângulo Cor-de-Rosa (2007), e Rito para Ressuscitar um Elefante (2010), ambos pela Scortecci Editora, São Paulo, Brasil.

Armando Ibarra Racines (Cali, Colômbia: 1956), escritor, tradutor e economista, começou a escrever poemas na juventude. O reconhecimento veio com as breves considerações do notável escritor Helcías Martán Góngora (1920-1984) em El País de Cali e a publicação de alguns poemas na revista Acuarimántima de Medellín. Ibarra vem se dedicando exclusivamente à poesia e traduções desde o ano 2000. Em 2007, ganhou o IV Prêmio Nacional de Poesia José Manuel Arango del Carmen de Viboral, com o livro Crónica de los deshielos. Armando Ibarra, que também é graduado em Tradução Literária e Ciências Humanas, pela Universidade de Antioquia, colabora com a revista literária Cali, dirige e faz traduções para a revista digital Clave, é autor de Extravio en lo Cotintiano. Can y Antorcha (Bogotá, 1989); Crônica dos degelos (Universidad del Valle, 2007); University Station (New Man, 2009); Insônia nas fontes (Versería, 2010); Poemas del Metro de Medellín (Com Jaques Jouet e Rub Comfama, 2011).

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...