Augusto
dos Anjos (1884-1914) é, sem dúvida, o mais original e
inclassificável escritor brasileiro. Simbolista? Parnasiano? Pré-modernista?
“Descoberto” primeiramente pelo público leitor e “tardiamente” pela crítica,
sua obra, literalmente única, EU,
lançada em 1912, ainda hoje provoca comoção e acirra ânimos dos teóricos da
classificação literária. Dado a um grande leque de interpretações, seus poemas,
por vezes amargos, líricos, mórbidos, científicos, soturnos, filosóficos...,
podem (também) ser lidos como profunda crítica à sociedade de sua época, com
respingos na de hoje.
Abaixo, após a biografia de Augusto dos Anjos, há uma série de links com sugestões de artigos
sobre este autor de versos avassaladores, tão complexos quanto ternos, em sua
angústia infinda, e cuja passagem pelo mundo foi meteórica..., porém profícua.
S O N E T O S
Augusto dos Anjos
I
a meu pai doente
Para onde fores, Pai, para onde
fores,
Irei também, trilhando as mesmas
ruas...
Tu, para amenizar as dores tuas,
Eu, para amenizar as minhas dores!
Que coisa triste! O campo tão sem
flores,
E eu tão sem crença e as árvores tão
nuas
E tu, gemendo, e o horror de nossas
duas
Mágoas crescendo e se fazendo
horrores!
Magoaram-te, meu Pai?! Que mão
sombria,
Indiferente aos mil tormentos teus
De assim magoar-te sem pesar havia?!
-- Seria a mão de Deus?! Mas Deus
enfim
É bom, é justo, e sendo justo, Deus,
Deus não havia de magoar-te assim!
II
a meu pai morto
Madrugada de Treze de Janeiro,
Rezo, sonhando, o ofício da agonia.
Meu Pai nessa hora junto a mim morria
Sem um gemido, assim como um
cordeiro!
E eu nem lhe ouvi o alento
derradeiro!
Quando acordei, cuidei que ele
dormia,
E disse à minha Mãe que me dizia:
“Acorda-o”! deixa-o, Mãe, dormir
primeiro!
E saí para ver a Natureza!
Em tudo o mesmo abismo de beleza,
Nem uma névoa no estrelado véu...
Mas pareceu-me, entre as estrelas
flóreas,
Como Elias, num carro azul de
glórias,
Ver a alma de meu Pai subindo ao Céu!
III
Podre meu Pai! A morte o olhar lhe
vidra.
Em seus lábios que os meus lábios
osculam
Microrganismos fúnebres pululam
Numa fermentação gorda de cidra.
Duras leis as que os homens e a
hórrida hidra
A uma só lei biológica vinculam,
E a marcha das moléculas regulam,
Com a invariabilidade da clepsidra!
Podre meu Pai! E a mão que enchi de
beijos
Roída toda de bichos, como os queijos
Sobre a mesa de orgíacos festins!...
Amo meu Pai na atômica desordem
Entre as bocas necrófagas que o
mordem
E a terra infecta que lhe cobre os
rins!
*
foto
de Joba Tridente - 2016
Projeto
Imagem Aleatória em Pintura Aleatória
AUGUSTO de
Carvalho Rodrigues DOS ANJOS (Engenho
Pau D’Arco-PB, 1884 – Leopoldina-MG, 1914), bacharel em Direito, pela Faculdade
de Direito do Recife, em 1907, se dedicou ao magistério, trabalhando no Rio de
Janeiro e em Minas Gerais, mais precisamente em Leopoldina, onde veio a
falecer, em 1914, aos 30 anos, em consequência de pneumonia. Embora veiculasse
seus poemas em diversos periódicos, desde 1900, só em 1912 publicou seu
primeiro e único livro: EU. Posteriormente o dramaturgo Órris Soares
lançou a edição Eu e Outras Poesias,
reunindo alguns poemas inéditos do amigo. Para os estudiosos a sua obra teria
influência de Herbert Spencer, Ernst Haeckel, Arthur Schopenhauer, Edgar
Allan-Poe... Se quiser conhecer melhor a poesia deste grande e melancólico
autor brasileiro, sugiro um passeio pela internet, onde há muita análise e
controvérsia sobre ele e sua fascinante e inigualável obra.