quinta-feira, 27 de abril de 2017

Joba Tridente: ver.da.de

Nos últimos anos temos ouvido insistentemente que o mundo vai acabar amanhã e ou, mais tardar, depois de amanhã. Mas não acaba..., e os políticos continuam à solta mundo afora e américa latina adentro praticando suas sandices. Se o fim dos tempos é mais um engodo, então, o que dizer do dantesco cenário político brasileiro?  

No país dos políticos descarados comprometidos com a verdade deles e jamais com a verdade de seus pares; na ilha nacional da fantasia de gente de refinada peçonha, que customiza suas devassas caricaturas pintando flores e corações nas bochechas e bordando estrelinhas na testa, como se possível a ilibação..., me peguei novamente e de novo outra vez acometido de catarse pró-ética.

Diante de tantas lágrimas de jacaré e gargarejos de peru na tv, a bem da verdade e a mal da mentira, acabei me debruçando nas idiossincrasias da maldita espécie e cometi a minha VER.DA.DE (cwb.24.04.2017). Antes já fui ao ..., c.h.ã.o (2016) e alcei as m.ã.o.s (2017) e abri a b.o.c.a (2017)....


               
ver . da . de
de joba tridente

- a verdade é
compromisso meu!
diz você tão senhor
de si com quem?
de si com o quê
a verdade é
compromisso seu?

arroga direito
adquirido do povo-estrado
(domesticado a sustentar canalhas)
para não descer do alto
dos balaústres
onde a arrogância
te meteu
metendo-se nos desvãos silenciosos
                                                  entre
                              uma palavra vã e outra cínica
tua lógica alvissareira avessa às alvíssaras
falseia ideogramas como se falseia óleo de fígado
                                               no corte da cabeça-bagre
                                               do cidadão-bacalhau

salga vogais para matar consoantes
salga cérebros para caducar ideias
goteja pimenta-malagueta
nos olhos dos salitrados eleitores
cuja voz embargada
                na raiz-forte
                não será ouvida

tua língua
taquara fendida na ponta
tão bifurcada mente direções
esgueira
no recôndito da sua boca murcha
                                               busca saída
para clamar a tua verdade tão sua
                     tão ofensivamente sua
                                                aos ouvidos
continuamente estuprados
                             por promessas
continuadamente ludibriados
                                 por políticos
                                 da tua laia
    por verdade tão sua
    se compra verdade
    se aluga verdade
    se negocia verdade
    se troca de verdade
    pela verdade tão sua
..., e tão ordinária aos seus

- a verdade é
compromisso meu!
diz você tão senhor
de si com quem?
de si com o quê
a verdade é
compromisso seu?

- compromisso com a verdade!
gesticula tua ofendida língua fendida
ejetada de sua desloucada boca débil
pronta a se rasgar em mais direções
..., se preciso o foro
                                   ..., se necessário o fora!

- compromisso com a verdade!
gesticulam teus olhos vidrados
desconexos na busca de blindagem
ao céu que cai e ao inferno que sobe
..., se preciso o foro
                                   ..., se necessário o fora!

o teu compromisso
é com a verdade que se esvai quando dá
as costas à verdade dos impropérios
públicos que ecoam nos lugares públicos
abafando teus queixumes

a tua língua verborreia
falseia a verdade
a tua língua compulsiva
bifurca a verdade
a tua língua infame
necrosa a verdade
qual veneno de aranha marrom

a tua verdade de sapo-cururu
na (ra)beira do palácio
soa tão exaustiva mentira
que a tua língua tão sua
clama aos dentes tão seus
por eutanásia...,
           que falácia!

*
ilustração: foto de de Joba Tridente.2010


Joba Tridente, artesão de palavras e imagens em Verso: 25 Poemas Experimentais (1999); Quase Hai-Kai (1997, 1998 e 2004); em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida (2015); 101 Poetas Paranaenses (2014); Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu vejo da minha janela (2014); Ebulição da Escrivatura - 13 Poetas Impossíveis (1978); em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás (2000); Cidades Minguantes (2001); O Vazio no Olho do Dragão (2001). Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Valêncio Xavier e Joba Tridente: Uma Releitura da Via-Sacra


No ano 2000, recebi do então editor de cultura José Carlos Fernandes, do jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, um convite desafiador: realizar um trabalho plástico para ilustrar a releitura da Via-Sacra feita pelo escritor e cineasta Valêncio Xavier (1933-2008).

Bem, para mim, um livre pensador que já teve censurada a exposição Sagrados e Profanos, por conta da catarse sobre religião e política, foi um convite inusitado. Todavia(crucis), como tinha liberdade para abordar o tema, aceitei. Trabalhei um bom tempo entre pesquisa e realização, optando por uma técnica de recortes (utilizando uma grande variedade de papel) e sobreposição tridimensional.

Em 2011 fiz uma postagem da Via-Sacra, mas sem o texto contemporâneo de Valêncio Xavier. Esta é a reedição da publicação completa feita em Abril de 2015. Como não tenho as fotos originais do jornal, fotografei as artes (em acervo) com uma câmera simples e a qualidade (com os cortes) não está das melhores, mas queria aproveitar o momento. Quanto ao foco da minha releitura da Via-Dolorosa, publicada na Sexta-Feira, 21 de Abril de 2000, que cada um se deixe enredar pela coroa de espinhos e tire a sua própria conclusão.


Uma Releitura da Via-Sacra
texto de Valêncio Xavier
ilustração de Joba Tridente
21.04.2000



Jesus é condenado à morte
Jesus aceita com submissão e amor a sentença que O condena, pois foi pela sua morte que Ele nos deu a Redenção, e impediu a morte de nossa alma.



Jesus recebe a cruz
Sem reclamar, Jesus recebe sobre seus ombros o peso esmagador da cruz: o peso de teus pecados e todas as misérias do mundo e o desamor dos seres humanos uns pelos outros.



Jesus cai pela primeira vez
O peso da cruz aumenta a cada passo. Seu corpo está coberto pelo sangue derramado nas guerras infindas dos homens contra os homens. Ele perde suas forças e cai por terra, pela Terra.



Jesus encontra-se com sua mãe
Jesus encontra-se com Maria, sua mãe. Mãe e filho se abraçam em meio à dor. A Terra é nossa mãe, vamos nos abraçar a ela e impedir que filhos ingratos destruam seus rios, suas matas, sua vida.



Simão Cirineu ajuda Jesus
Jesus, na sua humildade, aceita que um humilde homem do povo o ajude a carregar a cruz ao cimo do Monte Calvário. Ajudemos a carregar a pesada cruz dos homens do povo sem emprego.



A Verônica enxuga o rosto de Jesus
Uma mulher enfrenta os ferozes guardas e enxuga o sangue de Jesus. No lenço fica impresso o rosto de Jesus sofredor. Em tua alma está impresso o sofrimento das mulheres por seus filhos sem escola, sem médicos?



Jesus cai pela segunda vez
Sob o peso da cruz, Jesus cai outra vez. Mas a força de seu amor pela humanidade o faz levantar-se e seguir rumo ao Calvário. Nós podemos ajuda-lo a levantar-se, ajudando a levantar os caídos pelo peso das drogas e da aids.



Jesus consola as mulheres
Jesus esquece seus sofrimentos para consolar as mulheres que choravam. Ele fez isso para que não esqueças o sofrer das mulheres que fazem trabalhos acima das suas forças e ganham menos do que merecem.



Jesus cai pela terceira vez
A humilhação pelo peso redobrado dos pecados do mundo faz Jesus cair sob o peso esmagador da cruz ao chegar ao Calvário. E quantos de nós somos esmagados por leis injustas ou pela falta de leis que nos protejam da corrupção que corrói o país?



Jesus é despido
Jesus é humilhado na sua divindade e nos seus direitos humanos ao ser despojado de suas vestes. Nós devemos nos sentir humilhados ao ver os direitos humanos de nossos semelhantes serem negados, e devemos lutar contra isso.



Jesus é pregado na cruz
Os pregos ferem a carne de Jesus e a tortura continua com a cruz levantada e os soldados ferindo-O com suas lanças. A tortura de inocentes prossegue em muitas partes do mundo. Cabe a nós lutarmos contra isso.



Jesus morre na cruz
O véu de Templo rasgou-se ao meio e Jesus exclamou num grito: “Pai, nas tuas mãos entrego meu espírito!”, e morreu por nós. Quantos de nós estamos morrendo de fome, frio, e em guerras e por mãos criminosas? O que faremos para cessar essas mortes?



Maria recebe Jesus morto
Não existe dor maior que a de uma mãe receber nos braços o seu filho morto. E que podemos fazer pelas mães que têm seus filhos mortos por traficantes de drogas, por desmandos da polícia e por falta de segurança no país?



Jesus é sepultado
Jesus morto nos deu a vida verdadeira. Seu sepulcro foi o caminho da ressurreição e nos céus velará por nós e nos dá a esperança de que, aqui na Terra, alguém há de velar por nós.



Ressurreição


Valêncio Xavier (1933-2008): jornalista, escritor, cineasta. Entre suas obras mais importantes estão os livros: Desembrulhando as Balas Zequinha (1973); Mez da Gripe (1981); O Mistério da Prostituta Japonesa & Mimi-Nashi-Oichi (1986); Minha Mãe Morrendo e o Menino Mentindo (2001), Crimes à Moda Antiga (2004)..., e os filmes: A Visita do Velho Senhor; Carta a Fellini; O Pão Negro - Um episódio da Colônia Cecília. Para mais informações sugiro a leitura do artigo As Muitas Vidas de Valêncio Xavier no portal Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro.

Joba Tridente: artesão de palavras e imagens. Individuais: 1991 - Sagrados e Profanos - Hall da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná - Curitiba-PR; 1986 - Sagrados e Profanos - Galeria “B” da Fundação Cultural do Distrito Federal - DF; 1983 - I Comício Cósmico de Brasília - Centro Cultural Le Corbusier – DF. Coletivas: 2015 - Bench Artes - São Paulo-SP; Nem Tudo Termina em Pizza - São Paulo-SP. 2013 - Mail Art Cupcake - MuBE - Museu Brasileiro de Escultura. 2000 - Fandango Subindo a Serra - SESC da Esquina - Curitiba-PR.  1997 - Guido Viaro, 100 Anos: Interpretação 97 - Museu de Arte do Paraná - Curitiba - PR. 1996 - V Concurso de Presépios - Memorial da Cidade de Curitiba - PR; 1994 (itinerante: 1995/1996) - Suite Vollard, Picasso - Uma Interpretação Paranaense - Museu de Arte do Paraná - Curitiba - PR; 1987 - Salão de Artes Plásticas de Brasília - Galeria da Fundação Cultural do Distrito Federal - DF e Levante Centro-Oeste - Galeria da Fundação Cultural do Distrito Federal - DF; 1986 - Salão de Artes Plásticas de Brasília - Galeria “B” da Fundação Cultural do Distrito Federal - DF; 1983 - I salão de Arte Mística/Mítica/Mediúnica - Hall da Prefeitura Municipal de Petrópolis - RJ e II Salão de Arte Mística/Mítica/Mediúnica - Centro de Convenções de Brasília - DF; 1977 - II Salão de Arte e Pensamento Ecológico - Touring Club de Brasília - DF; 1974 - I Encontro de Artes do ABC - Hall do Teatro Municipal de São Bernardo do Campo - SP. Gráficas, Humor: 1997 - 1ª Mostra da Ilustração Paranaense - Museu de Arte Contemporânea do Paraná - Curitiba - PR; 1993 - Bienal Internacional de Quadrinhos do Rio de Janeiro - RJ; 1991 - Arkivo Gráphico - Gibiteca de Curitiba - PR; 1980 - Brasília 20 Anos - Hall do SESC - DF e  Caricatura e Desenho de Humor de Ontem e de Hoje - Criatura-I - Exposição itinerante organizada pela FUNARTE em: DF/SP/RJ/BA/CE/PR; 1977 - II Salão de Humor de Brasília - Fundação Cultural do Distrito Federal - DF; 1976 - Salão de Humor de Brasília - Fundação Cultural do Distrito Federal - DF.

terça-feira, 4 de abril de 2017

Joba Tridente: b.o.c.a

Os dias nos perseguem politicamente febris mundo afora e américa latina adentro. O radicalismo é amplo e geral na maioria dos corpos governamentais. Economia, corrupção, ditadura, tomada de poder estão na flauta desafinada a cada lusco-fusco..., e (re)viram aborrecidas (ou seria indigestas?) pautas nas mídias, inclusive “sociais”. Estamos todos à mercê da demência?

Observando os gestos repercutindo nos sons do mundo ao meu redor. Olhando o homem político por trás (ou por dentro) do homem do povo..., na sarjeta ou no palácio..., na rua ou no teatro, em performance digna de mestre ou de canastrão..., cheguei ao ..., c.h.ã.o (2016), que me fez cometer m.ã.o.s (2017)..., dois poemas que me levaram até a b.o.c.a (cwb.03.04.2017)..., com que encerro uma trilogia sobre os meandros do poder estabelecido. Qualquer semelhança desta boca com a boca de alguém (re)conhecido, pode não ser mera coincidência.


                 
b. o. c. a
joba tridente

tua boca
tão maldosamente sua
é mera rasgadura
na máscara sobre máscara
que mascara tua cara mamulenga
de tacho cuspideiro

tua boca
tão verborragicamente sua
a mover seus lábios toscos
num vocalize de impropérios
                                aveludados
aos ouvidos viciados à ordem midiática
                                               chita rasgada
aos ouvidos desconfiados da ordem midiática
mergulhada no cuspe
                  que escorre
das engrenagens enferrujadas
que desafinam tuas vocais
na consonância chantagista
                                  do poder...,
                                  de poder insuflar o medo
                                                             consoante
da perda de privilégios coletivos
privados na privada palaciana vogal

tua boca
tão trêmula
faz temer suas falas
tão vagas
aos absurdos monumentais
                                   tão seus
na reverência fantasmagórica
às demências governamentais
                          a cada alvorada
                          : pão de fel no café do amanhã
                            desvela o linguado ao molho parvo
                            no lusco-fusco das negociatas

tua boca
tão fétida
cloaca de falácias tão suas
na mediocridade ideológica
da vilania partidária
que comungas nos bastidores
        a cruzada de malditos asseclas
        no assalto ao cidadão
        que sangra que cala que grita que rola indigente
        na burocracia gananciosa
        do pavilhão que encerra a ordem
        e desterra o progresso

tua boca
septuagenária mente
ordinária suga gota a gota o labor
de inocentes (e desavisados indecentes)
incongruências tão suas
tão sumariamente suas
soam taquara rachada
ardendo no lombo
a supremacia que não tens

: seus dedos
finos rabos de ratazana
                   se atropelam
se embaraçam
                   se dão nós...,
mas não te calam
         não alcançam
a tua boca bagaceira
a tua língua vã
a tua fala logomáquica
           ..., e maquiavélicos
se recolhem acovardados
no recôndito da sua insignificância
                        tão politicamente sua
                        ...................................
: pena de prata em corpo de ouro
                      também borra mãos
: palavra só é prata..., se perene
                                               a fala
: silêncio só é ouro..., se constante
                                                    o ato

..., eu recuso o seu dito
..., eu recuso a sua boca
..., eu recuso o seu repulsivo beijo traidor
               ao apagar também das suas luzes
                     num modorrento e definitivo:
                                                               adeus!
                                                  ou eloquente:
                                                             adiabo!
...................................................................
                                                                  oras!

                                                                                     *
                    ilustração: foto de joba tridente.2011



Joba Tridente, artesão de palavras e imagens em Verso: 25 Poemas Experimentais (1999); Quase Hai-Kai (1997, 1998 e 2004); em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida (2015); 101 Poetas Paranaenses (2014); Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu vejo da minha janela (2014); Ebulição da Escrivatura - 13 Poetas Impossíveis (1978); em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás (2000); Cidades Minguantes (2001); O Vazio no Olho do Dragão (2001). Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

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