quarta-feira, 15 de junho de 2011

Fechamento do Instituto Benjamin Constant

foto de Joba Tridente - marcas na areia

Eu participo da Rede Cultura Infância e hoje, através da rede, recebi este email. Por acha-lo pertinente estou reproduzindo aqui. 

Como poucos sabem, o MEC decidiu fechar até o final do ano o Instituto Benjamin Constant, uma Escola de Ensino Regular Especializada na Educação de Cegos, com turmas que vão desde a Estimulação Precoce até o 9º ano (antiga 8ª série) do Ensino Fundamental, e com atendimento especializado realizado com os reabilitandos (videntes - pessoas que enxergam - que ficaram cegos por alguma razão).

O fato saiu no jornal O Globo inclusive, mas não chegou a ser a grande notícia da semana, pois poucos sabem o significado da instituição para o país. Não somente querem fechá-lo, mas também ao INES (para surdos) e ir aos poucos acabando com as escolas especializadas em educação especial, qualquer que seja a necessidade.

Nenhum problema haveria nesse projeto se nossas escolas regulares tivessem a estrutura adequada a esse tipo de educação inclusiva que tanto se fala nesse país, mas só fica na teoria. Os alunos especiais sofrem preconceitos dos outros alunos e acabam sendo deixados de lado por professores que não são capacitados a atendê-los. Um aluno especial em uma turma regular dificilmente tem a atenção necessária para desenvolver-se no mesmo ritmo que os demais alunos de sua classe e o método de ensino tem de ser diferenciado.

Em nosso país o sistema de ensino não consegue suprir as necessidades dos alunos regulares, quem dirá dos especiais. Cansamos de ver escolas com falta de material, falta de professores e que carecem de meios para que se tenha controle dos alunos e lhes ensinem valores morais já esquecidos na sociedade atual, e ainda entra em cena o "bullying" (palavra tão usada ultimamente) que emerge desta impotência moral iniciada no ambiente escolar.

Como uma criança ou adolescente especial vai conseguir sobreviver no ambiente mais hostil conhecido pelo homem: a escola? Quem tem filho, irmão mais novo, é professor ou de alguma forma convive com um grupo de crianças ou adolescentes (e se você não se aplica as condições, pense quando era você uma criança ou adolescente que frequentava a escola) sabe que eles são "cruéis" e não perdoam qualquer tipo de coisa diferente do seu radar de certo e errado, ainda em formação.

No Instituto, as crianças se sentem parte de um todo, não sofrem preconceitos mas saem de lá prontas para enfrentá-los, prontos para enfrentar nosso mundo de videntes egoístas. Lá elas aprendem a andar sem cair ou bater em objetos, aprendem a comer, têm esportes específicos, desde pequeninos são estimulados. Alguns dos alunos inclusive passam a semana no Instituto, são alunos internos do Benjamin Constant. Alguns alunos são Internos porque os pais não têm condições de levar e buscar, seja por dificuldades financeiras ou de trabalho (as aulas são em tempo integral). Com cuidadores para auxiliá-los a semana toda, dormitórios estruturados, refeições bem preparadas pelas "tias da cozinha" e elaboradas por nutricionistas.

Algumas crianças só têm na vida o Instituto. Posso parecer que estou exagerando, mas não é. A maioria das crianças não é somente cega, algumas têm doenças degenerativas, ou seja, a doença vai piorando a um estado... que... enfim. No IBC é onde elas são aceitas e têm assistência de profissionais capacitados. Só tentar descrever pelo e-mail é complicado, aconselho que tirem um dia e visitem o Instituto. Estar presente e até mesmo fazer trabalho voluntário lá pode mudar o jeito que temos de ver a vida, e com sorte nos tornar pessoas melhores. Essa luta não é por mim, não é pela minha irmã (que é cega e estuda lá), não é pelos professores, pois conheço muitos lá de dentro. É uma luta EXTREMAMENTE pelos alunos, pelo próximo!

Geralmente só percebemos diferentes situações fora de nosso círculo social quando nos afeta de alguma maneira. Quem tem alguém especial por perto sabe das dificuldades que enfrentamos, bate de frente com o preconceito, a desigualdade e o descaso que cai sobre eles.

Meu principal objetivo com este e-mail é conscientizar as pessoas, principalmente os cariocas, da importância desse centro de referência para cegos de todo o Brasil. E é um motivo de orgulho para nós termos tal instituição que capacita tão bem seus alunos. Vamos lutar contra esse absurdo de fechar o IBC, se quiser colaborar agradecemos muito. Abaixo assinado pode ser assinado no site Petição Pública. Vamos repassar essa corrente de luta e amor ao próximo.

O Instituto Benjamin Constant fica na Av. Pasteur - Urca (Próximo a Botafogo, na calçada do campus Praia Vermelha da UFRJ e UNI-RIO) caso queira conhecer ou participar da passeata, entre no site do Instituto.

foto de Joba Tridente

domingo, 12 de junho de 2011

Oscar Wilde: 10 Aforismos sobre o Amor

arte sobre ding: Joba Tridente

Ah, o Amor! Ah, o Dia dos Namorados! Ah, o Romance! Ah, O Casamento! Ah, o Oscar Wilde e suas ironias amorosas!

Em 2010 foram comemorados os 110 anos da morte do escritor Oscar Wilde (16/10/1854 - 30/11/1900), mestre do sarcasmo inglês: A única pessoa no mundo que gostaria de conhecer profundamente sou eu mesmo, mas por enquanto não vejo a menor possibilidade de isso acontecer. Em 2011 se comemora 110 anos da publicação de Aphorisms. Durante todo o ano vou postar por aqui alguns dos meus favoritos.

01 - Os homens sempre desejam ser o primeiro amor de uma mulher; este é um efeito de sua insensata vaidade. As mulheres têm um instinto mais sutil. Elas desejam ser o último amor de um homem.

02 - Sempre percebemos alguma coisa ridícula nas emoções das pessoas que deixamos de amar.

03 – Segundo alguns, as mulheres amam com os ouvidos, exatamente como os homens amam com os olhos; admitindo-se que realmente amem.

04 - Quem ama uma só vez na vida tem uma natureza superficial. O que alguns consideram lealdade e fidelidade, para mim não passa de apatia devida ao hábito e à falta de imaginação.

05 - Na verdade não vejo nada de romântico nos pedidos de casamento. O amor é muito romântico, mas não há nada de romântico ao se pedir a mão de uma jovem. Corre-se sempre o risco de ela aceitar. Aliás, acredito que na maioria dos casos seja isso mesmo que acontece. Aí, qualquer interesse desaparece. A incerteza é a quinta-essência do romantismo.

06 - Hoje em dia é muito perigoso, para um marido, ser gentil em público com a mulher: isto faz com que as pessoas pensem logo que ele a surra na intimidade. De tão grande que é a incredulidade do mundo por aquilo que tem aparência de felicidade conjugal.

07 - O Romantismo é privilégio dos ricos, e não profissão dos desempregados. Ao pobre só é permitido ser prático e prosaico.

08 - É a velha história: o amor - não no começo, porém, mas sim no fim da estação, quando é muito mais satisfatório.

09 - Os amantes fiéis só conhecem o lado trivial do amor, as tragédias do amor são privilégios dos amantes infiéis.

10 - O mistério do amor é maior que o mistério da morte.


Estes Aforismos têm como base o livro Oscar Wilde - Aforismos, com tradução de Mario Fondelli para Clássicos Econômicos Newton.

Arte de Joba Tridente sobre ding Engleknapper

domingo, 5 de junho de 2011

Joba Tridente: Quanto Vale a Cultura?

arte sobre ding - Joba Tridente: Quanto Vale a Cultura?

Há 13 anos publiquei esta crônica na Gazeta do Povo, em Curitiba-PR. Naquele tempo (que eu me lembre) as escolas não eram obrigadas a aprovar alunos para cumprir a cota de formação escolar. Naquele tempo (que eu me lembre) não havia livros censurados por conta de um texto adulto distribuído para criança ou por conta de um texto antigo soar preconceituoso no esquema do politicamente correto de hoje... Naquele tempo já havia alunos sem escola, professores miseráveis (com seus salários de fome), estudantes sem merenda, violência escolar... 2011 já está pela metade. O que mudou? O que melhorou? Diga você!

Dia desses um homem comum, quase do povo, virou notícia nacional. Não mordeu um cachorro ou cometeu algum horrendo crime humano. Estava apenas preocupado com a sua triste sorte de interior. Amante dos livros e a caminho de inteirar a idade, chegou a uma óbvia conclusão. Frente à sua biblioteca particular, era como se estivesse frente a um espelho. Ele e os livros envelheciam. Ele, dentro do ciclo vital humano que, para uns é curto demais e para outros é terrivelmente infinito. Os livros, nas estantes, alguns já meio gagás e mudos há muito.

Assim como alguns brasileiros, o homem comum, quase do povo, venceu as etapas escolares e se formou em sociologia. A caminho da sua formação foi guardando os livros auxiliares e outros que lhe interessavam. Construiu um pequeno e doméstico patrimônio cultural, mas não financeiro. Enquanto vivo, com uma profissão reconhecida, até presidencialmente, poderia manter o seu corpo, depósito da sua cultura, em plena atividade, mas, e depois? Quando a alma, com a cultura adquirida, o deixasse, o que seria feito dele? Seria enterrado como indigente? Serviria de corpo-cobaia para experimentos e treinos em algum hospital-escola? Que destino teria aquele que lhe servira a tantos ir e vir? Triste sina a sua, e a de milhões de brasileiros: não ter onde cair morto. Sim, porque não juntou em bens de valor o suficiente para comprar uma vala, sete palmos, um túmulo, uma tumba qualquer em um cemitério qualquer, para ser enterrado o seu corpo pós-vida. E o livros, seu bem maior, sucumbiriam ao pó e as traças? Aí estava um curioso impasse a ser resolvido.

Poderia, evidentemente, enquanto é tempo, vender o seu pequeno acervo a um sebo e até acompanhar destino final dele. Mas a questão continuava, teria dinheiro suficiente para comprar um túmulo? Nos dias de hoje é um mercado concorrido este. Aliás os dois mercados são concorridos, o dos sebos, com venda de livros, discos e tudo o mais que for vendável e o dos cemitérios, com mais gente nascendo e morrendo a cada dia. Talvez, com a Lei de Doação de Órgãos, em alguns casos, pode-se até ter nada para enterrar e ainda há a opção do crematório, para poucos e privilegiados. Mas ainda será pouco.

Assim, na dúvida do preço alcançado pelos seus livros, o homem comum, quase do povo, resolveu fazer um trato, uma permuta com o prefeito de sua cidade, doaria o seu acervo para a Biblioteca Pública, administrada pela prefeitura, em troca de um túmulo com lápide, onde pudesse deixar um epitáfio. O que foi aceito e virou notícia. Solução original, trocar a o seu acervo por uma sepultura com lápide. Assim o seus livros vão para uma biblioteca pública e o seu corpo para um túmulo com lápide e tudo.

O que me inquieta na verdade, já que depois de morto, tanto faz enterrar, queimar, cortar, jogar no lixo ou, algum responsável, usar como bem entender o meu corpo..., o que me incomoda, é o preço da cultura. O preço do conhecimento, da formação profissional de um indivíduo. Será que a cultura não vale mais que um reles túmulo com lápide? Será que ela só terá algum valor como um bem qualquer, depois da morte, como é comum, para pagar um enterro?

Somos quase todos mendigos do saber, implorando algum trocado para chegar até a próxima página. Mas as vírgulas são muitas e os pontos finais estão sempre interrompendo o livre trânsito do pensamento. Somos Gulliver e Malazartes. Macunaína e Quixote. Policarpos eternamente, em troco da boa morte. Não importa se Ubirajaras, Zés, Pedros ou Manés, a verdade é que estamos a todo momento com o travessão na garganta, as reticências na boca e o carvão gasto nas mãos. Implorando, primeiro, um lugar na vida. Depois...

Para uns o melhor amigo de um homem é o cão. Para outros o gato, o peixe, a cobra, a aranha, a galinha, a vaca... Para a minoria, o livro. Isso mesmo, o livro, este ser alienígena que apavora a tantos e tem sobrevivido a todos. Assim, será que alguma prefeitura aceitaria um bichinho qualquer, em troca de um túmulo com lápide ou mesmo uma cova rasa sem ao menos uma identificação? Nem o zoológico, com esta crise econômica braba que não está perdoando nem mesmo os leitores mais assíduos. No entanto, ainda há quem queira receber e cuidar de um livro, em troca de um agrado qualquer. É que, no Brasil, não é tão fácil, quanto parece, comprar e manter a companhia de um livro, mesmo que se queira. Não que seja ilegal, muito pelo contrário, há até quem o incentive, o problema está no preço nada convidativo. É claro, e também na falta de tradição à leitura (ou seria na alfabetização?).

Conheço muita gente que não entende como é que alguém pode gostar de ler, principalmente livros, quando pode ouvir rádio e ver televisão. Dia desses, comentando com um amigo sobre um livro que me interessava, como ponte intermediária do livre pensar no mundo, com as suas tradições contra ou a favor do homem, ele tranquilamente confessou: “Não gosto de ler livros, é pura perda de tempo. Gosto é de ver a história de um livro de sucesso transformado em filme passar dublado na televisão. Não gosto de ver filme no cinema porque a gente tem que ler as legendas. O filme é legal porque a gente consegue viajar na história. No livro não. Acho que um escritor, em vez de escrever, devia gravar a sua história em fita ou CD, pra gente ficar deitado e ouvindo, sem precisar ficar prestando muita atenção ou segurando o livro e virando as páginas.” Como será que alguém consegue imaginar em cima do que já está re-imaginado e pronto num filme? Não sei. Ele não é o único, o primeiro ou o último, mas o seu discurso faz eco ao que se ouve, daqueles que temem a palavra. Daqueles que temem o tom das palavras naqueles que têm o dom da imaginação. 

Daí que pergunto, quanto vale a cultura? Cada livro comprado e bem cuidado pode funcionar como uma poupança cemiterial? Se isso virar moda, pelo tamanho do túmulo será possível saber o tamanho da biblioteca ou o grau cultural do morto? Ditaremos um novo (?) ditado: “Diga-me o tamanho da tua biblioteca e eu te direi o túmulo que terás!” E se um sujeito, digamos, um pré-morto, conseguir apenas um túmulo simples, de uma prefeitura pobre, poderá pleitear junto às autoridades competentes a realização de um chá-de-túmulo, para arrecadar fundos para providenciar melhorias na sepultura e assim, no pós-morte se rodear de todo conforto? Quem viver, verá! (ou será: quem ler, sepultar-se-á?).
      
Joba Tridente. 20.04.1998
Arte de Joba Tridente sobre Listemagerens Ny Dingbats
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...