segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Joba Tridente: passagem


..., vai ano vem ano e na mudança escrevi passagem nos idos de 2008. ..., vai década vem década e ele retorna na paisagem de passagem de 2018...



p a s s a g e m
joba tridente

dia ante dia
mês ante mês
entre os dedos
o ano escorre

na dobra da noite
mão aconcha mão
acolhe o novo
dia ante dia


*
jt: poema (2008) e foto (2004)


Joba Tridente, um livre pensador livre. artesão de imagens e de palavras em Verso: 25 Poemas Experimentais (1999); Quase Hai-Kai (1997, 1998 e 2004); em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida – Sangue e Titânio (2017); Hiperconexões: Realidade Expandida (2015); 101 Poetas Paranaenses (2014); Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu vejo da minha janela (2014); Ebulição da Escrivatura - 13 Poetas Impossíveis (1978); em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás (2000); Cidades Minguantes (2001); O Vazio no Olho do Dragão (2001). Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

domingo, 9 de dezembro de 2018

Joba Tridente: Palhaço


a cada dia a saída da crise constitucional se adia nas américas e arredores. são poucos os lugares onde a luz chega antes do fim do túnel nas américas e arredores. a grande lona do circo das ilusões é esticada ao extremo nas américas e arredores. sob ela o povo se espreme para saborear o pão do palhaço que o diabo amassou. palhaço é um poema (inacabado?) catártico..., o meu epílogo para 2018 nas américas e arredores desgovernados.

                         
palhaço
joba tridente

I
cada povo tem
o círculo que merece
cada círculo tem
o circo que aparece
cada circo tem
o palhaço que padece

conforme a conveniência do ato
                          recebe
palmas ou palmadas

ovação ou uivo
                   é mera questão de métrica

II
o palhaço só é de estima
                           se partido
                           se inteiro
                           o palhaço só é bucha

III
no picadeiro
sempre há
                              ..., verá!
alguém da arquibancada
aparando a grama
afofando a serragem

nas cadeiras
sempre há
                             ..., verá!
alguém a (a)pagar ratos
sem deixar rastros
                     na cova do leão
que na reta
             guarda silêncio
             se dela a ação
             miado vira urro

IV
o ingresso do comum
não garante
o espetáculo no globo
                        da morte à sorte
cabeças não rolam
pra quem sabe a arte
                            de rapinar

a magia com números
                        e cartas
                        marcadas não é
para amadores
se cabe em qualquer caixa
para armadores

V
nem trapézio
          nem corda bamba
         nem malabares

a função do palhaço
                      é confundir
                      os inocentes
(in)úteis
os que creem no seu sermão
de pai paspalho da pátria
                              armada
a salva aleatória que rico chateia
                                      na retórica
do bobo do congresso
que entorna a dialética
            na fantasia bufa
            que induz o risco
                               franco
na gargalhada interrompida
ao final do algodão
                         doce
no palito envenenado

VI
enquanto ilude o público
o palhaço da vez
considera sua dor privada
                                        ..., e
                  em meio a tapas
na circunstância circular do picadeiro
borra a maquiagem
              cômica na intenção
              que se faz trágica
na face sugestiva
que lhe sucede ao ato
          afiado na língua
                         mordaz

VII
..., palhaço de dentadura
      ladra até dentes de leite derramados

*
ilustração: joba tridente. 2018


Joba Tridente, um livre pensador livre. artesão de imagens e de palavras em Verso: 25 Poemas Experimentais (1999); Quase Hai-Kai (1997, 1998 e 2004); em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida – Sangue e Titânio (2017); Hiperconexões: Realidade Expandida (2015); 101 Poetas Paranaenses (2014); Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu vejo da minha janela (2014); Ebulição da Escrivatura - 13 Poetas Impossíveis (1978); em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás (2000); Cidades Minguantes (2001); O Vazio no Olho do Dragão (2001). Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

sábado, 1 de dezembro de 2018

Carlos Dala Stella: A Arte Muda da Fuga


Neste novembro primaveril de 2018, o escritor de verso e prosa e artista plástico brasileiro Carlos Dala Stella lançou o belíssimo livro A Arte Muda da Fuga, que traz 108 poemas meticulosamente pinçados dos seus fascinantes Cadernos de Ateliê, onde há 39 anos ele une recortes, colagens e manuscritos poéticos. Para esta luxuosa edição ilustrada com obras do autor, a crítica literária e escritora Marta Morais da Costa, doutora em literatura pela Universidade de São Paulo, e autora do excelente posfácio, mergulhou em aproximadamente duas mil páginas dos Cadernos 47 a 57, produzidos em 2014 e 2015, para desvelar ao grande público leitor e apreciador da boa arte a intensa e desconcertante produção de Dala Stella, que já está em seu Caderno de Ateliê 70.




A princípio pensei em apresentar alguns extratos do posfácio de Marta Morais, mas ponderei que, além de mutilar o encadeamento perfeito do seu extenso texto, este não seria suficiente para o leitor conhecer Carlos Dala Stella em sua plenitude. Assim, preferi sugerir alguns links de postagens anteriores aqui no Falas ao Acaso, de blogs do autor e da editora, entre outros, em sua breve biografia, ao final da página.



Para esta postagem selecionei cinco poemas do livro A Arte Muda da Fuga (2018): a arte muda da fuga; vazios; parlatório; ignorância solar; aprendizado. As fotos (fac-símiles do livro ou dos Cadernos)  são de Pith Haid.



     
     
a arte muda da fuga
Carlos Dala Stella

o silêncio sempre foi
meu maior interlocutor
qualquer coisa que eu diga
um monossílabo que engula
ele ouve e sopesa
por mais que eu grite
para dentro e sufoque
um substantivo, ele me acolhe
côncavo e atento
mesmo que eu sopre pérolas
inaudíveis, ele recupera a concha
nunca o silêncio me foi
indiferente, cada vez mais
interfiro na trama
de seus fios transparentes
quem sabe dessa parceria
um dia não surja
a arte muda da fuga


vazios
Carlos Dala Stella

o vazio está cheio
de possibilidades e não transborda

a clareira no meio do mato
o pátio na arquitetura
o silêncio no teatro
o côncavo da caverna
o oco do quarto
o domo da Stª Maria del Fiore

quanto vazio para dizer
sem palavras
a plenitude de deus
o maior de todos os vazios


parlatório
Carlos Dala Stella

chega uma hora em que o mundo
nos fala sem intermediários

falam as nuvens carregadas
e falam cúmulos de organza

falam as janelas fechadas
e fala o branco no varal

falam as pálpebras ligeiras
e falam os olhos leonardos

fala tudo que se mostra
e tudo que se esconde

o que se exibe no espelho
e o que se dá trás-os-montes

só não fala o desconhecido
que todas as manhãs acorda


comigo


ignorância solar
Carlos Dala Stella

estamos no meio do mar morto
encalhados, mais vivos impossível
por todos os lados esse silêncio religioso
essa linha circular do horizonte
reduzidos à chama bruxuleante
da respiração, mudos de tocar
com os olhos o brocado das estrelas
mudos e entregues à ignorância
solar de não saber cada vez mais
em que Ítaca esse barco vai dar


aprendizado
Carlos Dala Stella

tão longo o aprendizado
pra chegar no mesmo lugar
onde nossos antepassados chegaram
pra cair exatamente
no mesmíssimo buraco
e no entanto nossos amores
proibidos e absolutos foram todos
intimamente particulares

tão vário o aprendizado
tão moderno e diverso daquele
de nossos queridos pais
e no entanto o deserto florido
a que chegamos é o mesmo
deserto de nossos ancestrais
a mesma areia entre os dedos
os mesmos cegos girassóis

de uma alegria tão doce
e genuína, e tão imprevista
que nem chega a ser aprendizado
é vida que sucede à vida
e no entanto acabamos
desaguando no mesmo rio
de peixes imemoriais
que vai dar no sal do mar

tanto ímpeto desse corpo
tanto esforço renovado
e tanto gozo na lida amorosa
com o corpo cheio de paraísos
e armadilhas do outro
e no entanto não aprendemos
nada de novo senão reavivar
o espírito rubro do fogo




Carlos Dala Stella em seu ateliê, no Bairro de Santa Felicidade, em Curitiba

Carlos Dala Stella é escritor de verso e prosa e artista plástico. Nasceu no bairro de Santa Felicidade, em Curitiba, Brasil, no ano de 1961. É formado em Letras, pela Universidade Federal do Paraná e desde a década de 1980 dedica-se ao desenho. Carlos, que já expôs na Itália, publicou os livros O Caçador de Vaga-lumes (poemas, 1998), Riachuelo, 266 (contos e crônicas, 2000), Bicicletas de Montreal (fotografia e outras artes visuais, 2002), O gato sem nome (poemas, 2007) e A Arte Muda da Fuga (poemas, 2018). Em 2012, Dala Stella foi finalista do prestigiado Prêmio Jabuti, na categoria Ilustração, com o livro Quer Jogar? (2011), de Adriana Klisys.
Para saber mais: no Falas ao Acaso, cinco poemas do livro O Gato sem Nome: Poema I; Poema II, Poema III; Poema IV; Poema V..., e o magnífico A Beleza dos Bichos, poema que está presente em A Arte Muda da Fuga; blogs de Carlos Dala Stella: dalastella e cdalastella; resenhando: entrevista com Carlos Dalla Stella; site da Editora Positivo, que publicou A Arte Muda da Fuga, para compra online...

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