Li O Egípcio, O Etrusco e O Romano, de
Mika Waltari (1908 - 1979), em
sequência. Estes três envolventes romances históricos que falam de religião e
política, paixão e sexo, traição e guerra, em épocas e governos “diferentes”, chamam
a atenção por outro ponto em comum: seus personagens (protagonistas e
coadjuvantes) são pessoas extremamente ordinárias. Uma gente meio (ou
totalmente) sem caráter, sem ética, “sem pai nem mãe”. Donos de um passado
desconhecido, mas “nobre”, estão sempre dispostos a levar vantagem (e
conseguem) em tudo o que se metem, (principalmente na espionagem) a serviço de faraós,
reis, imperadores, sem importar se as informações (colhidas) são cruciais para a
submissão e ou extermínio de povos que acreditam na sua amizade. Ou ainda
resultar na morte de seus próprios familiares. Ocupados em ficar ricos, se
isentam de qualquer culpa e ou arrependimento pelos seus abomináveis feitos (a
serviço dos déspotas), creditando-os à busca de conhecimento.
Narrando
sempre na primeira pessoa, Mika nos conta a história de seus personagens-título
através da autobiografia que cada um está escrevendo para justificar seus atos
infames. Através de um texto perspicaz, vamos aos poucos descobrindo a
personalidade (perturbada) de cada anti-herói e nos enredando em sua trama por
vezes indigesta e sem saída. Cândidos no fim, os carreiristas Sinuhe (o egípcio), Turms (o etrusco), e Minuto
(o romano), trágicos e românticos na sua depravação, detêm-se nas minúcias ao
relatar uma vida atribulada e pouco invejável. Preconceituosos e irresponsáveis,
egoístas e egocêntricos, desvelam ganhos e perdas de valiosos bens e de
mulheres (tão podres quanto eles). Tamanha é a covardia de cada um que
dificilmente o leitor será simpático à sua “causa” (e ou dor), e tampouco
conseguirá parar de acompanhar as suas sagas repletas de reviravoltas, para ver
até onde irão, na ânsia de atingir os seus propósitos.
Dos
personagens coadjuvantes: o esperto escravo Kaptah
(que resgata a dignidade ultrajada de Sinuhe),
o espartano Doro (traído pelo
ambicioso Turms), e o imperador Nero (enaltecido pelo avarento Minuto), o melhor e mais fascinante
deles é Doro que, infelizmente, (mesmo
sendo mais interessante que Turms) “desaparece”
no meio da narrativa. É um personagem tão cativante e intenso que a sua breve vida
merecia um livro próprio. O Etrusco,
pela luminosidade, ritmo, ação e aventura com boa dose de humor, é o meu
favorito. Também porque me pareceu menos (explicitamente) violento que O Egípcio e O Romano. A beleza de O
Etrusco é comparável à fabulosa obra da escritora inglesa Mary Renault (1905 - 1983), autora de
excepcionais romances históricos que se passam na Grécia antiga. Como não li as
obras de Mika Waltari no original finlandês e muito menos a versão inglesa que
deu origem à tradução brasileira, não posso precisar a ausência de humor em O Romano, já que O Egípcio ainda tem alguma graça nas armações do interesseiro Kaptah. Acredito, porém, que o foco
religioso destes dois fantásticos livros contribui para o seu clima mais
obscuro, mas não menos interessante.
Assim como
os personagens gregos de Renault, Sinuhe,
Turms e Minuto não são caricatos. Longe disso, são mais tangíveis que os
transeuntes, políticos, religiosos que esbarramos por aí. E, com certeza, mais
humanos do que a maioria deles. Sempre acreditei que quando não se pode ler o
original, deve-se sempre duvidar das traduções, por melhores que sejam. No
entanto, sem parâmetro comparativo, acatei com prazer estas edições da Itatiaia, mesmo com alguns problemas
ortográficos. Enfim, o que me surpreendeu neste primeiro contato com a
narrativa de Waltari foi o seu subtexto, o emprego da metalinguagem no tratamento
“histórico” da “História”. Exemplifico com esta passagem, em O Romano (página 450), onde o filósofo Sêneca, em conversa com Minuto Lauso Maniliano, faz a seguinte consideração:
“- Dir-te-ei a mesma coisa que procurei
incutir no espírito de Nero. Pode uma pessoa esconder por algum tempo, com
dissimulação e subserviência, as suas características reais. Mas, no fim, o ato
é sempre descoberto e a pele de ovelha de desprende do lobo. Nero tem sangue de
lobo nas veias, por mais ator que seja. Tu também tens, Minuto, mas de um lobo
mais covarde.” Mika
Waltari. O Romano. 2ª. Edição. Editora Itatiaia Limitada. 1980. Tradução José
Laurênio de Melo.