quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Joba Tridente: Puta Sentimento Quase


PUTA SENTIMENTO QUASE Haicai ou Tanka
é um mergulho sem (des)culpa, às vésperas do natal, no universo de mulheres à margem da sociedade..., um tema que venho trabalhando ultimamente. Já publiquei a série Passeio Público, que foi parar no livro 101 Poetas Paranaenses (antologia de escritas poéticas do século XIX ao XX, organizada (em dois volumes) pelo escritor Ademir Demarchi e editada pela Biblioteca Pública do Paraná, em 2014). A série de poemas PUTA SENTIMENTO QUASE Haicai ou Tanka também já apareceu por aqui (de forma fragmentada) em 2015. Hoje você lê, numa só postagem, os dez poéticos exercícios amorais. 


PUTA SENTIMENTO QUASE 
Haicai ou Tanka 
joba tridente 



I
 

na porta da puta 

contorna o olho mágico 

a guirlanda de natal 



II 

a puta dá 

aos clientes assíduos 

mimos especiais 



lembranças únicas 

em lares alheios 




III
 

de tão velha 

no puído vestido vermelho 

vira a puta noel 



IV 

no ponto de todo dia 

a puta veste no natal 

roupa de luzinhas 



pisca não pisca embaixo 

pisca não pisca em cima 




V
 

puta que é puta 

depena o pato na véspera 

e recheia a carteira no natal 



VI 

no natal 

não adianta enfeitar o ponto 

os carros tomam outra direção 



entre um bocejo e outro 

a puta come um bombom 




VII
 

belém belém belém 

a um minuto do natal 

a puta despe-se do cliente fortuito 



VIII 

a todo natal 

a puta lembra dos filhos 

que deixou para trás 



a cada lixeira na rua 

um arrepio e um suspiro 




IX
 

no presépio 

confiando a última moeda 

a puta temente reza 



X 

- tia, me dá um troco? 

- puta, me dá uma trepada? 

- não, o natal não me comove! 



à meia-noite ela divide 

um panetone com os mendigos 


ilustrações de joba tridente.2015/2020 


Joba Tridente, um livre pensador livre. artesão de imagens e de palavras em Verso: 25 Poemas Experimentais (1999); Quase Hai-Kai (1997, 1998 e 2004); em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida – Sangue e Titânio (2017); Hiperconexões: Realidade Expandida (2015); 101 Poetas Paranaenses (2014); Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre – O que eu vejo da minha janela (2014); Ebulição da Escrivatura - 13 Poetas Impossíveis (1978); em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás (2000); Cidades Minguantes (2001); O Vazio no Olho do Dragão (2001). Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Joba Tridente: f.o.t.o.g.r.a.m.a.s X

 


f.o.t.o.g.r.a.m.a.s X

j.o.ba...t.r.i.d.e.n.t.e

 

É possível que os sobreviventes jamais esqueçam este fatídico ano 2020. É possível que os sobreviventes farão de tudo para esquecer este fatídico ano 2020..., ano em que um vírus nada preconceituoso (sequer racista ou xenofóbico) passou rasteira socioeconômica e político-religiosa em quase (?) todo o mundo capitalista, botando a nu muitos governantes que se viram obrigados a dar suas caras-de-pau a tapas. Nessa temporada pandêmica, começada lá nos idos de março de 2020, venho tecendo uma série de crônicas em verso e prosa, quase diárias, focadas no coronavírus, nomeadas de f.o.t.o.g.r.a.m.a.s. Aproveitando a temporada de eleições e em homenagem a todos os mortos que, de alguma forma, foram afetados pela negligência de seus governantes, posto aqui, no Falas ao Acaso, f.o.t.o.g.r.a.m.a.s X, escrito em 04.05.2020.


                           
                                
                          f.o.t.o.g.r.a.m.a.s X

joba tridente

 

a tristeza

de quem sobreviveu

aos pais e aos filhos

                 e aos avós

de quem viu

a mulher morrer no parto

de quem viu

o filho nascer morto

de quem não pranteou

aos seus e nem aos amigos

que se foram assim...,

num infarto fulminante 

de quem teve

a dor negada

de quem teve

a doença negada

..., na matemática dos desamparados

 

 um caixão de madeira

uma ânfora com cinzas

              números T números

      conforme o lado

               o zero

       é 

    nada

 

..., melancólico somatório

na espiral de sobreviventes

e negacionistas desmascarados

 

: se não retorna capital

: se não retorna votos

  é inútil economizar vidas

  no vale da amargura hospitalar

.....................................................

: na raquete política

  o cidadão é a bola que quica

  até se espatifar na parede

  da inconveniência

  ..., dos inocentes

 

                                                jt.ilustrações.02.11.2020

 

Joba Tridente, um livre pensador livre. artesão de imagens e de palavras em Verso: 25 Poemas Experimentais (1999); Quase Hai-Kai (1997, 1998 e 2004); em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida – Sangue e Titânio (2017); Hiperconexões: Realidade Expandida (2015); 101 Poetas Paranaenses (2014); Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre – O que eu vejo da minha janela (2014); Ebulição da Escrivatura – 13 Poetas Impossíveis (1978); em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás (2000); Cidades Minguantes (2001); O Vazio no Olho do Dragão (2001). Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

domingo, 1 de novembro de 2020

Dois Poemas para Carlos Drummond de Andrade



dois poemas 
para Carlos Drummond de Andrade 

Não sou muito ligado a datas. Para mim todo dia é dia de todo dia e do que e de quem quiser o dia. Carlos Drummond de Andrade teria completado 118 anos, ontem, dia 31 de outubro de 2020. Hoje faz 22 anos que escrevi, em sua homenagem, o poema comemORAÇÃO (1998). Há 23 anos foi publicado, no livro Traço de União, Poema para Carlos Drummond de Andrade (1997), do poeta angolano João Maimona. Então, como todo o passado é presente algum dia que também será passado, republico, aqui no Falas ao Acaso, os dois poemas.



comemORAÇÃO
 
Joba Tridente 

hoje é dia de todos os Santos e da Lua 

amanhã é dia de todos os Mortos e de Marte 

ontem foi o dia de Drummond e do Sol 

e as pedras continuam espalhadas por todos os caminhos 

por todos os caminhos continuam espalhadas as pedras 

alguns tropeçam e caem e ficam 

alguns tropeçam e caem e se levantam 

alguns tropeçam e se equilibram e vão 

alguns veem as pedras e desviam 

alguns já conhecem os caminhos 

outros nunca leram Drummond 






Poema para Carlos Drummond de Andrade
 
João Maimona 

É útil redizer as coisas 

as coisas que tu não viste 

no caminho das coisas 

no meio do teu caminho. 


Fechaste os teus dois olhos 

ao bouquet das palavras 

que estava a arder na ponta do caminho 

o caminho que esplende os teus dois olhos. 


Anuviaste a linguagem de teus olhos 

diante da gramática da esperança 

escrita com as manchas de teus pés descalços 

ao percorrer o caminho das coisas. 


Fechaste os teus dois olhos 

aos ombros do corpo do caminho 

e apenas viste uma pedra 

no meio do caminho. 


No caminho doloroso das coisas. 



Ilustrações: Joba Tridente.2015.2016.2020


Joba Tridente, um livre pensador livre. artesão de imagens e de palavras em Verso: 25 Poemas Experimentais (1999); Quase Hai-Kai (1997, 1998 e 2004); em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida – Sangue e Titânio (2017); Hiperconexões: Realidade Expandida (2015); 101 Poetas Paranaenses (2014); Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre – O que eu vejo da minha janela (2014); Ebulição da Escrivatura – 13 Poetas Impossíveis (1978); em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás (2000); Cidades Minguantes (2001); O Vazio no Olho do Dragão (2001). Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

João Maimona (1955) nasceu em Kibokolona, Angola. Escritor, ensaísta e crítico literário licenciou-se em Medicina Veterinária. Maimona é membro fundador da Brigada Jovem de Literatura do Huambo e da União dos Escritores Angolano. O premiado escritor é autor de Trajetória Obliterada (1985); Les Roses Perdues de Cunene (1985); Traço de União (1987, 1990);  Diálogo com a Peripécia (1987); As Abelhas do Dia (1988, 1990); Quando se ouvir os sinos das sementes (1993); Idade das Palavras (1997).

Para saber mais: União dos Escritores Angolanos: João Maimona; Portal São Francisco: João Maimona; Antonio Miranda: Poesia Angolana - João Maimona; Terezinha de Jesus Aguiar Neves: Do alarme do mundo e das celebrações da escrita na poética de João Maimona; Templo Cultural Delfos: João Maimona - universos poéticos; Revista Zunái: Uma Conversa com João Maomona.

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Max Ritvo: Dois Poemas


MAX RITVO: Dois Poemas 


Em maio de 2019 publiquei aqui, no Falas ao Acaso, três poemas originais do escritor Max Ritvo (1990-2016), em tradução do jornalista e escritor Marcílio Farias, para o português, e do escritor e tradutor colombiano Armando Ibarra, para o espanhol. Outros afazeres têm me impedido de postar com maior frequência. Hoje, “mais tranquilo”, ao abrir um arquivo de autores, dei de cara com o nome do jovem escritor norte-americano Max Ritvo, numa pasta com sobras da última postagem, e selecionei dois poemas: Poem to My Litter (Poema para Minha Ninhada / Poema para mis crías) e Dawn of Man (Aurora do Homem). O texto de apresentação de Ritvo e o que comenta os poemas são de Marcílio..., eles acompanhavam as suas traduções (sem compromisso) compartilhadas com alguns amigos no Facebook. A tradução de Ibarra encontrei portal Clave - Revista de Poesia, dirigido por ele, que disponibiliza mais traduções de Max Ritvo. 

Max Joseph Ritvo nasceu em 1990, em Los Angeles. Só publicou um livro, AEONS, que ele mesmo imprimiu, encadernou e distribuiu, e pelo qual recebeu (2014) o prêmio de melhor livro do ano da Poetry Society of America. Max faleceu hoje, 23 de agosto de 2016, aos 25 anos de idade, após batalhar a morte desde os 16, quando médicos descobriram corpos estranhos crescendo no seu corpo (com o nome de Sarcoma de Ewig). Apesar da quimioterapia pesada, estudou em Yale e Columbia. Foi editor assistente da revista literária Parnassus. “V” é sua esposa desde agosto de 2015..., a psicóloga inglesa Victoria Jackson-Hanen, que ele conheceu no hospital. Max escreveu até ontem à tarde, quando, exausto, disse à mãe e à mulher: “Chega. Cansei de escrever.” Hoje pela manhã estava morto. Cedo demais. New Orleans, Agosto de 2016. 

Poem to My Litter (Poema para Minha Ninhada / Poema para mis crías) é um dos últimos Poemas escritos por Max (Max Joseph Ritvo), uma das vozes poéticas mais poderosas dos últimos dez anos na Poesia Norte-Americana (tive a honra de conhece-lo há dez anos e ele e sua Arte me conquistaram de um pancadão só.) O Poema (publicado no New Yorker) está incluído na segunda coletânea (Four Incantations) a ser lançada postumamente neste mês de Outubro. Max morreu o mês passado em Nova Iorque aos 25 anos de idade. Seu primeiro livro, AEONS, recebeu o Prêmio de Melhor Livro do Ano (2004) da Poetry Society of America. Recentemente traduzi dois poemas seus: Paraíso é a gente junto sendo uma flor e Aurora do Homem (um dos seus Poemas de que mais gosto). New Orleans, Setembro de 2016. Marcilio Farias. 




    POEM TO MY LITTER
    Max Ritvo 

My genes are in mice, and not in the banal way
that Man’s old genes are in the Beasts. 

My doctors split my tumors up and scattered them
into the bones of twelve mice. We give 

the mice poisons I might, in the future, want
for myself. We watch each mouse like a crystal ball. 

I wish it was perfect, but sometimes the death we see
doesn’t happen when we try it again in my body. 

My tumors are old, older than mice can be.
They first grew in my flank, a decade ago. 

Then they went to my lungs, and down my femurs,
and into the hives in my throat that hatch white cells. 

The mice only have a tumor each, in the leg.
Their tumors have never grown up. Uprooted 

and moved. Learned to sleep in any bed
the vast body turns down. Before the tumors can spread, 

they bust open the legs of the mice. Who bleed to death.
Next time the doctors plan to cut off the legs 

in the nick of time so the tumors will spread.
But I still have both my legs. To complicate things further, 

mouse bodies fight off my tumors. We have to give
the mice aids so they’ll harbor my genes. 

I want my mice to be just like me. I don’t have any children.
I named them all Max. First they were Max 1, Max 2, 

but now they’re all just Max. No playing favorites.
They don’t know they’re named, of course. 

They’re like children you’ve traumatized
and tortured so they won’t let you visit. 

I hope, Maxes, some good in you is of me.
Even my suffering is good, in part. Sure, I swell 

with rage, fear—the stuff that makes you see your tail
as a bar on the cage. But then the feelings pass. 

And since I do absolutely nothing (my pride, like my fur,
all gone) nothing happens to me. And if a whole lot 

of nothing happens to you, Maxes, that’s peace.
Which is what we want. Trust me. 



    POEMA PARA A MINHA NINHADA
    Max Ritvo 
    tradução Marcílio Farias 

Meus genes estão agora em ratos, mas não da forma corriqueira 
como os genes humanos existem nos animais selvagens. 

Meus médicos cortaram meus tumores e os
Espalharam pelos ossos de doze ratinhos. E os alimentam 

Com venenos que, talvez no futuro, eu possa
Utilizar também. Então observamos (eu e eles, os médicos) 

Cada rato como se fosse
Uma bola de cristal 

Que gostaria fosse perfeita. Mas as vezes a morte que
Vemos neles não se repete quando visita o meu corpo. 

Meu destino é antigo. Mais antigo que o dos ratos.
Destino que começou a crescer nas minhas costas há 10 anos. 

E depois passou para os meus pulmões, para minhas pernas, 
para as colmeias da minha garganta que fabricam células brancas. 

Os ratos carregam um pedaço desse destino em cada perna. 
Mas seus destinos nunca crescem como os meus que, sem raízes 

Percorrem livres o meu corpo que já se acostumou a dormir 
em qualquer cama que me deixe dormir de bruços. 

Antes que os tumores dos ratos possam se espalhar
Os médicos cortam-lhes as pernas e eles sangram até morrer. 

E o plano é cortar as pernas no último minuto
Para ver como os tumores nos ratos se movem. 

Mas eu continuo com as minhas duas pernas intactas. 
E ainda há uma complicação extra: os ratos recusam tumores 
que meu corpo não consegue. 

E o plano é dar aos ratos AIDS para ver se eles
Acolhem os meus genes e me entendem. 

Eu que quero que meus ratos sejam exatamente como eu.
No início, batizei-os de Max 1 e Max 2, 

Mas agora são apenas Max, sem favoritismo. Eles são 
como essas crianças que os pais traumatizam e torturam e nunca são vistas. 

Eu espero que um pouco do Bem que existe neles venha de mim, 
porque estou aprendendo que meu sofrimento é Bom, 
pelo menos em parte. 

Claro que explodo e me dissolvo em ódio, raiva, medo, e tudo o mais
 que faz com que alguém se sinta inútil e acuado como fera na jaula. 

Mas esse sentimento passa, e como não há mais nada a fazer (não
 tenho mais Orgulho, nem pelo e nem pele) nada acontece comigo. 

E digo para meus ratos, “se nada acontece com vocês também, 
isso é uma forma de Paz, não é? E Paz é tudo que queremos. 
É tudo que eu quero.” 



    POEMA PARA MIS CRÍAS 
    Max Ritvo 
    traducción: Armando Ibarra Racines 

Insertaron mis genes en ratones, y no del modo inútil
como los genes antiguos del hombre reposan en las Bestias. 

Los doctores fraccionaron mis tumores y los insertaron
en los huesos de doce ratones. Les administramos 

a los ratones una pócima venenosa, que yo podría necesitar en el futuro.
Vigilamos a cada ratón como si fuera una bola de cristal. 

Deseaba que fuera perfecto, pero a veces la muerte del experimento
no funcionaba cuando la volvíamos a ensayar en mi cuerpo. 

Mis tumores llegaron a una edad avanzada, más avanzada que la de cualquier ratón. 
Tuve el primer tumor en el costado, hace una década. 

Luego se propagó a los pulmones, y bajó a los fémures,
y entró a las colmenas de la garganta donde se incuban los glóbulos blancos. 

Cada ratón solo tiene un tumor, en la pata.
Sus tumores nunca han madurado. Los arrancan de raíz 

y los transplantan. Aprendieron a dormir en cualquier lecho
que el cuerpo enorme rechaza. Antes que los tumores se puedan propagar, 

abren y revientan las patas de los ratones. Que se desangran hasta morir.
La próxima vez los médicos planean amputarles las patas 

en el momento oportuno para que los tumores se propaguen.
Pero todavía tengo ambas piernas. Para enredar más las cosas, 

los cuerpos de los ratones rechazan mis tumores. Tenemos que contagiar
a los ratones con sida para que sirvan de albergue a mis genes. 

Quiero que mis ratones se parezcan a mí. No tengo hijos.
A todos los bauticé como Max. Al principio eran Max 1, Max 2, 

pero ahora todos son simplemente Max. No tengo favoritos.
Ellos no saben que tienen nombre, por supuesto. 

Son como unos hijos que has traumatizado y torturado,
así que no dejan que los visites. 

Espero, Maxes, que haya depositado en ustedes algo bueno.
Hasta mi sufrimiento es bueno, parcialmente. Cierto, me lleno 

de odio, miedo: cosas que hacen que los Maxes confundan sus colas
con barrotes de jaula. Pero después la sensación pasa. 

Y como no hago absolutamente nada (mudé el orgullo,
como un pelaje) nada me sucede. Y si lo que les sucede 

es mucha nada, Maxes, es porque la nada calma.
Es lo que queremos. Confíen en mí. 





    DAWN OF MAN 
    Max Ritvo 

After the cocoon I was in a human body 
instead of a butterfly’s. All along my back 

there was great pain — I groped to my feet 
where I felt wings behind me, trying 

to tilt me back. They succeeded in doing so 
after a day of exertion. I called that time, 

overwhelmed with the ghosts of my wings, sleep. 
My thoughts remained those of a caterpillar —  

I took pleasure in climbing trees. I snuck food 
into all my pains. My mouth produced language 

which I attempted to spin over myself 
and rip through happier and healthier. 

I’d do this every few minutes. I’d think to myself 
What made me such a failure? 

It’s all a little touchingly pathetic. To live like this, 
a grown creature telling ghost stories, 

staring at pictures, paralyzed for hours. 
And even over dinner or in bed —  

still hearing the stories, seeing the pictures —  
an undertow sucking me back into myself. 

I’m told to set myself goals. But my mind 
doesn’t work that way. I, instead, have wishes 

for myself. Wishes aren’t afraid 
to take on their own color and life —  

like a boy who takes a razor from a high cabinet 
puffs out his cheeks and strips them bloody. 



    AURORA DO HOMEM
    Max Ritvo 
    tradução: Marcílio Farias 

Depois de sair do casulo eu me vi num corpo humano
Em vez de numa borboleta. E nas minhas costas 

Uma dor enorme – que me fazia agarrar os pés
Enquanto asas tentavam me derrubar, o que 

Conseguiram depois de um dia inteiro 
De esforço que, ao final de tudo e 

Assoberbado pelos fantasmas dessas asas,
Apelidei de “sono”. Meus pensamentos, porém, 

Permaneceram como os da lagarta que
Sente prazer em subir nas árvores mais altas 

E como ela senti prazer em sugar a seiva
Sobre a minha dor enquanto minha boca produzia linguagem 

Que eu tentava enrolar em meu corpo e
Rebentar a barreira do ser mais feliz e saudável. 

E eu fazia essa rotina regularmente. E pensava comigo mesmo
“o que provocou em mim essa falência? 

“Coisa tocantemente patética essa. Viver assim de
Adulto contanto histórias de fantasmas e 

"Olhando fotografias antigas por horas a fio
Mesmo durante o jantar ou na cama – 

"Ouvindo histórias contadas pelas fotografias — enquanto um rolo 
Compressor me empurrava para dentro de mim mesmo." 

Especialistas me dizem para ter em mente um objetivo, mas essa 
mente que tenho não funciona assim e tem desejos que 

Não tem medo de assumir formas ou cores
Ou vidas próprias — 

Como um garoto que apanha a navalha da gaveta mais alta
E arranca do seu rosto fatias sangrentas.

ilustrações:joba.tridente.2020 



Max Ritvo (19.12.1990 – 23.08.2016) foi um escritor norte-americano cujo primeiro e único livro, AEONS, mereceu o prêmio Poetry Society of America (2014). Admirado pela crítica especializada, como um dos grandes nomes de poesia contemporânea, Max Ritvo, professor universitário de língua inglesa, teve poemas publicado na Parnassus: Poetry in Review; Poetry: A Magazine of Verse; The New Yorker; Boston Review; Poem-a-day - Academy of American Poets. Logo após a sua morte foram lançados: Four Reincarnations (Edições Milkweed, 2016); The Final Voicemails: Poems (seleção de Louise Glück para Edições Milkweed, 2018); Letters from Max (coautoria de Sarah Ruhl - Edições Milkweed, 2018).
Saiba mais: Site Oficial: Max Ritvo; Wikipédia: Max Ritvo; Poetry Foundations: Max Ritvo; The New Yorker: Max Ritvo’s Enduring Lyricism; The Rumpus: A Legacy of Wisdom: The Final Voicemails by Max Ritvo; Clave Poesia: Max Ritvo; Poet’s Sampler: Max Ritvo; Boston Review: Max Ritvo.

Marcílio Farias é formado e pós-graduado pela Universidade de Brasília em Jornalismo, Cinema e Filosofia. Nos anos 70/80 trabalhou para a UNICEF/Brasil, USIS - Brasil e WHO, como consultor e assessor de assuntos públicos e culturais. Atuou como secretário particular do escultor Rubem Valentim, professor visitante da Universidade de Brasília e da Fundação Nacional de Teatro, editor assistente do Jornal de Brasília, colaborador do Jornal do Brasil, Correio Braziliense, Última Hora, Jornal do Unicef e The Brazilians (NY). Em 1974, integrou a equipe vencedora do Prêmio Esso para Melhor Contribuição à Edição Jornalística - Jornal de Brasília. No final da década de 80, escreveu e dirigiu o curta-metragem "Digitais" hors-concours em Lausanne e no Festival de Salvador, vetado pelo Concine logo em seguida. Em 1989 emigrou legalmente para os Estados Unidos. Foi assessor cultural e adido cultural ad hoc do Consulado Geral do Brasil, em Boston, de 1993 a 2003; Professor Visitante da Universidade de Massachusetts - Boston; Conferencista convidado do David Rockefeller Center for Latin American Studies (Harvard University) e Sloan School of Management (MIT); Professor de Comunicação Impressa e de História da Cultura na Universidade de Phoenix, AZ, EUA; Membro Honorário da American Academy of Poets (Owing Mills, MD), da International Society of Poets (Washington, DC) e da Society of Friends of The Longfellow House (Cambridge, MA). Vive e trabalha entre Natal (Brasil) e Phoenix-Miami-Boston (EUA). 
Traduções publicadas no Falas ao Acaso: Ashraf Fayadh; Youssef Rakha; Thomas Merton I e II, III e IV; Hermann Hesse; Jean Arthur Rimbaud; Navajo John-Com-O-Sol-No-Peito; Seamus Heaney; George Seferis; Guillaume Apollinaire; Paul Celan; Frederic Manning. Poemas seus publicados no Falas ao Acaso: Moebius; Mandala; Passado incômodo; (John); Diálogo visto de longe na Praça de Sé; George Seferis; Thucydides. Marcílio Farias é autor de: Visual Field (1996), Watermark Press, MD, EUA; O Livro Cor de Triângulo Cor-de-Rosa (2007), e Rito para Ressuscitar um Elefante (2010), ambos pela Scortecci Editora, São Paulo, Brasil.

Armando Ibarra Racines (Cali, Colômbia: 1956), escritor, tradutor e economista, começou a escrever poemas na juventude. O reconhecimento veio com as breves considerações do notável escritor Helcías Martán Góngora (1920-1984) em El País de Cali e a publicação de alguns poemas na revista Acuarimántima de Medellín. Ibarra vem se dedicando exclusivamente à poesia e traduções desde o ano 2000. Em 2007, ganhou o IV Prêmio Nacional de Poesia José Manuel Arango del Carmen de Viboral, com o livro Crónica de los deshielos. Armando Ibarra, que também é graduado em Tradução Literária e Ciências Humanas, pela Universidade de Antioquia, colabora com a revista literária Cali, dirige e faz traduções para a revista digital Clave, é autor de Extravio en lo Cotintiano. Can y Antorcha (Bogotá, 1989); Crônica dos degelos (Universidad del Valle, 2007); University Station (New Man, 2009); Insônia nas fontes (Versería, 2010); Poemas del Metro de Medellín (Com Jaques Jouet e Rub Comfama, 2011). 

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Cláudio Murilo Leal: Federico García Lorca



FEDERICO GARCÍA LORCA
Cláudio Murilo Leal

Depois de uma certa idade e ou conforme o roteiro da vida a gente vai se sentindo a cada dia mais nostálgico e de tanto vagar a esmo no carrossel da memória acaba entrando no labirinto do se: E se eu não tivesse dado atenção ao meu instinto? E se eu não tivesse mudado de cidade? E se eu tivesse seguido outra profissão? E se eu...? E por aí vai, sem encontrar no Fio de Ariadne alguma saída satisfatória a outros caminhos do que poderia (ou não!) ter sido o seu destino. Quando jovem deixei uma vida que poderia ter sido promissora (ou não!), em São Paulo, onde dava meus primeiros passos na música, no teatro, na literatura e nas artes gráficas e plásticas, para me aventurar em uma vida comunitária macrobiótica (que não foi muito além) em Brasília.

Toda via das mudanças, no entanto, nos leva a algo novo e ou ao menos inusitado e no planalto central, rodeado por um belíssimo cerrado, acabei conhecendo muita gente talentosa que ainda hoje produz arte e cultura de qualidade e ou que já se foi deste mundo, deixando-nos suas relíquias. Ali, entre outras atividades culturais, eu escrevia para o Correio Braziliense, que tinha o escritor e professor Cláudio Murilo Leal também como colaborador. Na efervescência literária candanga conheci autores como Cassiano Nunes, TT. Catalão, Chico Alvim, Otávio Afonso, Ézio Pires, Heitor Humberto de Andrade, José Santiago Naud, Sóter, Marcílio Farias, Hugo Mund Jr., José Helder de Souza, Luiz Turiba, Celso Araujo; Luiz Martins da Silva, Nilton Maciel, Paulo Bertran, Nicolas Behr, Paulo Tovar, Romário Schettino, Vicente Sá, Renato Riella..., mas de Cláudio Murilo guardo a grata lembrança dele ter me presenteado com uma edição de bolso de Orlando (em inglês), de Virgínia Wolf, e de eu retribuir ilustrando uma unidade já impressa de um dos seus livros, acredito que o A Rosa Prática.

Em dez anos de Falas ao Acaso, já publiquei um bocado de escritores e escritoras que admiro, mas nunca o suficiente para diminuir o acervo, já que também ocupo o meu tempo com outras atividades. Nos últimos anos tenho diminuído o ritmo, tanto aqui quanto no Claque ou Claquete e no Lixo Que Vira Arte..., ainda assim, num vacilo, acabo atualizando um e outro blog. Por esses dias pandêmicos, ao assistir a uma belíssima adaptação de Sra. Dalloway, Orlando e The Waves, de Virgínia Wolf, realizada pelo coreógrafo Wayne McGregor para o Corpo de Ballet do Royal Opera House, com música de Max Richter, me lembrei do poeta Cláudio Murilo Leal e saí pela web em busca do contato perdido há muitos anos. Soube que, aos 83 anos, ele ainda mora no Rio de Janeiro. Mas, excetuando o enciclopédico portal de Antonio Miranda, com boa mostra de sua produção literária, há mais site de divulgação dos seus livros, de referências universitárias e ou de algum artigo crítico do que de compartilhamento dos seus tocantes poemas..., que já há muitos anos chamavam a atenção pela cadência diferenciada tanto no ritmo quando no tema humanista.

Assim, enquanto não me é possível realizar uma seleção de excelência da obra de Cláudio Murilo Leal, aproveito a proximidade do marco infeliz de 84 anos do cruel assassinato do grande escritor e dramaturgo espanhol Federico García Lorca, nascido em 5 de junho de 1898 e morto em 18 de agosto de 1936, para assinalar a sua presença no Falas ao Acaso com a publicação do seu intenso e perturbador poema Federico García Lorca (41 Poetas do Rio, Funarte, 1998).


                      

FEDERICO GARCÍA LORCA
Cláudio Murilo Leal

Água com farolitos
a água
Federico.

Lua nos olivais
a lua
Federico.

Laranjas de ouro
laranjas
Federico.

Gitanos que cantan
gitanos
Federico.

Tua alma traída
a tua alma
Federico.

II
Federico, aonde vais?
— a Granada.

E a tua voz de jasmins?
— amordaçada
E tua fronte cigana
— assassinada.

III
Ante a lua comovida,
cobre-se a cela de nardos,
sexta-feira da Paixão,
véspera de teu Calvário.
Um tremor de inquietos pássaros
paira em teus olhos cerrados
e um lençol de pesadelos
sobre teu corpo deitado.
O pensamento repousa
num romanceiro gitano
mas nas ruas de Granada
percorre um frêmito estranho.

Um sino sem esperança
anuncia a madrugada.
Uma hora
(angústias e solidão)
duas horas
(as estrelas se escondem)
três horas
(cravos martirizados)
quatro horas
(a Morte afia os seus punhais)
cinco horas
(chora o regato e o rouxinol).
Levam-te por uma estrada
de espinhos e crocodilos
como uma pomba aprisionada,
às cinco horas da madrugada.
As Bestas galopando
às cinco horas da madrugada
em seu tropel de espantos
às cinco horas da madrugada.
E quando por ti perpassa
às cinco horas da madrugada
um calafrio de lâminas,
descerram-se todos os sudários
e os lírios se enrubescem
às cinco horas da madrugada.
Às cinco horas da madrugada!
Eram as cinco em todos relógios!
Eram as cinco nos campos de Granada!

VI
Federico assassinado
na branca areia de Espanha
é uma rosa andaluza
sobre lençóis de Holanda.
Seu sangue espalha no ar
Um leve olor de lavanda,
seus ossos se pulverizam
em estrelinhas de nácar
e um pranto entre os ciprestes,
poesia inacabada,
soluça os versos mozárabes
de um romance fantasma.
La guardia civil caminera
a Federico levava:
ela, fome de pantera,
ele, orgulho de prata,
ela, veias insensíveis
e olhos frios, sem alma,
apaga a luz das estrelas
no sangue da madrugada.
Mil pandeirinhos sossegam
os seus murmúrios de água.
Um anjo deita a cabeça
sobre uma alva almofada
e a Morte com dedos finos
toca a sua velha guitarra.
Por Málaga ou Córdoba,
ou por Sevilha ou Granada,

vagueia como sonâmbula
uma voz assassinada.

*
ilustração.joba.tridente.2020


Cláudio Murilo Leal (Rio de Janeiro-RJ: 1937) é Escritor, Ensaísta, Tradutor, Doutor em Letras e Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (Brasil). Lecionou Literatura Brasileira, como assistente do professor e acadêmico Afrânio Coutinho, e posteriormente Literatura Hispano-Americana, na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro e nas Universidades de Brasília; de Essex (Inglaterra); de Toulouse-Le-Mirail (França) e de Complutense (Madri). Cláudio Murilo defendeu a sua tese sobre A poesia de Machado de Assis, na Academia Brasileira de Letras, em 2000. Foi colaborador dos jornais Correio Braziliense e Jornal de Brasília, Diretor do “Colegio Mayor Universitario” Casa do Brasil, em Madrid, e Presidente do PEN Club do Brasil (2008-2010). Cláudio Murilo Leal, que é autor de Poemas; Novos Poemas; Fonte; Gesto Solidário; As Doze Horas; A Rosa Prática; A Musa Alienada; Poemas de Amor; Caderno de Proust (Prêmio Nacional de Poesia do Instituto Nacional do Livro, 1981); A Velhice de Ezra Pound; O Poeta Versus Maniqueu; Escrito en la Carne; Reflets; As Quatro Estações; Catarse; As Guerras Púnicas; Treze Bilhetes Suicidas; Módulos; Cinelândia; traduziu para o espanhol a Antologia Poética, de Carlos Drummond de Andrade (Espanha, 1986) e organizou  antologia Toda a Poesia de Machado de Assis (Record, 2008).
Para saber mais: Antonio Miranda: Cláudio Murilo Leal; Cláudio Murilo Leal: As Abstrusas Palavras de Manuel Bandeira; Cláudio Murilo Leal: Os direitos autorais e a profissionalização do escritor; ABL: Claudio Murilo Leal: A vocação narrativa da poesia de Machado de Assis; Rascunho - Álvaro Alves de Faria: No Devido Lugar.

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