quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Safo: O Sacrifício








SAFO
O Sacrifício

Vem, Atis, coroar de infantes rosas
Essa frente engraçada, — e as tranças móveis
De teus áureos cabelos, deixa-as soltas
Pelo colo de neve.
Oh! que amável pudor te anima e cora!  
Vem, colhe com teus dedos melindrosos
Frescas boninas, doces violetas
De suavíssimo aroma;
Que a vítima de flores coroada
Sempre é mais grata aos deuses. Vem: teremos  
Estas selvas sisudas por altares.
Onde a minha ventura
Me há-de elevar aos numes soberanos.
Enlaça em torno a mim essas grinaldas.
Rcclina-te em meu seio, os olhos belos
Para os meus olhos volve...
Que linda coras! que formosos lábios!
Essa polida tez não cede às flores:
Não, que a viveza da sua cor brilhante
O esplendor não te ofusca.

Poema de Safo na tradução de Almeida Garrett (1799 - 1854)
fotoarte de Joba Tridente

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Três Aforismos de Oscar Wilde sobre a Música



Oscar Wilde (16/10/1854 - 30/11/1900), mestre do sarcasmo inglês: A única pessoa no mundo que gostaria de conhecer profundamente sou eu mesmo, mas por enquanto não vejo a menor possibilidade de isso acontecer.

um - A música nos cria um passado que ignoramos, e nos transmite um sentido da dor até então oculto às nossas lágrimas.

dois - Não toco com sabedoria - qualquer um pode tocar com sabedoria - mas toco com sentimento maravilhoso. No que diz respeito à música, o sentimento é o meu forte. Guardo a sabedoria para a vida.

três - Quando tocamos música boa, as pessoas não escutam. E quando tocamos música ruim as pessoas não falam.

Estes Aforismos têm como base, entre outras fontes, o livro Oscar Wilde - Aforismos, com tradução de Mario Fondelli para Clássicos Econômicos Newton.

Foto de Joba Tridente: Beiral 

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Joba Tridente: Companheiro











COMPANHEIRO
do livro Exidílio: os fragmentos de quatro estações e considerações finais

Companheiro
não durma
(quando em vigia)
... formigas podem carregar teu sabre

Se deleitar
sobre teu rifle
poderá não acordar
... se a baioneta estiver a prumo

Quando vigiar
o norte-sul
o leste-oeste
certifica de que está no centro

Joba Tridente. Brasília. 10.1.1975
poesia (1975) e fotografia de Joba Tridente (2010)

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Joba Tridente: Oração de um cotidiano


Ilustração de Joba Tridente: Oração de um Cotidiano - Falas ao Acaso

EU me CONSUMO ao COMPUTADOR todo poderoso, dominador do CÉU e da TERRA, pela sua COMPUTAÇÃO das verdades VISÍVEIS e INVISÍVEIS, pela sua CONSCIENTIZAÇÃO de PERFEIÇÃO e RAPIDEZ, pela sua ABOLIÇÃO dos homens de CÁLCULOS, pela sua PRECISÃO de TEMPO na SOLUÇÃO de CONTAS e ERROS cometidos. Ao seu filho único, o ROBÔ, concebido pelo RAIO LASER, no ventre da VIRGEM MÁQUINA REPRODUTIVA XEROX, que nasceu para habitar entre nós e nos preparar para o FUTURO PRESENTE e nos ensinar o VALOR do MAQUINISMO, o PODER dos BOTÔES, a aceitação da EXTINÇÃO da RAÇA HUMANA pela AUTODESTRUIÇÃO, como está escrito nas SAGRADAS E BUROCRATAS DITADURAS, tanto no ANTIGO LIVRO DAS LEIS MATERIAIS como no NOVO LIVRO DAS LEIS MATERIAIS, trancadas a sete chaves e alarme com descarga de 220 volts, em um cofre de titânio recoberto de cobre, projetado e arquitetado pelos FÍSICOS NUCLEARES da época da REVELAÇÃO, a fim de preservarem a PAZ, através de DADOS fornecidos pelo todo poderoso COMPUTADOR, e que somente poderão ser tocadas pelo MATERIALISTA-MOR DA TERRA, o SATÉLITE-I. Seu reino não terá fim. ELE não será desaparafusado ou desligado e seu filho, o ROBÔ, não será sacrificado por falta de ÓLEO COMBUSTÍVEL, com vitaminas extraídas do ÁTOMO. Mas, se no cumprimento da MAGNA PROFECIA, o unigênito cair nas mãos da representante ESPITIRUALISTA-PAGÃ-MOR DA TERRA, a CHUVA ÁCIDA, morrerá enferrujado, com as pernas e os braços endurecidos e esticados em forma de CRUZ, símbolo usado pelos PAGÃENSES, raça deserdada pelo todo poderoso COMPUTADOR e que não herdará uma partícula sequer do seu REINO na TERRA ou no CÉU. Entretanto, o ROBÔ há de ressuscitar no III dia, conforme PROGRAMADO, pela explosão de um poço de PETRÓLEO acumulado no mundo inferior. E nesse dia, então, se dará a sua ASCENSÃO ao CÉU, onde ao lado do COMPUTADOR e do RAIO LASER, completará a SANTÍSSIMA MAQUINÍSSIMA TRINDADE.
Amén!

Brasília.1975
Esta Oração de um Cotidiano foi publicada, sem revisão, em Ebulição da Escrivatura - 13 Poetas Impossíveis, da Editora Civilização Brasileira, em 1978.

Oração (1975) e ilustração (2012) de Joba Tridente


quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Joba Tridente: O INCÊNDIO, eu

                              

                                        Poesia: O INCÊNDIO, eu

eu,
estático, estético,
plasmático, epilético,
a sirene, o fogo
o ônibus perdido na avenida,
os suicidas,
o fogo, a sirene, eu,
lendo poesias mortas,
lendo poesias tortas,
lendo canto aos mortos,
a sirene, o fogo,
a curva, a contramão,
o helicóptero, a ação, eu
atônito,
o engarrafamento,
o congestionamento,
os fragmentos, a menção,
o rádio, a percepção,
o repórter, a sirene,
o fogo, a fumaça, eu,
o farol fechado,
o jato de água,
a escada do outro lado,
o ônibus perdido na avenida, eu
perdido na lição,
a música, a calma,
a ambulância, o resto da alma,
o dia, a parada cardíaca,
o fogo, a corda,
a sirene, a hora,
a extinção, eu,
lendo, lendo,
mortos e morridos,
o ônibus perdido na avenida,
sem chuva, sem sinalização, eu,
o fogo, a sirene,
o incêndio no Joelma,
torrando corpos,
carbonizando almas,
libertando espíritos,
eu...

*
poesia (01.02.1974) e ilustração (2011) de Joba Tridente.
do livro Exidílio: os fragmentos de quatro estações e considerações finais

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Os Sapos e a Semana de 1922


colagem sobre cartaz: Joba Tridente

São Paulo. 1922. Fevereiro: 13 e 15 e 17. Theatro Municipal. Semana de Arte Moderna.
15 de Fevereiro. Quarta-Feira. Os Sapos, poema de Manuel Bandeira (1886-1968) é lido por Ronald Carvalho (1893-1935). Balbúrdia geral da pauliceia desvairada. Há 90 anos.

Os Sapos


Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinqüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas...

Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...

Os Sapos foi publicado em 1919, no livro Carnaval, custeado pelo autor.
colagem sobre cartaz: Joba Tridente

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Joba Tridente: Teatro



... às vezes
o melhor ator
é o que está na plateia
fazendo o papel de espectador
atento a um espetáculo medíocre

(*)
poema (05.05.1983) e foto (14.02.2012) de Joba Tridente.
do livro Exidílio: os fragmentos de quatro estações e considerações finais 

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Helena Kolody - 100 Anos - 2



Helena Kolody era uma professora de antigamente, daquelas que todo mundo quer ter e, como cantava Ataulfo Alves (1909 - 1969), em Meus Tempos de Criança: sentir saudade. Não fui seu aluno, só a conheci depois de adulto, quando vim morar no Paraná e fazia Direção de Arte do Jornal Nicolau, da SEEC-PR.

Helena Kolody sempre me lembrou a meiga Cora Coralina (1889 - 1985), a grande poeta de Goiás: O saber a gente aprende com os mestres e com os livros. A sabedoria, se aprende é com a vida e com os humildes.

Nas duas escritoras a mesma singeleza e a mesma poesia que vem de antes do ser poeta, da lida no dia a dia, desenhando o bê-á-bá e ou cozendo doces..., como se assim um autorretrato.

Helena Kolody viveu dos três aos sete anos em Três Barras: Lá, o mundo era meu, havia até um eco que me respondia duas vezes. Há sempre uma pitada de melancolia na poesia de Kolody, mas há também muita alegria, como neste retrato bucólico do seu tempo de criança:

2
Infância (1951)

Aquelas tardes de Três Barras,
Plenas de sol e de cigarras!

Quando eu ficava horas perdidas
Olhando a faina das formigas
Que iam e vinham pelos carreiros,
No áspero tronco dos pessegueiros.

A chuva-de-ouro
Era um tesouro,
Quando floria.
De áureas abelhas
Toda zumbia.
Alfombra flava
O chão cobria...

O cão travesso, de nome eslavo,
Era um amigo, quase um escravo.

Merenda agreste:
Leite crioulo,
Pão feito em casa,
Com mel dourado,
Cheirando a favo.

Ao lusco-fusco, quanta alegria!
A meninada toda corria
Para cantar, no imenso terreiro:
“Mais bom dia, Vossa Senhoria”...
“Bom barqueiro! Bom barqueiro...”
Soava a canção pelo povoado inteiro
E a própria lua cirandava e ria.

Se a tarde de domingo era tranquila,
Saía-se a flanar, em pleno sol,
No campo, recendente a camomila.
Alegria de correr até cair,
Rolar na relva como potro novo
E quase sufocar de tanto rir!

No riacho claro, às segundas-feiras,
Batiam roupas as lavadeiras.
Também a gente lavava trapos
Nas pedras lisas, nas corredeiras;
Catava limo, topava sapos
(Ai, ai, que susto! Virgem Maria)

Do tempo, só se sabia
Que no ano sempre existia
O bom tempo das laranjas
E o doce tempo dos figos...

Longínqua infância... Três Barras
Plena de sol e cigarras!


Cora Coralina também resgatou algumas “doces” lembranças da sua infância em Goiás:

Antiguidades

Quando eu era menina
bem pequena,
em nossa casa,
certos dias da semana
se fazia um bolo,
assado na panela
com um testo de borralho em cima.

Era um bolo econômico,
como tudo, antigamente.
Pesado, grosso, pastoso.
(Por sinal que muito ruim.)

Eu era menina em crescimento.
Gulosa,
abria os olhos para aquele bolo
que me parecia tão bom
e tão gostoso.

A gente mandona lá de casa
cortava aquele bolo
com importância.
Com atenção. Seriamente.
Eu presente.
Com vontade de comer o bolo todo.

Era só olhos e boca e desejo
daquele bolo inteiro.
Minha irmã mais velha
governava. Regrava.
Me dava uma fatia,
tão fina, tão delgada...
E fatias iguais às outras manas.
E que ninguém pedisse mais!
E o bolo inteiro,
quase intangível,
se guardava bem guardado,
com cuidado,
num armário, alto, fechado,
impossível.

Era aquilo, uma coisa de respeito.
Não pra ser comido
assim, sem mais nem menos.
Destinava-se às visitas da noite,
certas ou imprevistas.
Detestadas da meninada.

Criança, no meu tempo de criança,
não valia mesmo nada.
A gente grande da casa
usava e abusava
de pretensos direitos
de educação.

Por dá-cá-aquela-palha,
ralhos e beliscão.
Palmatória e chineladas
não faltavam.
Quando não,
sentada no canto de castigo
fazendo trancinhas,
amarrando abrolhos.
"Tomando propósito".
Expressão muito corrente e pedagógica.

Aquela gente antiga,
passadiça, era assim:
severa, ralhadeira.

Não poupava as crianças.
Mas, as visitas...
- Valha-me Deus !...
As visitas...
Como eram queridas,
recebidas, estimadas,
conceituadas, agradadas !

Era gente superenjoada.
Solene, empertigada.
De velhas conversar
que davam sono.
Antiguidades...

Até os nomes, que não se percam:
D. Aninha com Seu Quinquim.
D. Milécia, sempre às voltas
com receitas de bolo, assuntos
de licores e pudins.
D. Benedita com sua filha Lili.
D. Benedita - alta, magrinha.
Lili - baixota, gordinha.
Puxava de uma perna e fazia crochê.
E, diziam dela línguas viperinas:
"- Lili é a bengala de D. Benedita".
Mestre Quina, D. Luisalves,
Saninha de Bili, Sá Mônica.
Gente do Cônego Padre Pio.

D. Joaquina Amâncio...
Dessa então me lembro bem.
Era amiga do peito de minha bisavó.
Aparecia em nossa casa
quando o relógio dos frades
tinha já marcado 9 horas
e a corneta do quartel, tocado silêncio.
E só se ia quando o galo cantava.

O pessoal da casa,
como era de bom-tom,
se revezava fazendo sala.
Rendidos de sono, davam o fora.
No fim, só ficava mesmo, firme,
minha bisavó.

D. Joaquina era uma velha
grossa, rombuda, aparatosa.
Esquisita.
Demorona.
Cega de um olho.
Gostava de flores e de vestido novo.
Tinha seu dinheiro de contado.
Grossas contas de ouro
no pescoço.

Anéis pelos dedos.
Bichas nas orelhas.
Pitava na palha.
Cheirava rapé.
E era de Paracatu.
O sobrinho que a acompanhava,
enquanto a tia conversava
contando "causos" infindáveis,
dormia estirado
no banco da varanda.
Eu fazia força de ficar acordada
esperando a descida certa
do bolo
encerrado no armário alto.
E quando este aparecia,
vencida pelo sono já dormia.
E sonhava com o imenso armário
cheio de grandes bolos
ao meu alcance.

De manhã cedo
quando acordava,
estremunhada,
com a boca amarga,
- ai de mim -
via com tristeza,
sobre a mesa:
xícaras sujas de café,
pontas queimadas de cigarro.
O prato vazio, onde esteve o bolo,
e um cheiro enjoado de rapé.

ilustração de Joba Tridente.2012

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Joba Tridente: Cidade



prédios e prédios
a vista cansa
depois, as montanhas 

Curitiba.11.02.2012
poesia e ilustração de Joba Tridente

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