sábado, 28 de abril de 2018

Sabrina Lopes: poema (sem título)


Em 2016 foi lançando o livro Blasfêmeas - Mulheres de Palavra, reunindo 64 poetas atuantes na literatura contemporânea brasileira. Segundo a escritora Marília Kubota, que juntamente com Rita Lenira de Freitas Bittencourt organizou a edição: “Com esta antologia, queremos apresentar um panorama de vozes poéticas femininas, no qual percebemos a diversidade do que é “ser mulher”. Há vozes que se alinham ao discurso modernista, com predominância do dizer fragmentário e do tom coloquial, o tom da “poesia de mulher” de Adélia Prado; há o resgate de formas clássicas, ao modo de Cecília Meirelles, e também as que dialogam com a visualidade proposta pela poesia concreta. Grande parte destas autoras é de uma geração que iniciou sua vida literária através da internet, escrevendo em blogues ou sites; outras, começaram em áreas mais afins à literatura, como o jornalismo, a publicidade, as artes visuais, as atividades acadêmicas. Minimalistas ou verborrágicas, líricas ou satíricas, cotidianas ou metafísicas, elas compõem o panorama que define a poesia de mulher contemporânea: a palavra, hoje, é muito mais feminina.”

Das 64 autoras selecionei sete. Um poema de cada..., que você conhecerá em sete postagens. Comecei com Branca envelhece na neve, de Adriane Garcia, segui com Canção para arrumar a mesa, de Ana Mariano, e A Cadela de Platão, de Bárbara Lia, e [e eu saboreio uma irish car bomb], de Lisa Alves, e Era dia e o sol iluminava a casa, de Nydia Bonetti, e Notas sobre os felídios selvagens numa página de Rimbaud, de Regina Bostulim, e encerro com o poema (sem título) de Sabrina Lopes.


     
(sem título)
Sabrina Lopes

O cordeiro morre silencioso, não se ouve sequer um perdoai-vos. Escorre uma lágrima: nem ela sentimental. Corre por gravidade, na posição inédita de patas para cima. Como o sangue do seu pescoço aberto.

Há outros animais a elencar.

Porcos morrem gritando que nem gente. Não é qualquer um que pode matar porco, aos escolhidos pesa a sua própria coragem surda. A berradeira não é mística, começa com a virada do bicho de pernas para o alto – e não um dia antes, de pressentimento. Pés e mãos amarrados, o sequestro do porco termina com uma facada no coração.

O gado também grita, um grito grave, tuba terrível, não porque se vê amarrado, o que não estranha, mas porque logo vê jorrar o sangue da veia que lhe estouraram na testa. Sangrado o boi.

São Francisco abandonou suas roupas, mas não seu capital cultural.

O gado se revoltou uma vez. Foi na presença do cadáver de uma vaca.

Reconheceram, cheiraram. As centenas de cabeças cheirando e gritando seu grito grave, que fazia o coração dos homens vibrar, e talvez a água. O touro, ao redor de todos, correndo em círculos, dolorido. Um comício circular, um protesto acompanhado pelo coro mais instintivo, a liderança periférica possível aos animais não castrados. Da política, meu tio que era novo aprendeu uma lição: não confrontar o gado com seu destino. As reses que se acreditem imortais.

Enterrar os mortos.

*
ilustração: joba tridente.2018


Sabrina Lopes (Curitiba/PR, 1976) publicou poemas em Babel, Rascunho, Medusa e Alforja, no México, além da antologia Passagens (Imprensa Oficial do Paraná). Manteve, de 2002 a 2010, blogues de literatura, majoritariamente crônicas. Integrou o grupo de performance Galactodendron.

Blasfêmeas - Mulheres de Palavra foi editado pela Casa Verde.


sexta-feira, 27 de abril de 2018

Regina Bostulim: Notas sobre os felídios selvagens numa página de Rimbaud


Em 2016 foi lançando o livro Blasfêmeas - Mulheres de Palavra, reunindo 64 poetas atuantes na literatura contemporânea brasileira. Segundo a escritora Marília Kubota, que juntamente com Rita Lenira de Freitas Bittencourt organizou a edição: “Com esta antologia, queremos apresentar um panorama de vozes poéticas femininas, no qual percebemos a diversidade do que é “ser mulher”. Há vozes que se alinham ao discurso modernista, com predominância do dizer fragmentário e do tom coloquial, o tom da “poesia de mulher” de Adélia Prado; há o resgate de formas clássicas, ao modo de Cecília Meirelles, e também as que dialogam com a visualidade proposta pela poesia concreta. Grande parte destas autoras é de uma geração que iniciou sua vida literária através da internet, escrevendo em blogues ou sites; outras, começaram em áreas mais afins à literatura, como o jornalismo, a publicidade, as artes visuais, as atividades acadêmicas. Minimalistas ou verborrágicas, líricas ou satíricas, cotidianas ou metafísicas, elas compõem o panorama que define a poesia de mulher contemporânea: a palavra, hoje, é muito mais feminina.”

Das 64 autoras selecionei sete. Um poema de cada..., que você conhecerá em sete postagens. Comecei com Branca envelhece na neve, de Adriane Garcia, segui com Canção para arrumar a mesa, de Ana Mariano, e A Cadela de Platão, de Bárbara Lia e [e eu saboreio uma irish car bomb], de Lisa Alves, e Era dia e o sol iluminava a casa, de Nydia Bonetti, e continuo com Notas sobre os felídios selvagens numa página de Rimbaud, de Regina Bostulim.

      
     
Notas sobre os felídios selvagens numa página de Rimbaud
Regina Bostulim

Só existe uma palavra - pungente -
a descrever cheiro em peças de roupa
calor em moedas aquecidas
marcas de beijo em páginas.

Herança perdida num país distante
lágrima de sal e naufrágio,
de tudo sobra esse gosto
de coisa guardada e esquecida.

Traço de rosa húmus almíscar
a floresta escura e um raio de sol à tarde.

*
ilustração: joba tridente.2018


Regina Bostulim (Curitiba/PR, 1963) é escritora, pintora, fotógrafa, artesã, performer, artista há mais de 50 anos. Tem cidadania europeia (Lisboa, Portugal), desde 2016, por serviços prestados à cultura. Publicou cerca de quarenta livros, entre solos e antologias, em papel e e-book, no Brasil e Portugal. Estudou Letras, PhD, na Universidade de Coimbra. Realizou exposições fotográficas e artísticas, no Brasil, na Rússia e na Suécia. Prêmio Nacional de Poesia Helena Kolody. Colaborou, entre outros, com a revista MEMAI e jornal Cândido, da Biblioteca Pública do Paraná.

Blasfêmeas - Mulheres de Palavra foi editado pela Casa Verde.

quinta-feira, 26 de abril de 2018

Nydia Bonetti: Era dia e o sol iluminava a casa


Em 2016 foi lançando o livro Blasfêmeas - Mulheres de Palavra, reunindo 64 poetas atuantes na literatura contemporânea brasileira. Segundo a escritora Marília Kubota, que juntamente com Rita Lenira de Freitas Bittencourt organizou a edição: “Com esta antologia, queremos apresentar um panorama de vozes poéticas femininas, no qual percebemos a diversidade do que é “ser mulher”. Há vozes que se alinham ao discurso modernista, com predominância do dizer fragmentário e do tom coloquial, o tom da “poesia de mulher” de Adélia Prado; há o resgate de formas clássicas, ao modo de Cecília Meirelles, e também as que dialogam com a visualidade proposta pela poesia concreta. Grande parte destas autoras é de uma geração que iniciou sua vida literária através da internet, escrevendo em blogues ou sites; outras, começaram em áreas mais afins à literatura, como o jornalismo, a publicidade, as artes visuais, as atividades acadêmicas. Minimalistas ou verborrágicas, líricas ou satíricas, cotidianas ou metafísicas, elas compõem o panorama que define a poesia de mulher contemporânea: a palavra, hoje, é muito mais feminina.”

Das 64 autoras selecionei sete. Um poema de cada..., que você conhecerá em sete postagens. Comecei com Branca envelhece na neve, de Adriane Garcia, segui com Canção para arrumar a mesa, de Ana Mariano, e A Cadela de Platão, de Bárbara Lia e [e eu saboreio uma irish car bomb], de Lisa Alves, e continuo com Era dia e o sol iluminava a casa, de Nydia Bonetti.

      
     
Era dia e o sol iluminava a casa
Nydia Bonetti

1.
Ama-me, é tempo ainda¹ diz a mulher
de olhos de fogo e ternura
encarnada.
Olhos de bruma
e secura de pedra, digo:- me esqueça.
Tempo não (h)ouve.

2.
Uivam os cães de Hilda, enquanto
passam as caravanas
vazias
de palavras e gentes
[...ao vento

            Das almas
           dos bichos/dos homens
           o que se sabe?²

3.
Dizem que enternece seus cães
que se tornam quase
humanos.

Dizem
que é estranha
essa mulher [quase ...um bicho

4.
Essa noite sonhei com Hilda.
E ela me confessava que foi preciso enlouquecer
para ser ouvida.
Havia cães à sua volta. Todos sorriam - sorrisos
de cães.
Era dia e o sol iluminava a casa.


1. verso do poema de HH – “Ama-me. É tempo ainda.”
2. “O que sabeis / Da alma dos homens?” - do ‘poema aos homens     
do nosso tempo’

*
ilustração: joba tridente.2018


Nydia Bonetti (Piracaia/SP, 1958), engenheira civil e poeta. Livros publicados: Sumi-ê (Editora Patuá, 2013),  Minimus Cantus, Projeto Instante Estante/ Castelinho Edições e participou das antologias  Desvio para o vermelho - Treze poetas brasileiros contemporâneos (Coleção Poesia Viva/CCSP) e Qasaëd Ila Falastin (Poemas para Palestina (Selo ZUNAI, e antologias diversas. Tem poemas publicados na Revista Zunái, Mallarmargens, Germina.

Blasfêmeas - Mulheres de Palavra foi editado pela Casa Verde.

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Lisa Alves: [e eu saboreio uma irish car bomb]


Em 2016 foi lançando o livro Blasfêmeas - Mulheres de Palavra, reunindo 64 poetas atuantes na literatura contemporânea brasileira. Segundo a escritora Marília Kubota, que juntamente com Rita Lenira de Freitas Bittencourt organizou a edição: “Com esta antologia, queremos apresentar um panorama de vozes poéticas femininas, no qual percebemos a diversidade do que é “ser mulher”. Há vozes que se alinham ao discurso modernista, com predominância do dizer fragmentário e do tom coloquial, o tom da “poesia de mulher” de Adélia Prado; há o resgate de formas clássicas, ao modo de Cecília Meirelles, e também as que dialogam com a visualidade proposta pela poesia concreta. Grande parte destas autoras é de uma geração que iniciou sua vida literária através da internet, escrevendo em blogues ou sites; outras, começaram em áreas mais afins à literatura, como o jornalismo, a publicidade, as artes visuais, as atividades acadêmicas. Minimalistas ou verborrágicas, líricas ou satíricas, cotidianas ou metafísicas, elas compõem o panorama que define a poesia de mulher contemporânea: a palavra, hoje, é muito mais feminina.”

Das 64 autoras selecionei sete. Um poema de cada..., que você conhecerá em sete postagens. Comecei com Branca envelhece na neve, de Adriane Garcia, segui com Canção para arrumar a mesa, de Ana Mariano, e A Cadela de Platão, de Bárbara Lia, e continuo com [e eu saboreio uma irish car bomb], de Lisa Alves.


                
[e eu saboreio uma irish car bomb]
Lisa Alves

Eu bebia uma Irish Car Bomb
enquanto crianças eram pulverizadas por bombas israelenses.
O Mal distante é legítima ficção até o dia q
nos extraem de nós mesmos para sermos outros.

Meu vizinho é um corpo de carne e ossos
e se ele se incendeia eu penso em performance.

Adel Kedhri (Tunísia): performer
Jampa Yeshi (Índia): performer
Lâm Văn Tuc (Vietnã do Sul): performer
Prema Devi (Índia): performer

Contam que após o domínio do fogo
nossa espécie transubstanciou o cérebro
para algo hábil a criar bombas e rodas.

Adel Kedhri incendiou-se
Jampa Yeshi incendiou-se
Lâm Văn Tuc incendiou-se
Prema Devi incendiou-se

São Martinho articulava sobre o Homem ser fogo,
Buda propunha que o coração é a lareira
e Heráclito dizia: do fogo tudo flui.

Adel Kedhri é uma mensagem
Jampa Yeshi é uma mensagem
Lâm Văn Tuc é uma mensagem
Prema Devi é uma mensagem

Sonho com uma tempestade de fogo,
sonho com olhos volvendo em cinzas,
sonho com o cheiro amedrontador do Deus dos Mortos
colhendo infanticídios nos campos de girassóis da Ucrânia.

Adel Kedhri é um noticiário
Jampa Yeshi é um noticiário
Lâm Văn Tuc é um noticiário
Prema Devi é um noticiário

E eu saboreio uma Irish Car Bomb.


*
ilustração: joba tridente.2018


Lisa Alves (Araxá/MG, 1981) mora em Brasília. É curadora da revista Mallarmargens. Tem textos publicados em revistas e sites como Zunai, Flaubert, Germina, Cronópios e Diversos Afins. Tem poemas publicados em sete antologias lançadas no Brasil, Argentina e País Basco. Lançou em 2015 seu primeiro livro de poesia Arame Farpado (Coletivo Púcaro). Site: lisaallves.wix.com/lisaalves. Blog: lisaallves.blogspot.com.br.

Blasfêmeas - Mulheres de Palavra foi editado pela Casa Verde.

terça-feira, 24 de abril de 2018

Bárbara Lia: A cadela de Platão


Em 2016 foi lançando o livro Blasfêmeas - Mulheres de Palavra, reunindo 64 poetas atuantes na literatura contemporânea brasileira. Segundo a escritora Marília Kubota, que juntamente com Rita Lenira de Freitas Bittencourt organizou a edição: “Com esta antologia, queremos apresentar um panorama de vozes poéticas femininas, no qual percebemos a diversidade do que é “ser mulher”. Há vozes que se alinham ao discurso modernista, com predominância do dizer fragmentário e do tom coloquial, o tom da “poesia de mulher” de Adélia Prado; há o resgate de formas clássicas, ao modo de Cecília Meirelles, e também as que dialogam com a visualidade proposta pela poesia concreta. Grande parte destas autoras é de uma geração que iniciou sua vida literária através da internet, escrevendo em blogues ou sites; outras, começaram em áreas mais afins à literatura, como o jornalismo, a publicidade, as artes visuais, as atividades acadêmicas. Minimalistas ou verborrágicas, líricas ou satíricas, cotidianas ou metafísicas, elas compõem o panorama que define a poesia de mulher contemporânea: a palavra, hoje, é muito mais feminina.”

Das 64 autoras selecionei sete. Um poema de cada..., que você conhecerá em sete postagens. Comecei com Branca envelhecena neve, de Adriane Garcia, segui com Cançãopara arrumar a mesa, de Ana Mariano, e continuo com A Cadela de Platão, de Bárbara Lia.


                           
A cadela de Platão
Bárbara Lia

Eu sou a cadela de Platão
Só restos do banquete
Só o cheiro do amor
(o osso, o osso, o osso)
Voz de Diotima - eco singelo
(é belo, é belo, é belo)
Não é belo lamber o chão
Fazer o amor virar lama
(sem cama, sem cama, sem cama)
Alguém arranque este amor até o siso
Nada mais vai brotar nas entranhas
Nas veias, na cava oca do coração
Este que acabei de atirar
Ao mais amado cão

*
ilustração: joba tridente.2018



Bárbara Lia (Assaí/PR), publicou dez livros, entre eles: O sal das rosas (Lumme, 2007), A última chuva (ME, 2007), Solidão Calcinada (Imprensa Oficial do PR, 2008), Paraísos de Pedra (Penalux, 2013) e Respirar (Ed. da autora, 2014). Antologias: O que é Poesia? (Confraria do Vento?Calibán, 2009), O Melhor da Festa 3 (Festipoa/Casa Verde, 2011), Amar - Verbo Atemporal (Rocco,2013), A Arqueologia da Palavra e a Anatomia da Língua (Literatas - Maputo,2013) entre outras. Vive em Curitiba.

Blasfêmeas - Mulheres de Palavra foi editado pela Casa Verde.

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Ana Mariano: Canção para arrumar a mesa


Em 2016 foi lançando o livro Blasfêmeas - Mulheres de Palavra, reunindo 64 poetas atuantes na literatura contemporânea brasileira. Segundo a escritora Marília Kubota, que juntamente com Rita Lenira de Freitas Bittencourt organizou a edição: “Com esta antologia, queremos apresentar um panorama de vozes poéticas femininas, no qual percebemos a diversidade do que é “ser mulher”. Há vozes que se alinham ao discurso modernista, com predominância do dizer fragmentário e do tom coloquial, o tom da “poesia de mulher” de Adélia Prado; há o resgate de formas clássicas, ao modo de Cecília Meirelles, e também as que dialogam com a visualidade proposta pela poesia concreta. Grande parte destas autoras é de uma geração que iniciou sua vida literária através da internet, escrevendo em blogues ou sites; outras, começaram em áreas mais afins à literatura, como o jornalismo, a publicidade, as artes visuais, as atividades acadêmicas. Minimalistas ou verborrágicas, líricas ou satíricas, cotidianas ou metafísicas, elas compõem o panorama que define a poesia de mulher contemporânea: a palavra, hoje, é muito mais feminina.”

Das 64 autoras selecionei sete. Um poema de cada..., que você conhecerá em sete postagens. Comecei com Branca envelhecena neve, de Adriane Garcia, e sigo com Canção para arrumar a mesa, de Ana Mariano.


                          
Canção para arrumar a mesa
Ana Mariano

De minha mãe, eu sei, herdei a calma,
os pés no chão, a luz dos candelabros.

Mas quem legou as mãos ardendo em brasa?
Quem semeou em mim esta semente,
a cada outono florescendo em dálias?

Era tão certa a casa em que vivíamos,
seu lúcido equador, as costas largas,
bonança horizontal, pompa e decoro.

Sobre a toalha, o rol de cicatrizes:
à esquerda os garfos, à direita as facas
no centro, o prato, dentro, o guardanapo.

Onde coloco, mãe, o desconforto,
essa vontade de afiar as garras?

*
ilustração: joba tridente.2018


Ana Mariano (Porto Alegre/RS) tem poemas, contos e ensaios publicados em revistas literárias e coletâneas como Antologia dos contistas bissextos (L&PM) e 100 Autores que você precisa ler (L&PM). Publicou o livro de poemas Olhos de cadela (L&PM, 2006), finalista do Prêmio Açorianos. Seu romance Atado de ervas (L&PM, 2011) foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura – categoria melhor livro do ano de autor estreante.

Blasfêmeas - Mulheres de Palavra foi editado pela Casa Verde.

domingo, 22 de abril de 2018

Adriane Garcia: Branca envelhece na neve


Em 2016 foi lançando o livro Blasfêmeas - Mulheres de Palavra, reunindo 64 poetas atuantes na literatura contemporânea brasileira. Segundo a escritora Marília Kubota, que juntamente com Rita Lenira de Freitas Bittencourt organizou a edição: “Com esta antologia, queremos apresentar um panorama de vozes poéticas femininas, no qual percebemos a diversidade do que é “ser mulher”. Há vozes que se alinham ao discurso modernista, com predominância do dizer fragmentário e do tom coloquial, o tom da “poesia de mulher” de Adélia Prado; há o resgate de formas clássicas, ao modo de Cecília Meirelles, e também as que dialogam com a visualidade proposta pela poesia concreta. Grande parte destas autoras é de uma geração que iniciou sua vida literária através da internet, escrevendo em blogues ou sites; outras, começaram em áreas mais afins à literatura, como o jornalismo, a publicidade, as artes visuais, as atividades acadêmicas. Minimalistas ou verborrágicas, líricas ou satíricas, cotidianas ou metafísicas, elas compõem o panorama que define a poesia de mulher contemporânea: a palavra, hoje, é muito mais feminina.”

Das 64 autoras selecionei sete. Um poema de cada..., que você conhecerá em sete postagens. Começo com Branca envelhece na neve, de Adriane Garcia.


                           
Branca envelhece na neve
Adriane Garcia
        
Morta, aguardando sopro
Beijo alheio de vida
No féretro

Somente os chilreios dos pássaros
No péssimo humor, desapercebidos

Há tanto tempo passam homens
E bolinam, mesmo copulam

Muitos
Com a morta

O corpo duro não repõe
Fluidos
Não há o rosto angélico do que foi
Outrora:

Cada vez mais é mulher
No espelho.

*

ilustração: joba tridente.2018



Adriane Garcia, poeta, nascida em Belo Horizonte. Tem publicados os livros Fábulas para adulto perder o sono, ed. Biblioteca do Paraná (Prêmio Paraná de Literatura 2013); O nome do mundo, ed. Armazém da Cultura 2014; Só, com peixes, ed. Confraria do Vento, 2015. Publica em diversas revistas online e antologias no Brasil e em Portugal.

Blasfêmeas - Mulheres de Palavra foi editado pela Casa Verde.

domingo, 15 de abril de 2018

Lawrence Durrell: Seferis


Assim como abri esta homenagem ao notável GeorgeSeferis (ou: Yorgo Seferis, Giórgos Seféris, Giorgios Stylianou Seferiadis, Giorgios Seferis...), ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1963, a partir do poema Seféris, a ele dedicado pelo escritor Marcílio Farias, a estou encerrando com mais duas dedicações poéticas. Ontem você leu o intenso Versos a un Poeta Griego, do ensaísta, escritor e tradutor mexicano Jaime García Terrés..., hoje conhece o emocionante Seferis (1972) do romancista britânico Lawrence Durrell, que também foi amigo do autor grego. Tomei ciência deste poema de Durrell a Seferis ao acessar o artigo Dwellers in the Greek Eye (George Seferis and Lawrence Durrell), do escritor, dramaturgo e tradutor George Thaniel (1938-1991) para Scripta Mediterranea Volumes VIII-IX, 1987-88, que você pode abaixar aqui.

Estava pronto para publicar Seferis, de Lawrence Durrell, apenas em inglês quando, por mero acaso, ao buscar dados biográficos de Durrel, me deparei com a tradução para o português do escritor e tradutor brasileiro Jorge Wanderley, no site Antonio Miranda.


                     

SEFERIS
Lawrence Durrell

Time quietly compiling us like sheaves
Turns round on day, beckons the special few,
With one bird singing somewhere in the leaves.
Someone like K. or somebody like you.
Free-falling target for the envious thrust.
So tilting into darkness go we must.

Thus the fading writer signing off
Sees in the vast perspectives of dispersal
His words float off like tiny seeds.
Wind-borne or bird-distributed notes.
To the very end of loves without rehearsal.
The stinging image riper than his deeds.

Yours must have set out like ancient
Colonists, from Delos or from Rhodes.
To dare the sun-gods, found great entrepôts.
Naples or Rio. far from man's known abodes,
To confer the quaint Grecian script on other men:
A new Greek fire ignited by your pen.

How marvellous to have done it and then left
It in the lost property office of the loving mind.
The secret whisper those who listen find.
You show us all the way the great ones went.
In silences becalmed, so well they knew
That even to die is somehow to invent.



SEFERIS
Lawrence Durrell
tradução: Jorge Wanderley

O tempo nos coleta como a feixes.
Ronda um dia, acena aos raros que vê
(Com um pássaro que em folhas se deixe).
Alguém como K. ou como você.
Alvo em queda livre para a estocada.
- Que à sombra segue nossa caminhada.

Assim o escritor que sai do ar
Vê nos horizontes da dispersão
Suas palavras, um pólen perfeito.
Notas que o vento e o pássaro carregam.
Chegando a amores sem preparação.
Imagem mais madura que seus feitos.

As tuas certamente já partiram
De Delos ou de Rhodes dominantes.
Contra os deuses do sol fundando bases,
Em Nápoles, no Rio, ou nunca dantes
Sonhadas terras, difundindo Grécia:
O novo fogo grego que ofereces.

Maravilhoso é ter leito e deixado
A "achados e perdidos" dos amantes
Este sussurro ouvido por instantes.
O caminho dos grandes vens mostrar.
Que vão silentes, calmos, pois souberam:
Mesmo o morrer confina com criar.

*
ilustração de Joba Tridente

       
Lawrence George Durrell (Jalandhar, Índia: 27.02.1912 - Sommières, França: 07.11.1990) foi romancista, poeta e dramaturgo..., cuja obra mais conhecida é Quarteto de Alexandria, é autor de romances: Pied Piper of Lovers (1935), Panic Spring (pseudonimo: Charles Norden, 1937), The Black Book (1938), The Dark Labyrinth (1947), White Eagles Over Serbia (1957), Quarteto de Alexandria: Justine (1957) e Balthazar (1958) e Mountolive (1958) e Clea (1960); The Revolt of Aphrodite: Tunc (1968) e Nunquam (1970), The Avignon Quintet (1992): Monsieur: or, The Prince of Darkness (1974) e Livia: or, Buried Alive (1978) e Constance: or, Solitary Practices (1982) e Sebastian: or, Ruling Passions (1983) e Quinx: or, The Ripper's Tale (1985); de poesia: Quaint Fragments: Poems Written between the Ages of Sixteen and Nineteen (1931), Ten Poems (1932), Transition: Poems (1934), A Private Country (1943), Cities, Plains and People (1946), On Seeming to Presume (1948), The Poetry of Lawrence Durrell (1962), Selected Poems: 1953-1963 (1964), The Ikons (1966), The Suchness of the Old Boy (1972), Collected Poems: 1931-1974 (1980), Selected Poems of Lawrence Durrell (2006); de drama: Bromo Bombastes, under the pseudonym Gaffer Peeslake (1933), Sappho: A Play in Verse (1950), An Irish Faustus: A Morality in Nine Scenes (1963), Acte (1964); de humor: Esprit de Corps (1957), Stiff Upper Lip (1958), Sauve Qui Peut (1966), Antrobus Complete (1985), além de livros de viagem, ensaios e artigos. Seu círculo de convivência e influência literária reuniam Henry Miller, Theodore Stephanides, Anaïs Nin, Alfred Perles, T. S. Eliot e George Seferis. Para saber mais sobre o polêmico e célebre autor: The Paris Review: Lawrence Durrell, The Art of Fiction No. 23; The American Reader: The Prince Returns: In Defense of Lawrence Durrell; Revista Tiempo en La Casa: Lawrence Durrell: El heraldo negro del futuro de Chipre; Antonio Miranda: Poesia Mundial em Português: Lawrence Durrell; Enciclopedia Britânica: Lawrence Durrel; Wikipedia: Lawrence Durrell; Ecured: Lawrence Durrell.

Jorge Eduardo Figueiredo de Oliveira Wanderley (Recife - PE: 21.01.1938 - 12.12.1999) foi médico, professor de Teoria da Literatura e Literatura Brasileira na UERJ, poeta e tradutor. O autor de Gesta e Outros Poemas (1960), Adiamentos (1974), Microantologia (1974), Coração à Parte (1979), A Foto Fatal (1986), Anjo Novo (1987), Homenagem: Dez Sonetos (1992), Manias de Agora (1995), O Agente Infiltrado e Outros Poemas (1999), traduziu: Vita Nuova/Vida Nova (1987), Lírica (1996) e Inferno (2004), de Dante Alighieri, Os 25 melhores poemas de Charles Bukowski (2003), Sonetos (1991) e Rei Lear (1992), de Shakespeare, Borges poeta (1992), Poemas, de Lawrence Durrel (1995), Cemitério marinho, de Paul Valéry (1974), organizou antologias: Antologia da nova poesia norte-americana (1992), e 22 ingleses modernos: uma antologia poética (1993) e Do jeito delas, vozes femininas de língua inglesa (2008), reunindo as autoras Sylvia Plath, Emily Dickinson, Marianne Moore, Anne Sexton, Hilda Doolittle, Louise Bogan, Elizabeth Bishop, Denise Levertov, Edna St. Vincent Millay, Edith Sitwell, Patricia Hooper e Elinor Wylie. Em 2005 recebeu o Prêmio Jabuti de Tradução (Homenagem Póstuma) por Divina Comédia - Inferno de Dante Aleguieri. Para saber mais sobre o autor e tradutor: Panorama da Palavra: Jorge Wanderley: um agente infiltrado, Alguma Poesia: Palavras soltas; talvez dor, Antonio Miranda: Jorge Wanderley.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...