sábado, 30 de abril de 2016

Thomas Merton: Desalentados e Criminosos

Quando publiquei o fascinante poema Paisagem com Criança (Landscape), de Thomas Merton (1915-1968), em belíssima tradução (livre) do escritor Marcílio Farias, esperava publicar, em breve, uma boa seleção de poemas do monge trapista. Continuei recebendo as excelentes traduções (livres) de Farias, mas ando meio sem tempo para ilustrar a todas. Por isso, fique com esta primeira leva de cinco maravilhas para cinco dias de reflexões sobre o ser humano.

Comecei com Primeira Lição Sobre o Homem (First lesson about Man) e segui com o tenso Três Epigramas (Three epigrams) e continuo com  o melancólico Desalentados e Criminosos (Sensation Time at the home).


                 

DESALENTADOS E CRIMINOSOS
um poema de Thomas Merton
em tradução de Marcílio Farias*

O Sol se põe acabrunhado
E os criminosos inventam jogos de
Guerra contra locatários inocentes
Tão encardidos a ponto de
Não reconhecerem a própria face num espelho.

Os locatários se queixam dos mísseis prontos para
Alcançar os céus de meio mundo
Ou reclamam da fúria de tempestades
Enquanto perdem a cabeça
No metrô de suas mínimas confusões letais.

Mas apesar de tudo sorriem amigáveis para todos os homens
Independente de raça, cor, ou etc etc
São amigáveis apesar de todos os et ceteras (a pesar).

Por outro lado, criminosos pouco amigáveis
Trabalham em salas de aula
Aprendem a estiolar razão e entendimento,
E vomitam poemas feitos de ciclones

Na mesma nota primam por uma incoerente elegância
Ou um desdém soberano sem
Desculpas
Zombando das lições mais fáceis de entender
Até que a noite se enche de
Carros de corrida estraçalhando janelas
E fazendo alarmes soarem alto.

Assim, a noite alucinada revive
Com o som de garrafas quebradas
E slogans para todos que
Estão se divertindo e soltando a franga
Até que os inocentes sejam encontrados
Na calçada sem roupa
Esparramados na primeira pagina
Dos jornais de Domingo.

*
foto de Joba Tridente.2016


*Nota do Tradutor: Apud Sensation Time at the home (1968), livro que Merton não chegou a revisar – morreu antes da publicação póstuma pela New Directions, em 1977.

Thomas Merton  (1915-1968), escritor e monge trapista da Abadia de Getsêmani, Kentuchy, foi ativista social, pacifista e estudioso de religiões comparadas. Escreveu mais de setenta livros de prosa e verso, a maioria sobre espiritualidade. Em 1944 publicou Thirty Poems. O segundo livro, A Man in the Divided Sea, foi lançado em 1946. Entre suas obras de grande repercussão se destacam The Seven Storey Mountain (1948); No Man Is An Island (1955); The Way of Chuang Tzu (1965). Fontes: Wikipédia e Thomas Merton Center.

Marcílio Farias é formado e pós-graduado pela UnB (Universidade de Brasília) em Jornalismo, Cinema e Filosofia. Em 1989 emigrou para os Estados Unidos. Vive e trabalha entre Natal (Brasil) e Phoenix-Miami-Boston (EUA). Obras publicadas/poesia: Visual Field (1996), Watermark Press, MD, EUA; O Livro Cor de Triângulo Cor-de-Rosa (2007), e Rito para Ressuscitar um Elefante (2010), ambos pela Scortecci Editora, São Paulo, Brasil. Link: Currículo completo. Poemas publicados no Falas ao Acaso: Moebius; Mandala; Passado incômodo; (John); Diálogo visto de longe na Praça de Sé.

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Thomas Merton: Três Epigramas

Quando publiquei o fascinante poema Paisagem com Criança (Landscape), de Thomas Merton (1915-1968), em belíssima tradução (livre) do escritor Marcílio Farias, esperava publicar, em breve, uma boa seleção de poemas do monge trapista. Continuei recebendo as excelentes traduções (livres) de Farias, mas ando meio sem tempo para ilustrar a todas. Por isso, fique com esta primeira leva de cinco maravilhas para cinco dias de reflexões sobre o ser humano.

Comecei com Primeira Lição Sobre o Homem (First lesson about Man) e sigo com o tenso Três Epigramas, (Three epigrams).  

                            

TRÊS EPIGRAMAS
um poema de Thomas Merton
em tradução de Marcílio Farias*

I
As sirenes soam subitamente alarmando a noite
Longa, longa, longamente numa
Série de gemidos miseráveis trazendo
Fogo numa ambulância branca dedicada à Morte
Indo e vindo pra cima e pra baixo nessa avenida
Cheia de edifícios onde o eco sobe, desce, sobe, desce
Cresce, cresce, sobe, cai ao mesmo tempo
Perto e longe em nascimento e putrefação.
E nem longe nem perto as sirenes do carro do Tirano
Passam na frente dos meus olhos.

II
Tiros rebentaram o silêncio ontem à noite
Passaram por cima do cemitério e ninguém
Sabe quem morreu ou foi assassinado.
Ninguém sabe de nada dos
Tiros de ontem à noite.
E isso é tudo.

III
Acordamos com revólveres duelando
Enquanto a aurora aparece
atrelada aos bombardeios
- parece uma revolução mas é
Apenas o aniversário do Tirano.

*
foto de Joba Tridente.2013


*Nota do Tradutor: Tradução de Three epigrams, Apud South, New Directions, 1963. O poema foi escrito pelo meu Cisterciense favorito em uma de suas viagens pela América Central. Foto anônima mostrando o Poeta e seu meio de transporte favorito.

Thomas Merton  (1915-1968), escritor e monge trapista da Abadia de Getsêmani, Kentuchy, foi ativista social, pacifista e estudioso de religiões comparadas. Escreveu mais de setenta livros de prosa e verso, a maioria sobre espiritualidade. Em 1944 publicou Thirty Poems. O segundo livro, A Man in the Divided Sea, foi lançado em 1946. Entre suas obras de grande repercussão se destacam The Seven Storey Mountain (1948); No Man Is An Island (1955); The Way of Chuang Tzu (1965). Fontes: Wikipédia e Thomas Merton Center.

Marcílio Farias é formado e pós-graduado pela UnB (Universidade de Brasília) em Jornalismo, Cinema e Filosofia. Em 1989 emigrou para os Estados Unidos. Vive e trabalha entre Natal (Brasil) e Phoenix-Miami-Boston (EUA). Obras publicadas/poesia: Visual Field (1996), Watermark Press, MD, EUA; O Livro Cor de Triângulo Cor-de-Rosa (2007), e Rito para Ressuscitar um Elefante (2010), ambos pela Scortecci Editora, São Paulo, Brasil. Link: Currículo completo. Poemas publicados no Falas ao Acaso: Moebius; Mandala; Passado incômodo; (John); Diálogo visto de longe na Praça de Sé.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Thomas Merton: Primeira lição sobre o homem

Quando publiquei o fascinante poema Paisagem com Criança (Landscape), de Thomas Merton (1915-1968), em belíssima tradução (livre) do escritor Marcílio Farias, esperava publicar, em breve, uma boa seleção de poemas do monge trapista. Continuei recebendo as excelentes traduções (livres) de Farias, mas ando meio sem tempo para ilustrar a todas. Por isso, fique com esta primeira leva de cinco maravilhas para cinco dias de reflexões sobre ser humano. Começo com Primeira Lição Sobre o Homem, um das mais antigas traduções de Marcílio Farias para First lesson about Man.

                            

PRIMEIRA LIÇÃO SOBRE O HOMEM
um poema de  Thomas Merton
in memoriam Martin Luther King Jr.
(assassinado em 04.04.1968)
em tradução (livre) de Marcílio Farias*

O Homem começa na Zoologia
Porque, dos animais, é o mais Triste.
Ele dirige um carro grande luxuoso e vermelho
Chamado ansiedade
Sonhando à noite que sobe e desce
Em múltiplos elevadores que
Se abrem para corredores imensos nos
Quais jamais acha a porta certa.
O homem é o animal mais triste, um
Comedor matinal de cereais e leite que
Banha sua pele em café e
Perde a paciência com
A origem das espécies.
O Homem desenha sua pele nos muros do mundo
E nas paredes do metrô
E desenha bigodes em todas as
Mulheres porque não sabe sorrir e ter prazer
A não ser na Zoologia.
Onde quer que ache uma cabine telefônica
Para ligar o numero do prazer
Ele sempre disca o numero errado.
Então ele constrói armas e se
Apaixona por revólveres
E por nomes pomposos e
Por carros lustrosos e negros
Com a marca da morte.
E agora lança Ansiedade a Marte e as
Estrelas como se afugentasse seus medos
Para a órbita de Vênus
- mas nem isso o acalma porque no
Espaço onde tenta fugir
Só existe o vazio e uma série de
Globos luminosos chamados Morte.
E assim, crianças,
Termina a primeira lição sobre o Homem. E agora
Crianças, podem começar a prova respondendo a
Pergunta que se segue:
“Por que será que o homem, esse animal
Mais triste, que começa com a Zoologia,
Perde-se todos os dias
Em seus próprios desastres?”

*
foto de Joba Tridente.2014


* Nota do Tradutor: Tradução livre de First lesson about Man, incluído no ultimo livro de Merton (Cables to the Ace) publicado postumamente em 69, alguns meses depois de seu assassinato na Tailândia - onde se encontrava para um encontro com seu amigo Tenzin Gyatso, 14º. Dalai Lama.

Thomas Merton  (1915-1968), escritor e monge trapista da Abadia de Getsêmani, Kentuchy, foi ativista social, pacifista e estudioso de religiões comparadas. Escreveu mais de setenta livros de prosa e verso, a maioria sobre espiritualidade. Em 1944 publicou Thirty Poems. O segundo livro, A Man in the Divided Sea, foi lançado em 1946. Entre suas obras de grande repercussão se destacam The Seven Storey Mountain (1948); No Man Is An Island (1955); The Way of Chuang Tzu (1965). Fontes: Wikipédia e Thomas Merton Center.

Marcílio Farias é formado e pós-graduado pela UnB (Universidade de Brasília) em Jornalismo, Cinema e Filosofia. Em 1989 emigrou para os Estados Unidos. Vive e trabalha entre Natal (Brasil) e Phoenix-Miami-Boston (EUA). Obras publicadas/poesia: Visual Field (1996), Watermark Press, MD, EUA; O Livro Cor de Triângulo Cor-de-Rosa (2007), e Rito para Ressuscitar um Elefante (2010), ambos pela Scortecci Editora, São Paulo, Brasil. Link: Currículo completo. Poemas publicados no Falas ao Acaso: Moebius; Mandala; Passado incômodo; (John); Diálogo visto de longe na Praça de Sé.

domingo, 17 de abril de 2016

Joba Tridente: boca do mundo

em tempos de ebulição um poema em convulsão
se a palavra não anestesia o nervo
o bisturi não anistia o verbo...


boca do mundo
Joba Tridente

na boca do mundo
noite e dia
entre dentes
dor ar dor

na língua mordida
a penitência
no lábio ferido
a persistência

....................................
desamada insistência
desalmada resistência  
desarmada paciência
....................................
amargo céu
da boca o desalento
na vala não vale
o siso
o ouro canino
dez troçando mil

*
Joba Tridente: Poema e Ilustração-2015



Joba Tridente em Verso: 25 Poemas Experimentais (1999); Quase Hai-Kai (1997, 1998 e 2004); em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida (2015); 101 Poetas Paranaenses (2014); Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu vejo da minha janela (2014); Ebulição da Escrivatura – 13 Poetas Impossíveis (1978); em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás (2000); Cidades Minguantes (2001); O Vazio no Olho do Dragão (2001). Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Joba Tridente: ATLAS

... ATLAS é um conto poético de uma época em que o estudo de mitos, símbolos, signos, me levaram além das metáforas... Hoje, em templo de ânimos exacerbados, digo, em tempo de ânimos alterados, ele me parece mais que pertinente.



... A T L A S ...
Joba Tridente

os três estavam lá no mesmo lugar colocados em uma posição de direita - meio - esquerda de tal forma que o da direita poderia ser o do meio e o da esquerda e o do meio poderia ser o da esquerda e o da direita e o da esquerda poderia ser o da direita e o do meio

... e um disse:
    - OLHE,
    É ATLAS PARADO NO ETHER
    PRESTES A FAZER
    O ARREMESSO DE UM GRANDE GLOBO!


... e um disse:
    - OLHE,
    É ATLAS VOANDO NO ETHER
    FUGINDO DE UM GRANDE GLOBO
    PRESTES A ALCANÇÁ-LO!


... e um disse
    - OLHE,
    É ATLAS CAINDO NO ETHER
    VERGADO COM O PESO DE UM GRANDE GLOBO
    EM SUAS COSTAS!

*
Ilustração: Arte de Joba Tridente sobre Desenho da Nordisk familjebok da estátua romana de Atlante (sec II d.C.). Collezione Farnese - Museo Archeologico Nazionale di Napoli


Joba Tridente em Verso: 25 Poemas Experimentais (1999); Quase Hai-Kai (1997, 1998 e 2004); em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida (2015); 101 Poetas Paranaenses (2014); Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu vejo da minha janela (2014); Ebulição da Escrivatura – 13 Poetas Impossíveis (1978); em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás (2000); Cidades Minguantes (2001); O Vazio no Olho do Dragão (2001). Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Joba Tridente: mendigatriz

mendigatriz é o terceiro de uma série de três poemas de rua. O primeiro é mendiga. O segundo é atriz. Hora dessas publico os dois primeiros.


mendigatriz
joba tridente

negros sacos
de molambos pelo chão
em sua elegância de andrajos
a mulher
descabelada e suja e fétida
senta e levanta trôpega
vociferando impropérios
apontando dedos para ninguém
filosofando e ameaçando
seus fantasmas
em boa língua universitária
protesta sábia
contra governo contra religião contra família contra
ovação e vaias não a alcançam
perdida em ontens e amanhãs
não vê e nem ouve
a plateia sentada
em roda viva ao redor

: meia hora de gritos
: meia hora de gestos
: meia hora rasgando sentimentos
: meia hora esbugalhando os olhos
: meia hora arranhando o peito magro
: meia hora sangrando espíritos e matérias
: meia hora expondo o coração amargurado
: meia hora e o surto colhido na calçada de petit-pavé

aplausos! aplausos! aplausos!
e mais
aplausos! aplausos! aplausos!
o cachê livre
em notas e moedas variadas
acumulando na dobra da saia
o público segue discutindo
o melhor (do) espetáculo
desfazendo a roda
desocupando a calçada
abrindo caminho para o sos
carregar a indigente
para o necrotério
ou qualquer vala
comum aos mendigos

no outro ponto da praça
uma atriz aguarda
em vão o público
prometido pelo festival

la commedia è finita


*
jt.curitiba.3.4.2016
jt.foto.30.03.2012


Joba Tridente em Verso: 25 Poemas Experimentais (1999); Quase Hai-Kai (1997, 1998 e 2004); em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida (2015); 101 Poetas Paranaenses (2014); Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu vejo da minha janela (2014); Ebulição da Escrivatura – 13 Poetas Impossíveis (1978); em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás (2000); Cidades Minguantes (2001); O Vazio no Olho do Dragão (2001). Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...