terça-feira, 30 de abril de 2013

Parlendas: Sylvio Roméro



Parlenda é uma divertida composição literária, geralmente, com temática infantil. O ritmo musical agradável, os lúdicos versos e as rimas fáceis pegam as crianças de qualquer idade. Quer jogar?

Estas quatro parlendas foram recolhidas por Sylvio Roméro (Silvio Romero) e se encontram no livro Cantos Populares do Brazil - volume II, publicado em 1883, pela Editora Nova Livraria Internacional, de Lisboa. A primeira delas lembra cantigas infantis africanas. Talvez tenha vindo da África!


Jogos de Sergipe
1
A bença, madrinha,
Dai-me pão com farinha,
Para dar à minha galinha
Que está presa na casinha.
Chô! galinha,
Vai p'ra tua camasinha.


2
- Gente! cadê Varisto ?
- Foi p'ra roça.
- Gente, fazer na roça ?
- Plantar mandioca.
- Gente, p'ra que mandioca?
- P'ra farinha.
- Gente, p'ra que farinha ?
- P'ra dinheiro.
- Gente, p'ra que dinheiro ?
- P'ra feitiço.
Gente, no mundo há d'isto.


3
Dinglin, dingues,   Maria Pires?
Dinglin, dingues,   Estou fazendo papa.
Dinglin, dingues,   Para quem?
Dinglin, dingues,   Para João Manco.
..........................   Quem foi que o mancou ?
Foi a pedra.
Cadê a pedra?
Está no mato.
Cadê o mato?
O fogo o queimou.
Cadê o fogo?
A água apagou.
Cadê a água ?
O boi bebeu...
Cadê o boi?
Foi buscar milho.
Para quem ?
Para a galinha.
Cadê a galinha ?
Está pondo.
Cadê o ovo?
O padre o bebeu.
Cadê o padre?
Foi dizer missa.
Cadê a missa?
Já se acabou.


Jogo da Argolinha (Paraty)

Uma, duas, argolinhas,
Finca o pé na pampolina;
0 rapaz que jogo faz ?
Faz o jogo do capão.
Conta bem, Manoel João,
Conta bem, que vinte são.
Recolhe este pezinho,
Da conchinha na mão.
Pé de pilão
Pé de pilão,
É de rin-fon-fon,
É de rin-fon-fon.


*
Ilustração de Joba Tridente


Sylvio Vasconcelos da Silveira Ramos Roméro (Lagarto, 21.04.1851 -18.06.1914): escritor, ensaísta, crítico literário, professor, filósofo. Roméro foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras em 1897 e escreveu para diversos jornais.  Sylvio Roméro é, entre outras obras, autor de: A poesia contemporânea e a sua intuição naturalista (1869); Contos do fim do século (1878); A filosofia no Brasil (1878); A literatura brasileira e a crítica moderna (1880);  Cantos Populares do Brasil - vol. 1 e 2 (1883); Contos Populares do Brasil (1885); História da literatura brasileira, 2v. (1888); A poesia popular no Brasil (1880);  Compêndio da História da Literatura Brasileira (1906).

terça-feira, 16 de abril de 2013

Joba Tridente: O Ego e a Lógica



O Ego e a Lógica
acreditar impreciso

começa assim:
uma hora sem luz...
uma hora sem água...
uma hora sem comida...
uma hora sem vida...
..........
quem sóbrio viver
lá verá, se há
um amanhã!

*
poema: Joba Tridente - 2012
ilustração: Arte-Postal de Janete Ferreira - Sarandi-PR
de uma Oficina que Orientei em Praça Pública em 2001

sábado, 13 de abril de 2013

Sylvio Roque de Guimarães Horta: Provérbios na Tradição Chinesa



Em 2006 encontrei uma versão com 10 Provérbios na Tradição Chinesa, de Sylvio Roque de Guimarães Horta. Não lembro o site. Recentemente, revendo alguns textos para postagens, a reencontrei. Não conheço o autor e tampouco consegui contato com ele, que é doutor e mestre em educação. Em tempos de azia asiática, achei pertinente a sua publicação. Selecionei apenas três provérbios, caso queira conhecer os outros sete, basta ir ao excelente site Hottopos (link no título). A introdução também é de Sylvio Horta.


Provérbios na Tradição Chinesa

Estamos tão impregnados pela própria língua, que nem reparamos em quão sugestiva e maravilhosa¹ é uma língua; o quanto ela nos traz em matéria de experiências históricas e humanas. A própria "entonação" característica de cada uma delas é um certo modo de estar no mundo, uma têmpera², uma postura original diante da realidade. Não é indiferente que se fale o português ou o inglês. E, dentro do português, não é o mesmo falar o português de Portugal ou o do Brasil, nem tampouco se equivalem o de Recife e o de São Paulo. Parece que cada sotaque e, mais ainda, cada idioma, tem a capacidade de iluminar diferentes regiões da realidade, incluindo as diferentes regiões sentimentais e as diversas experiências de vida³.

No caso do chinês, há uma afinidade língua/provérbios, que possibilita uma concisão difícil de se transpor, com naturalidade, para qualquer língua ocidental. Esses provérbios são compostos, geralmente, por apenas quatro ideogramas. Trata-se de um máximo de informação em um mínimo de espaço. Alguns se compreendem de imediato, seu sentido é literal; outros mostram o seu sentido se buscarmos a sua origem.

provérbios que têm sua origem na linguagem popular; outros - talvez a maior parte - na literatura, o que inclui anotações antigas da história, das crônicas etc.

 A pequena amostra, que ora apresentamos, tem origem literária e ilustramos seu sentido com as pequenas histórias de que procedem.

 A vida humana deposita-se em forma de experiência, experiência da vida. Nos últimos séculos, o Ocidente tem valorizado principalmente a experiência das coisas, deixando de lado a experiência da vida. Hoje, num momento em que a vida volta a ser objeto principal de indagação, os provérbios - que, sem a menor dúvida, guardam parte desse tesouro, revelando estruturas universais da vida -, tornam-se também objeto de nosso interesse. Iniciaremos este nosso diálogo com o Oriente, apresentando alguns provérbios associados a pequenas narrativas:




HUA ER BU SHI
Flor Mas Não Fruto

Refere-se a alguém que tenha apenas um verniz de inteligência ou a algo que reluz mas não tem valor. A história conta que um oficial parou em uma taberna ao retornar de sua missão para o Estado. O dono do estabelecimento, que vinha, há tempos, procurando por alguém de confiança, disse para sua mulher que acreditava ter encontrado o homem certo e que iria segui-lo em sua viagem. Com a devida permissão do oficial, o dono do estabelecimento o seguiu e foram os dois conversando pelo caminho sobre vários assuntos. Não muito depois, o taberneiro mudou de ideia e resolveu voltar para casa. Ao chegar, sua mulher lhe perguntou por que voltara tão rapidamente. Ele respondeu: "Ao ver sua aparência, pensei que se tratava de um bom homem, mas depois de ouvi-lo falar, fiquei irritado com suas opiniões. Receei ter maiores prejuízos do que benefícios, se ficasse com ele".

Relatos dos Estados, livro de história que narra os eventos da Dinastia Zhou do Oeste até o período da Primavera e Outono, e que se atribui a Zuo Quiming.




KAI JUAN YOU YI
Abrir Livro Ter Benefício

Durante a dinastia Song, o imperador Taizong escolheu um grupo de intelectuais para organizar uma grande enciclopédia. Tratava-se de uma coleção de mil volumes, classificados em cinquenta e cinco assuntos. O próprio imperador reservou-se a tarefa de ler dois ou três volumes por dia. Algumas pessoas comentaram que, tendo o imperador tantos afazeres, ser-lhe-iam muito cansativas as leituras. Ao que ele respondeu: "Estou interessado na leitura e vejo que a leitura sempre me traz benefícios. Não me sinto cansado, absolutamente".

Por Wang Pizhi, da Dinastia Song (960-1279).




SHU NENG SHENG QIAO
Intimidade Habilidade Nascer Talento

A habilidade surge da prática. Chen, arqueiro excelente, tendo acertado um difícil alvo, recebeu aplausos de todos, menos de um velho vendedor de óleo. Ficou irritado com o menosprezo do velho, que sequer sabia manejar o arco. O velho vendedor, porém, fez uma demonstração para Chen. Despejou óleo de uma vasilha para outra, através do orifício de uma moeda, sem que o óleo a tocasse. E sorrindo, disse: "Viu? Nada de especial: a habilidade vem da prática". Chen nunca mais mostrou-se orgulhoso.

Apontamentos após o Retorno à Fazenda, de Ouyang Xiu (1007-1072) da Dinastia Song do Norte.

__________________________________
1 - E, por vezes, também embotadora e horrenda.

2 - Emprego aqui têmpera no sentido que o filósofo Julián Marías dá ao termo: a maneira de se compreender e sentir e, portanto, de se projetar no mundo.

3 - Também a escrita consiste em um fator de diferenciação. Não é o mesmo ver um texto escrito com nosso alfabeto e um outro escrito em árabe ou em chinês. Nestas grafias - e especialmente no caso do ideograma chinês - o aspecto visual da escrita tem maior importância do que em nossas línguas. O modo de grafar expressa muito da têmpera do escritor, num terreno em que a ligação com o fenômeno estético é muito maior. Naturalmente, ambos os aspectos se manifestam também em nossa escrita, mas de modo muito menos acentuado.

4 - A partir do excelente Best Chinese Idioms, compilado por Situ Tan e publicado por Hai Feng Publishing Co, Ltd


Sylvio Roque de Guimarães Horta possui graduação em Farmácia pela Universidade de São Paulo (1985), mestrado em Educação pela Universidade de São Paulo (1994) e doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (2000). Atualmente é professor da Universidade de São Paulo no Departamento de Línguas Orientais, área de chinês. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Sinologia, atuando principalmente nos seguintes temas: relação língua/pensamento chinês, literatura chinesa, educação a partir de uma perspectiva pessoal e biográfica. Fonte: Letras Orientais - USP.

Ilustração de Joba Tridente: 2013

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Joba Tridente: Topázio


          

Topázio
Houve um tempo candango. De cartas datilografadas.

DIAS DE PAX
quando viajo além da minha janela
por estradas  que nascem lindas
em um recanto chamado Topázio
onde, entre pouca árvore e muita pedra,
águas cristalinas correm suaves e
desembocam em piscinas de águas mansas
ou despencam em cachoeiras, 
rumando a uma profunda e maravilhosa garganta...,
com tanta gente bonita ao redor
com tanta estrela no céu breu ao redor
(além, evidentemente, dos famosos
mosquitos, sempre à espera de comida nova)
e que fica logo ali, na entrada de Brasília
onde a gente pode até esquecer os
DIAS DE GREVE
quando a gente acorda
e logo alguns passos à frente
dá de cara e corpo e mente com os batalhões
armados, até os dentes, para uma guerra
de nervos e esperanças e bombas e faixas
e cães e palavrões e cassetetes e dores
para se restabelecer a “ordem”
na “desordem” estabelecida
onde ninguém conhece o responsável
da balbúrdia engolida a seco
no café da manhã ou almoço ou jantar
com direito a sobremesa de pancadaria
numa estranha partida 
onde os jogadores do front
nunca se deram ao luxo ou ao lixo
de perguntar o porquê de um jogo
onde todos perdem na roleta viciada,
fazendo a gente libertar pequenos demônios
numa brincadeira de derruba-dominó
e rir de imaginar 
aqueles perfilados homens armados,
contornando o “avião”,
caindo uns sobre os outros
feito as pedras montadas
no espetáculo da paciência...,
deixando a gente fugir para os
DIAS DE SONHO
em que toda a pax do mundo é possível
inclusive mergulhar de cabeça
num quadro que a gente ama e
misturar-se às pinceladas
e dele fazer parte
quem sabe?, ficar largado num gramado
noturno contando estrelas soturnas
sem se preocupar com a data do término
sem se preocupar com erros e com as errantes
sem se preocupar com o que quer que seja
dentro e fora do mundo
ao contrário de quando a gente
é alçado pelos
DIAS DE TRABALHO
que tristemente vão virando rotina da rotina
e a gente nem se preocupa mais com a fantasia
ou a máscara que vai usar a cada dia
para enfrentar o festival de mediocridade
onde os ignorantes se apresentam aos analfabestas
com seus currículos de demagogia
vomitando uma retórica aleijada
sustentada por muletas apodrecidas
como se o suprassumo de uma verdade
que a gente já não vê desde os
 DIAS DE RECUERDOS
quando criança descobria as brincadeiras sexuais
quando adolescente descobria as mentiras religiosas
quando rapaz descobria a beleza da mitologia
quando entre as idades descobria a arte
quando entre as idades descobria as querências
quando entre as idades descobria os amigos
quando entre as idades viajava entre as idades
como viajo ainda hoje nos sonhos, pesadelos
e fora deles..., sempre
que distraído...
.......................................................................


*
Joba Tridente: Carta - início da década de 1980
Joba Tridente: Ilustração - 2013

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