domingo, 29 de junho de 2014

Joba Tridente: VAIA

..., hoje, no FaceBook, circulou uma foto da torcida brasileira de Belo Horizonte vaiando o Hino Chileno, na Copa do Mundo da FIFA de 2014. ..., compartilhei a foto do IG, já compartilhada pelo jornalista Tão Gomes Pinto. ..., no meu post, o jornalista Montezuma Souza falou da sua infância, quando ouvia os jogos pelo rádio, da padronização do tempo dos hinos e da falta de respeito dos brasileiros em BH. ..., eu também comentei e sem padronizar o verbo, acabei fazendo uma crônica: VAIA.



VAIA
de Joba Tridente

..., antes através do rádio, imaginava-se a garra dos jogadores.  ..., criança, na década de 1960, tive álbum, colecionei figurinhas que perdi e ganhei no bafo. ..., e olha que nunca fui muito chegado ao futebol, porque me reservavam o detestável gol.

..., hoje o futebol me parece um festival de celebridades e suas futilidades. ..., se não há mais bobo em campo, penso que também não mais a magia do genial Garrincha. ..., se muito, entre um e outro daqui e de mundo acolá, ainda se vê a técnica que consagrou Pelé. ..., mas não há mais o balé que arrepiava no Canal 100, a dança-concerto desconcertando o adversário. ..., exagero, talvez ainda haja. ..., eu é que vejo apenas fragmentos de jogos da copa. ..., outros jogos e campeonatos não me abalam. ..., não torço. ..., me apavoram as torcidas. ..., me apaixono pela beleza de algumas camisas. ..., gosto da combinação de cores.

..., numa competição mundial, com ou sem a fifalcatrua, acho bonito ver os jogadores entrando em cena. ..., confiantes e perfilados, mão no coração, olhos cerrados cantando, pensando, sussurrando, orando o seu hino natal, ainda que ovacionado e ou vaiado. ..., ato, gesto que se repete na roleta dos pênaltis. ..., sempre que vejo um goleiro à espera, à espera do chute, à espera da bola, me lembro do perturbador O Medo do Goleiro Diante do Pênalti (1972), de Wim Wenders.

..., houve um tempo em que acreditei em muita coisa militante que ouvi dizer, até descobrir, por mim mesmo, que se não se lê no original, deve-se duvidar das traduções. ..., assim como me ligo nas camisas combinando cores, me enterneço com as melodias dos hinos combinando harmonias, por vezes estranhas. ..., hinos que soam como marcha, brado, mantras. ..., a música sempre chega antes que a letra, em qualquer canção. ..., muitas vezes, a letra é o que menos importa. ..., prefiro dar asas à imaginação e deixar a flâmula tremular e a bola vagar livre pelo gramado.

..., não se padroniza sentimentos. ..., padroniza-se plateia alvoroçada no telão! ..., não se padroniza tempo. ..., padroniza-se os quinze segundos de fama na exposição no telão! ..., não se padroniza hinos. ..., padroniza-se a educação!

*
Ilustração de JT- 2014

Joba Tridente: GOOOL - 2

Na virada do século, lancei uma edição experimental, composta de estampas, com uma série de Exercícios poéticos Visuais..., entre eles: ! e GRITO. Duas variações para GOOOL. Em tempos de copa do mundo, me pareceram pertinentes. Eis o segundo: GRITO. Para ler o primeiro, clique em !Nota: gire o botão de rolagem (scroll) do mouse, sobre o poema para o efeito visual.


exercícios
de Joba Tridente
visuais


GRITO
exercício nove
agosto.1999



GRITO
GRRTO
GRRRO
GRRRR
GRRRO
GRROO
GROOO
GOOOO
GOOOL!
GOOLL!
GOLLL!
GLLLL!
LLLLL!
LLLL!
LLL!!
LL!!!
L!!!!
!!!!!

Joba Tridente: GOOOL – 1

Na virada do século, lancei uma edição experimental, composta de estampas, com uma série de Exercícios poéticos Visuais..., entre eles: ! e GRITO. Duas variações para GOOOL. Em tempos de copa do mundo, me pareceram pertinentes. Eis o primeiro: !. Para ler o segundo, clique em GRITONota: gire o botão de rolagem (scroll) do mouse, sobre o poema para o efeito visual.


exercícios
de Joba Tridente
visuais


!
exercício oito
agosto.1999



!
R
RR
RRR
RRRR
GRRRR
GRRRO
GRROO
GROOO
GOOOO
GOOOL!
GOOLL!
GOLLL!
GLLLL!
LLLLL!
LLLL!
LLL!
LL!
L
!

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Joba Tridente: VEN.ETA


V E N.E T A
Joba Tridente

primavera:
o vento
espalha pólen
o poeta
espalha poema
                  
verão:
o vento
espalha odores
o poeta
espalha ardores

outono:
o vento
espalha folhas
o poeta
espalha bulbos

inverno:
o vento
espalha neve
o poeta
espalha sal

*
JT: poema e ilustração 2014

domingo, 8 de junho de 2014

Tradição Oral: A Mulher Gaiteira

Ah, as coincidência! Na quinta-feira, 5/6/2014, vi uma postagem curiosa no Facebook: Um pinto contra Francisco Sá, sobre uma estudante diariamente cantada por um porteiro, no Rio de Janeiro. Cansada do assédio, exatamente no dia e hora em que resolveu reagir, ia passando uma repórter que aproveitou o desabafo da garota para fazer uma matéria. O que deu algum pano pra manga! Neste dia eu estava terminando de ler Contos Populares do Brasil 2 (1897), recolhidos por Silvio Romero, e, para a minha surpresa, eis que, entre os últimos contos da Seção Terceira: Contos de Origem Africana e Mestiça, encontrei O Caboclo Namorado (Sergipe) e Mulher Gaiteira (Rio de Janeiro) que, coincidentemente, falam de cantada, de assédio sexual. Divirta-se..., ou não.  Ai! Ai! Ai!!!!



A Mulher Gaiteira

Havia uma mulher casada e que não tinha filhos. Defronte dela morava um padre, pelo qual a mulher apaixonou-se.
Ela chamava-o de Rabo de galo, por ele ter os cabelos muito bonitos.
O padre não correspondia e mesmo nem sabia de tal paixão.
A mulher já não governava mais a casa e só queria estar na janela para ver o padre. Estava já tão doida, que chegava a dizer ao marido: “Não é bonito aquele padre?” O marido fingia não compreender e afirmava o que ela dizia.
Não satisfeita de ver o padre só da janela, a mulher não perdia missa um só dia, a pretexto de ir rezar, e o marido suportando tudo calado. Querendo ver até que ponto chegava aquela mulher, pretextou uma viagem e escondeu-se perto de casa, recomendando à negra que lhe fizesse sabedor de tudo 0 que sua mulher praticasse na sua ausência.
Não tardou em que a negra lhe viesse entregar um bilhete que a senhora ia mandar por ela ao padre, no qual pedia-lhe uma entrevista à noite, visto o marido não estar em casa. O homem apoderou-se do bilhete, disse à negra que dissesse à senhora que o tinha entregado ao padre, e escreveu, disfarçando a letra, outro bilhete, dizendo ser do padre, aceitando o convite e marcando a hora da dita entrevista. Trouxe a negra o bilhete e deu-o à senhora. Esta não cabia em si de contente, e à hora marcada, entrou o marido, que se disfarçou no padre, vestido de batina, e com um grande chicote de couro cru escondido. A mulher convidou-o a entrar no quarto para descansar. Aí não teve dúvida; o marido empurrou-lhe o chicote a torto e a direito, ainda fingindo ser o padre e dizendo: “Mulher casada, sem vergonha, como é que seu marido não está em casa, e manda-me um bilhete convidando-me para vir aqui! Tome juízo”, dizia o padre, e empurrava o chicote na mulher. Ela desesperada com as bordoadas, dizia: “Vai-te embora, padre dos diabos, se eu soubesse que tu eras tão mau, não tinha caído nesta. Sai, malvado, tu queres me matar? Basta, não me dês tanto.” O marido, depois que deu-lhe muito, saiu deixando a mulher quase morta de pancadas. Mudou toda a roupa, e veio para casa, fingindo ter chegado da viagem. Perguntou pela mulher e disseram-lhe que ela estava doente. Ele, muito penalizado, perguntou que moléstia era aquela, pois ele a tinha deixado tão boa. Ela respondeu que sentia muitas dores pelo corpo, mas que também não sabia 0 que era. Mal pôde dizer estas palavras ao marido, e começou logo a gritar, tão forte era o seu sofrimento. Então o marido disse que ela estava muito mal, e que ele ia mandar chamar aquele padre, que morava defronte, para confessá-la. A mulher ouvindo isto, exclamou: “Não, marido, por Nossa Senhora não me mande chamar aquele padre.” O marido replicou: “Pois mulher, você não o acha tão bonito, e como não quer que ele venha lhe confessar?” E para apreciar bem o efeito da surra, mandou chamar o padre do Rabo de galo, como a mulher o chamava, e este veio confessá-la, alheio a tudo o que tinha se passado. A mulher, assim que foi vendo o padre, foi dizendo: “Sim, seu diabo, ainda achou pouca a surra que me deu, e ainda se atreve a vir aqui? Sai, diabo, vai-te embora.”
O padre ficou espantado, e acreditou que a mulher estava com efeito muito doente, que talvez estivesse com o diabo no corpo, e então benzia-a e dizia: “Filha, acomoda-te, lembra-te de Deus, que estás para morrer. Eu esconjuro este mau espírito, em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo, amem.”
“Sim, dizia a mulher: eu esconjuro é a surra que tu me deste.” O padre, depois de muita reza retirou-se, e o marido quase que não podia conter o riso. Passados muitos dias, de cama, levantou-se a mulher curada da grande surra. A primeira coisa que fez, foi pregar a janela que dava para a casa do padre, com uns pregos bem fortes, o que vendo o marido, disse-lhe que não fizesse aquilo, que aquela janela era para ela se distrair nas horas vagas. Por mais que o marido pedisse, a mulher não foi capaz de deixar de pregar a janela e nunca mais olhou o padre.¹

Nota de Silvio Romero: 1. Tema que parece de origem europeia, porém profundamente alterado pelo mestiço.

*
Ilustração de Joba Tridente. 2014


Silvio Romero (1851 - 1914): escritor, ensaísta, crítico literário, professor, filósofo. Romero foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras em 1897 e escreveu para diversos jornais. Entre outras obras é autor de: A poesia contemporânea e a sua intuição naturalista (1869); Contos do fim do século (1878); A filosofia no Brasil (1878); A literatura brasileira e a crítica moderna (1880);  Cantos Populares do Brasil - vol. 1 e 2 (1883); Contos Populares do Brasil (1885); Contos Populares do Brasil  2 (1887); História da literatura brasileira, I e II (1888); A poesia popular no Brasil (1880);  Compêndio da História da Literatura Brasileira (1906). 

Tradição Oral: O Caboclo Namorado

Ah, as coincidência! Na quinta-feira, 5/6/2014, vi uma postagem curiosa no Facebook: Um pinto contra Francisco Sá, sobre uma estudante diariamente cantada por um porteiro, no Rio de Janeiro. Cansada do assédio, exatamente no dia e hora em que resolveu reagir, ia passando uma repórter que aproveitou o desabafo da garota para fazer uma matéria. O que deu algum pano pra manga! Neste dia eu estava terminando de ler Contos Populares do Brasil 2 (1897), recolhidos por Silvio Romero, e, para a minha surpresa, eis que, entre os últimos contos da Seção Terceira: Contos de Origem Africana e Mestiça, encontrei O Caboclo Namorado (Sergipe) e Mulher Gaiteira (Rio de Janeiro) que, coincidentemente, falam de cantada, de assédio sexual etc. Divirta-se..., ou não.  Ai! Ai! Ai!!!!



O Caboclo Namorado

Havia uma moça casada muito bonita. Por sua porta passava sempre um caboclo e numa ocasião virou-se para ela e disse-lhe: “Adeus, meu cravo.” A moça fez que não ouviu e calou-se. No outro dia o caboclo passou e tomou a dizer a mesma coisa. A moça, não podendo mais chegar à janela, porque todas as vezes que o caboclo passava, dizia-lhe: “Adeus, meu cravo”, queixou-se ao marido. Este disse-lhe: “Não te importes, e quando ele te disser ‘adeus, meu cravo’, tu responde-lhe ‘adeus, minha rosa’, e deixa o resto por minha conta.” No dia seguinte o caboclo passou e repetiu: “Adeus, meu cravo.”
Ela virou-se para ele e respondeu: “Adeus, minha rosa.” O caboclo saiu rindo-se de contente e no outro dia já não disse “Adeus, meu cravo”, e sim perguntou à moça se ela dava licença a ele ir a casa dela à noite. A senhora ficou incomodadíssima e não deu-lhe resposta. Chegando o marido, ela participou-lhe o ocorrido, ao que ele respondeu: “Amanhã dize-lhe que eu fiz uma viagem e que tu dás licença para ele vir conversar contigo à noite.” Quando o caboclo passou dirigiu à moça a mesma pergunta, esta respondeu-lhe tudo quanto o marido tinha lhe dito. À noite chegou o caboclo, indo muito cheiroso e bem vestido. Já o marido da moça tinha munido dois criados, cada qual com um chicote de couro cru, e mandado deitar debaixo da cama grande porção de cansanção.
O caboclo logo que foi chegando disse à moça que queria ir para o quarto e que ela apagasse a luz que o estava incomodando. Depois tirou toda a roupa com que estava vestido e deitou-se dizendo que estava com muito sono. Nisto o marido da moça fingiu ter chegado da viagem e esta disse ao caboclo que se escondesse debaixo da cama. O moço entrou e deitou-se, alegando que vinha muito cansado. De espaço a espaço ele ouvia como que uma espécie de grunhido sair debaixo da cama. Passado um bom pedaço e o rapaz ouvindo sempre a mesma coisa, perguntou: “Quem está aí?” Responde-lhe o caboclo: “Sou eu, cachorro.” Diz o moço: “Oh, e cachorro fala?” Replica-lhe o caboclo: “Falo eu.” Aí o moço levantou-se e com uma luz na mão olhou para debaixo da cama e viu o caboclo no meio dos cansanções, inchado como uma pipa e todo se coçando. O moço chamou os criados que já estavam preparados e ordenou: “Empurrem-lhe o chicote.”
O caboclo depois de ter levado uma tunda, saiu que mal acertava o caminho de casa. Levou muito tempo se tratando da grande surra que levou.
 Depois de muito tempo e quando já estava bom, passou de novo o caboclo pela porta da moça, mas muito desconfiado e de cabeça baixa. Esta para bulir com ele disse-lhe: “Adeus, meu cravo.” Ele virou-se para ela e respondeu muito zangado: “Adeus, seu diabo!”

*
Ilustração de Joba Tridente. 2014


Silvio Romero (1851 - 1914): escritor, ensaísta, crítico literário, professor, filósofo. Romero foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras em 1897 e escreveu para diversos jornais. Entre outras obras é autor de: A poesia contemporânea e a sua intuição naturalista (1869); Contos do fim do século (1878); A filosofia no Brasil (1878); A literatura brasileira e a crítica moderna (1880);  Cantos Populares do Brasil - vol. 1 e 2 (1883); Contos Populares do Brasil (1885); Contos Populares do Brasil  2 (1887); História da literatura brasileira, I e II (1888); A poesia popular no Brasil (1880);  Compêndio da História da Literatura Brasileira (1906).

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Raul Bopp: Mãe-Preta

Raul Bopp, um dos mais importantes nomes da Semana de Arte Moderna (1922) morreu em 1 de Junho de 1984. A sua literatura impressiona pela contemporaneidade. A obra-prima Mãe-Preta está em Urucungo - poemas negros, de 1932. A Antologia da Moderna Poesia Brasileira - Revista Acadêmica, 1939, em edição da Brasiliana Digital-USP, assim apresenta o mestre que, segundo Oswald de Andrade, traz a poesia nos dentes:

“Raul Bopp nasceu em Tupaceretan, no Estado do Rio Grande do Sul. Formou-se em advocacia fazendo um ano em quase todas as Faculdades de Direito do Brasil. Esse Brasil que ele conhece todo, pois o furou de lado a lado, com os jangadeiros do Ceará, pintor de taboletas em Mato Grosso, macumbeiro ao lado de Edison Carneiro na Bahia, companheiro de republica de José Lins do Rego em Pernambuco, chefe do modernismo com Oswald de Andrade em São Paulo, tendo polêmicas literárias no Pará, atravessando todos os igarapés do Amazonas. /  Tornou-se lendário no Nordeste e ainda hoje contam por lá anedotas das quais Raul Bopp é o herói, assim como de outras os heróis são Camões e Bocage. O poeta passou a ser folk-lore. Depois enfiou pelo vasto Universo em várias viagens; empregou todos os meios de condução, visitou a totalidade de países que formam esse mundo de Deus. Para muita gente o poeta ficou sendo Pedro Malazarte reincarnado.”


         

MÃE-PRETA¹
Raul Bopp

- Mãe-preta, me conta uma história
- Então feche os olhos filhinho:

Longe muito longe
era uma vez o rio Congo…

Por toda parte o mato grande
Muito sol batia o chão

De noite
chegavam os elefantes
Então o barulho do mato crescia

Quando o rio ficava brabo
inchava

Brigava com as árvores
Carregava  com tudo, águas abaixo
até chegar na boca do mar

Depois…

Olhos da preta pararam
Acordaram-se as vozes do sangue
glu-glus de água engasgada
naquele dia do nunca-mais

Era uma praia vazia
com riscos brancos de areia
e batelões carregando escravos

Começou então
uma noite muito comprida.
Era um mar que não acabava mais

… depois…

- Ué mãezinha
por que você não conta o resto da história?


*
Ilustração de Joba Tridente - 2014


Raul Bopp (1898-1984): escritor modernista integrante da Semana de Arte Moderna, cronista, jornalista. Autor de Cobra Norato (1931); Urucungo - Poemas Negros (1932); Poesias  (1947);  Antologia Poética (1967); Putirum: Poesias e Coisas do Folclore (1969); Mironga e Outros Poemas (1978). "Bopp Passado a Limpo" por Ele Mesmo (1972); Samburá: Notas de Viagens & Saldos Literários (1973); Vida e Morte da Antropofagia (1977); Longitudes: Crônicas de Viagens (1980). Em outros registros, Raul Bopp teria nascido em Vila Pinhal e ou Santa Maria, no Rio Grande do Sul.

1. Como há versões de Mãe-Preta com pontuação diferenciada e não tenho a original de Urucungo, optei por aquela que se encontra em Raul Bopp - Cobra Norato e Outros Poemas, editado pela Civilização Brasileira em 1975.  

terça-feira, 3 de junho de 2014

Raul Bopp: África

Raul Bopp, um dos mais importantes nomes da Semana de Arte Moderna (1922) morreu em 1 de Junho de 1984. A sua literatura impressiona pela contemporaneidade. Este magnífico África encontrei em Antologia da Moderna Poesia Brasileira - Revista Acadêmica, 1939, em edição da Brasiliana Digital-USP, que assim apresenta o mestre que, segundo Oswald de Andrade, traz a poesia nos dentes:

“Raul Bopp nasceu em Tupaceretan, no Estado do Rio Grande do Sul. Formou-se em advocacia fazendo um ano em quase todas as Faculdades de Direito do Brasil. Esse Brasil que ele conhece todo, pois o furou de lado a lado, com os jangadeiros do Ceará, pintor de taboletas em Mato Grosso, macumbeiro ao lado de Edison Carneiro na Bahia, companheiro de republica de José Lins do Rego em Pernambuco, chefe do modernismo com Oswald de Andrade em São Paulo, tendo polêmicas literárias no Pará, atravessando todos os igarapés do Amazonas. /  Tornou-se lendário no Nordeste e ainda hoje contam por lá anedotas das quais Raul Bopp é o herói, assim como de outras os heróis são Camões e Bocage. O poeta passou a ser folk-lore. Depois enfiou pelo vasto Universo em várias viagens; empregou todos os meios de condução, visitou a totalidade de países que formam esse mundo de Deus. Para muita gente o poeta ficou sendo Pedro Malazarte reincarnado.”


                  

ÁFRICA
Raul Bopp
(pro Jorge Amado)

A floresta era um útero.

Quando a noite chegou
As árvores incharam.

         Aratabá-becúm.

O homem com medo espiava no escuro
E viu que a selva carregada de vozes ia crescendo dentro
                                                                       do seu sangue
Depois vieram as estrelas
E o carvão-animal filtrou a luz das estrelas.


*
Ilustração de Joba Tridente - 2014



Raul Bopp (1898-1984): escritor modernista integrante da Semana de Arte Moderna, cronista, jornalista. Autor de Cobra Norato (1931); Urucungo - Poemas Negros (1932); Poesias  (1947);  Antologia Poética (1967); Putirum: Poesias e Coisas do Folclore (1969); Mironga e Outros Poemas (1978). "Bopp Passado a Limpo" por Ele Mesmo (1972); Samburá: Notas de Viagens & Saldos Literários (1973); Vida e Morte da Antropofagia (1977); Longitudes: Crônicas de Viagens (1980). Em outros registros, Raul Bopp teria nascido em Vila Pinhal e ou Santa Maria, no Rio Grande do Sul.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Raul Bopp: Favela nº. 3

Há exatos 30 anos morria Raul Bopp, um dos mais importantes nomes da Semana de Arte Moderna (1922). A sua fascinante literatura continua contemporânea. Este delicioso Favela nº. 3 encontrei em Antologia da Moderna Poesia Brasileira - Revista Acadêmica, 1939, em edição da Brasiliana Digital-USP, que assim apresenta o mestre que, segundo Oswald de Andrade, traz a poesia nos dentes:

“Raul Bopp nasceu em Tupaceretan, no Estado do Rio Grande do Sul. Formou-se em advocacia fazendo um ano em quase todas as Faculdades de Direito do Brasil. Esse Brasil que ele conhece todo, pois o furou de lado a lado, com os jangadeiros do Ceará, pintor de taboletas em Mato Grosso, macumbeiro ao lado de Edison Carneiro na Bahia, companheiro de republica de José Lins do Rego em Pernambuco, chefe do modernismo com Oswald de Andrade em São Paulo, tendo polêmicas literárias no Pará, atravessando todos os igarapés do Amazonas./ Tornou-se lendário no Nordeste e ainda hoje contam por lá anedotas das quais Raul Bopp é o herói, assim como de outras os heróis são Camões e Bocage. O poeta passou a ser folk-lore. Depois enfiou pelo vasto Universo em várias viagens; empregou todos os meios de condução, visitou a totalidade de países que formam esse mundo de Deus. Para muita gente o poeta ficou sendo Pedro Malazarte reincarnado.”


                      

FAVELA n°. 3
(Quintal)
Raul Bopp

As janelas dos fundos se reuniram
para ver o trem que vem de São Paulo. Olé !
Ouviu uns tiros esta noite, vizinha ?
Pois até mataram um sordado. (Feche essa torneira, peste!
Depois tá sempre faltando água!)
Sopra um ventinho levanta-a-saia. Enjoado.
Favela está de madorra.
Lá em baixo
as chaminés fazem exclamações na paisagem.
Os mamoeiros estão de papo inchado.
Negra se acocorou num canto do terreiro
Pôs as galinhas em escândalo.


*
Ilustração de Joba Tridente - 2014



Raul Bopp (1898-1984): escritor modernista integrante da Semana de Arte Moderna, cronista, jornalista. Autor de Cobra Norato (1931); Urucungo - Poemas Negros (1932); Poesias  (1947);  Antologia Poética (1967); Putirum: Poesias e Coisas do Folclore (1969); Mironga e Outros Poemas (1978). "Bopp Passado a Limpo" por Ele Mesmo (1972); Samburá: Notas de Viagens & Saldos Literários (1973); Vida e Morte da Antropofagia (1977); Longitudes: Crônicas de Viagens (1980). Em outros registros, Raul Bopp teria nascido em Vila Pinhal e ou Santa Maria, no Rio Grande do Sul.

domingo, 1 de junho de 2014

Wilson Bueno: Moscas

Ontem. 31 de Maio de 2014. Há 4 anos o escritor e jornalista paranaense Wilson Bueno foi brutalmente assassinado. Em 1 de Abril de 2014 seu assassino confesso foi inocentado.

Trabalhei com Wilson Bueno durante cinco anos (1990-1995), como editor gráfico do Jornal NICOLAU. Com o fim do jornal, Wilson Bueno se dedicou à crítica literária e à sua literatura, reconhecida nacional e internacionalmente, para a frustração (e inveja mortal!) de “escritores” medíocres que, sem talento e estilo, e não conseguindo ir além do seu diminuto quintal, buscam difamá-lo.

Em 13 de Março de 2014, quando Wilson Bueno completaria 65 anos, ao selecionar alguns textos breves, do seu raríssimo Manual de Zoofilia¹, encontrei, além dos que postei, estes três: Anjos, Borboletas, Moscas, que, sei lá, me pareceram premonitórios. E muito bem direcionados!



M O S C A S
Wilson Bueno

Flagrar do lixo o novo inútil, o luxo, com olhos multifacetados de ver, plurais, muito adiante da aparente imaginação das coisas - este quintal, 0 sonho no chão - pisado como a utopia no coração de um homem triste.
Alhear-se com 0 voo delas, que zumbe, por entre doces, frutos, fezes, terra.
Colher, deste silêncio, o que o acaso, pura semente, traz no vento e deita, com extrema delicadeza, por entre as vísceras e a carcaça de um velhíssimo tênis - o dom da vida, a flor, a insistência em verde da esperança.
Ouvir, de núpcias com o setembro, a humílima nota, em oboé, que mesmo a junho geada, será capaz do exato anúncio da primavera. Revoam grávidas do oco que apodreceu no mijo. Exalam?
Compreender, cego sob a neblina fria, que os paletós, com seus vultos que andam, tenham asas (olhos?) e corno que voem no denso fog da madrugada. Do jeito de quem pega nas mãos o sinistro do Deus que vigora no abandono. A morte põe ovos no nariz dos afogados.
Para só então (não me olhes assim tão mil), adivinhar, com espanto, qual das mãos é a Dele - se a que pereniza a iminente morte das coisas ou a que põe no limbo a farsa de nova existência estrelada. Medusas.
Feito o vício imortal (insistes?) de existir a qualquer preço.

1. Manual de Zoofilia é uma rara edição artesanal de apenas 350 exemplares, editado na primavera de 1991, pela Editora Noa Noa, do escritor e tipógrafo Cleber Teixeira (1938-2013). O opúsculo traz trinta textos curtos de um fascinante tratado poético sobre a fauna. Link para a postagem anterior: Pardais, Corroíras, Colibris.

*
Ilustração de Joba Tridente – 2014


Wilson Bueno (1949-2010): escritor, cronista e jornalista. Um dos nomes mais importantes da literatura brasileira contemporânea. Entre as suas principais obras estão: Bolero's Bar (1986); Manual de Zoofilia (1991); Mar Paraguayo (1992); Pequeno Tratado de Brinquedos (1996); Meu Tio Roseno, a Cavalo (2000); Amar-te a ti nem sei se com carícias (2004); Pincel de Kyoto (2007); A Copista Kafka (2007); Mano, A noite Está Velha (2011).

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