domingo, 27 de dezembro de 2009

Dito Assim: Carlos Drummond de Andrade


Dito Assim são falas colhidas ao acaso, nas obras máximas de grandes autores. São convites à (re)leitura. São falas para nunca esquecer.


Dito Assim por Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) em O Avesso das Coisas - Aforismos – Record.1990:

Romances de luxúria e violência, que se supõem modernos, são plagiados do Antigo Testamento.

Há certo sadomasoquismo na idéia de Deus deixar-se crucificar pelos homens que ele criou.

É o esqueleto, e não o corpo, que detém a essên­cia da beleza.

Para cada tipo de situação política há um discur­so pronto, de que se trocam as vírgulas.


quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Literatura: Carta de Antônio Rodrigues



Carta de Antônio Rodrigues
O lado “B” da literatura “A” na Internet

Esta série de cinco artigos, que escrevi em 2001, foi publicada no Caderno G, da Gazeta do Povo, de Curitiba, no segundo semestre do mesmo ano.

Bem é que morram, porque não haverá ouro para tantos!
Este é um breve trecho da cópia de uma impressionante e, por vezes, apavorante carta que o soldado, viajante, aventureiro e jesuíta português Antônio Rodrigues enviou, em maio de 1553, aos seus irmãos jesuítas em Portugal e que a Fundação Biblioteca Nacional está disponibilizando, juntamente com A Alma Encantadora das Ruas, de João do Rio (1881/1923), no arquivo: Cronistas e Viajantes.

A carta é um relato dos sonhos, esperanças e pesadelos de Antônio Rodrigues em busca de uma terra repleta de riquezas: “E é que eu e outros Portugueses, assim por vaidade como por cobiça de ouro e prata, no ano de 1523, partimos de Sevilha em uma armada, que fazia Dom Pedro de Mendonça, na qual éramos 1800 homens; e todos carregados de nossa cobiça, chegamos, com próspero vento, ao Rio da Prata e entramos pelo rio com as naus 60 léguas.” O seu conteúdo desvela a confissão dolorida e amarga de um homem procurando compreender e situar a realidade que o cerca, diante da “lógica católica apostólica” a que serve. A culpa de Antônio Rodrigues, “em pensamentos, palavras e obras”, parece infinita e a sua súplica de perdão atravessará os “mares de Portugal” e também os séculos, atordoando o leitor habituado com a História Oficial. Nada se compara com o fato sendo descrito por quem comete o ato. Documento ideal para ser discutido e analisado por professores e alunos de história, geografia, antropologia, sociologia, economia, a carta detalha contrastes e confrontos entre civilizados e selvagens. Resta-nos saber quem é quem pois, uns são movidos pela ambição e outros para se livrar do jugo.

(...) Prouve a Nosso Senhor castigar a nossa cobiça e pecados, que soldados comumente fazem: permitiu vir tanta fome ao arraial que não davam a comer a cada um, cada dia, senão seis onças de pão. E, porque a gente por esta causa, com a fraqueza, não podia trabalhar, era muito castigada dos oficiais da ordem da guerra, porque lhes davam com paus, e assim morriam cada dia 4 ou 5.
Propondo-se a relatar uma viagem de ida e volta do Brasil ao Peru, Antônio Rodrigues serve-nos em uma cuia a História como ela era e assim, diante dos nossos olhos, o domínio português se firma, vilarejos são levantados e povos exterminados, enquanto a ambição leva dezenas de confiantes homens cristãos ao Peru e traz de volta uns poucos miseráveis sobreviventes. Quem dera fosse pura ficção!

(...) Porque, enforcando-se a dois soldados, lhes comeram as barrigas das pernas, e um homem matou em sua casa a um seu primo e comeu-lhe a assadura. Acabando de a comer o acharam que estava para morrer, permitindo Deus por seu justo juízo que o matasse a comida com que a morte do primo procurou. Aconteceu também comerem uns o excremento que outro depois de ter comido deitava, ainda que pela corrupção dos corpos era aquilo tão peçonhento que quem o comia logo morria. E, desta maneira, uns com fome, outros por os matarem as onças, e outros os gentios, morreram neste tempo, que se fez a cidade, 600 homens.

Para quem quer conhecer o Brasil de anteontem, pra entender o Brasil de hoje, a Carta de Antônio Rodrigues é um bom começo. Ela não é tão idílica, como a famosa Carta de Pero Vaz de Caminha (também disponível no site da FBN), portanto, que o leitor fique prevenido pois, em alguns momentos, a narrativa pode embrulhar o estômago mais sensível. É que não há como ficar indiferente aos cheiros da miséria e aos gritos da violação da terra, dos povos, das crenças primitivas, em nome de Jesus Cristo.

Há muitas terras povoadas deste gênero de gentio, os quais obedecem a seus principais e neles há grande disposição para se fazerem cristãos. Praza a Nosso Senhor de mandá-los visitar, porque a nossa, porque não era para ganhar as suas almas senão para ver se tinham ouro, não lhes fez nenhum proveito na fé.

ilustração: Terra Brasilis, Atlas Miller, c 1523 – 1525/Mapas Históricos Brasileiros/ Grandes Personagens da Nossa História – Abril Cultural, 1973

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Joba Tridente: Aula de Religião


Aula de Religião
uma questão polêmica

1
Garoto. No fim do primário ou começo do ginásio. Tive Aula de Religião (Católica Apostólica Romana, evidentemente) na escola pública, dada por um padre. Na época era Católico Apostólico Romano. Não me incomodava muito. Não tardou para eu aprender a diferença entre Religião e Teologia. Ao compreender o que era singular e o que era plural, encontrei a dúvida. Ao buscar respostas virei um Livre Pensador. Na minha cidade, no interior de São Paulo, numa região chamada de Alta Paulista, numa cidade chamada Osvaldo Cruz, tinha além da Igreja Católica Apostólica Romana, uma Igreja Batista e uma Igreja Presbiteriana, além de um Centro Espírita, pelo que me lembro. Isso foi lá pelos anos 1960. Era adolescente. Estou certo de que os fiéis de outras crenças não eram obrigados a assistir a Aula de Religião sobre o Catolicismo, que encerrava com uma reza.

2
Hoje há um mercado de religiões (e variantes) para todo tipo de gosto e de bolso e de intenção. E todas as religiões são favoritas e únicas, do deus lá delas, em detrimento do deus lá das outras. O homem teme o que ele criou. O que ele inventou. Inventa-se um monstro para temê-lo. Inventa-se um deus para todas as causas. Religião não deve ser imposta, quiçá proposta. O oculto na verdade de um nem sempre (ou nunca) é satisfação na verdade exposta do outro. Cada um compreende a sua “necessidade” e coisa alguma mais aquém ou além dela. O homem religioso é egoísta (como a sua crença) por natureza. Partilhar (se não a crença) é força de expressão ou gesto de ocasião. Tudo é dízimo no corpo ou na alma daquele que ignora a própria “fé”.

3
Ensinar Teologia ou ao menos abrir espaço de discussão em sala de aula, num leque de opções religiosas e crenças outras, parece positivo..., mas pode ser também perigoso, sem a neutralidade do palestrante. Há no mundo uma corrente (pequena ainda) que crê num totalitarismo evangélico, amanhã, mais forte e fundamentalista que o do catolicismo cristão, ontem. É mais que possível. Quando vemos “religiosos” vociferadores a qualquer hora do dia (e da noite) nas redes de TV ou pelas ruas ou pelos “templos” impondo as suas “verdades”, há que se temer. Quando vemos “religiosos” vociferadores a qualquer hora do dia (e da noite) travando (e tramando) sua eterna guerra santa em nome do “impiedoso”, infiltrados nos negócios políticos e financeiros, há que se temer. Quando se vê, se lê, se ouve vociferações religiosas, de quem quer seja (sagradas ou profanas) há que se temer, sim!

4
Se, aos olhos marxistas, ontem a religião era “o ópio do povo”, aos olhos democratas, hoje ela é “o crack do povo” Só mudou o nome da droga. Liberar é muito diferente de libertar. Dar aula sobre religiões, com a sua literatura (mítica/mística/erótica) incorporada, é uma coisa. Mas, dar aula somente sobre uma religião e a sua literatura incorporada, em detrimento de outras, me parece preconceituoso. Ou se fala sobre todas ou sobre nenhuma. Na verdade, não vejo em quê a aula de religião pode ajudar/melhorar a vida (profissional) de uma gente antes carente de saneamento básico, comida, educação, saúde, escola, hospital, moradia, cidadania... , e que a cada dia está mais para um trecho de Partido Alto (de Chico Buarque): Diz que Deus, diz que dá/ Diz que Deus dará/ Não vou duvidar, ô nega/ E se Deus não dá/ Como é que vai ficar, ô nega/ Diz que Deus, diz que dá/ E se Deus negar, ô nega/ Eu vou me indignar e chega...; do que para um trecho do verso do poeta latino Juvenal (in Sátiras X): mens sana in corpore sano (mente sã em corpo são).

5
A propósito de mens sana in corpore sano, que tem hoje as mais diversas aplicações, há um trecho da Sátira X, em tradução livre, na Wikipédia: Deve-se pedir em oração que a mente seja sã num corpo são./ Peça uma alma corajosa que careça do temor da morte,/ que ponha a longevidade em último lugar entre as bênçãos da natureza,/ que suporte qualquer tipo de labores,/ desconheça a ira, nada cobice e creia mais/ nos labores selvagens de Hércules do que/ nas satisfações, nos banquetes e camas de plumas de um rei oriental./ Revelarei aquilo que podes dar a ti próprio;/ Certamente, o único caminho de uma vida tranquila passa pela virtude.;
e o recorte do mesmo trecho (com os dois versos finais) que pode ser lido em Boletim de Estudos Clássicos – 33, num estudo de Joana Abranches Portela: Mas, se à viva força queres fazer algum pedido e oferecer nos santuários/ as entranhas e os salpicões divinatórios de um porquinho luzidio,/ então pede uma mente sã num corpo são./ Pede uma alma forte isenta do terror da morte,/ que coloque uma vida longa em último entre os dons/ da natureza, que possa suportar quaisquer canseiras,/ que não conheça a ira, que não tenha ambições e considere preferíveis/ os sofrimentos de Hércules e os seus duros trabalhos/ à volúpia e aos festins e aos cochins de Sardanapalo./ O que te aconselho, tu mesmo a ti podes dar, certamente/ é pela virtude que se abre o único caminho de uma vida tranquila./ Não precisas de nenhum deus, se tens a razão. Somos nós/ que te fazemos deusa, ó Fortuna, e te colocamos no céu.

6
Ou seja, fora do contexto, cada um faz a leitura que quiser ou puder dos poemas de Chico Buarque ou de Juvenal. Apesar dos poetas não dizerem exatamente o que achamos que eles disseram, já que um trecho não expressa o poema inteiro. É assim, também, com a religião.

ilustração de Joba Tridente: Mito

sábado, 12 de dezembro de 2009

Livro: Micrômegas

O gigante Micrômegas encontra o navio
dos filósofos. (Gravura de Charles Monnet)


Micrômegas
O lado “B” da literatura “A” na Internet


Esta série de cinco artigos, que escrevi em 2001, foi publicada no Caderno G, da Gazeta do Povo, de Curitiba, no segundo semestre do mesmo ano.

O convite de hoje é para visitar a Virtual Book que oferece grátis excelente literatura em seis idiomas (português, espanhol, inglês, francês, italiano e alemão) e descobrir o mundo iluminado, irônico e sarcástico de Voltaire (1694/1778) através da divertida ficção Micrômegas (1750).

Micrômegas é um conto de leitura fácil e rápida onde as idéias de Voltaire, o filósofo do iluminismo, “viajam” livres entre a ficção sacra e profana e a filosofia pura. Quem conhece Zadig (1749) e Cândido (1759), outras obras fascinantes do autor, vai encontrar um ponto em comum: o personagem andarilho. Assim como Zadig e Cândido vagam por países e/ou reinos desconhecidos, buscando conhecimento, sabedoria e respostas aos seus intermináveis infortúnios, Micrômegas vaga pelo Universo em busca de instrução filosófica.

As aventuras espaciais de Micrômegas, bem no estilo ficção científica, são narradas com muito sarcasmo. O personagem título é originário da estrela Sírio, mede oito léguas de altura e decidiu fazer uma viagem filosófica, ao ser condenado por causa de suas estranhas idéias, como “querer saber se a forma substancial das pulgas de Sírio era da mesma natureza que a dos caramujos”. Em Saturno ele conhece o secretário da Academia, um filósofo um tanto quanto pessimista, que o acompanha na viagem. Os dois chegam na Terra, na margem setentrional do Mar Báltico, a 5 de Julho de 1737. Como eles não conseguem enxergar os minúsculos seres humanos, duvidam que exista algum tipo de vida na Terra ou que alguém de bom senso queira viver aqui. A dúvida persiste mesmo quando encontram um navio transportando filósofos, pois acham impossível que seres tão pequenos falem ou pensem, pois “para falar é preciso pensar ou quase”. Mas logo que começam a filosofar os extraterrestres vão descobrir que estão “altamente” enganados.

Em Micrômegas, Voltaire não deixa, pensamento sobre pensamento. Com seu humor cáustico questiona a essência das coisas, do espírito, da matéria, da alma; indaga sobre a duração da vida e a razão da morte; esmiuça a estupidez de todos os seres: “Sabeis, por exemplo, que neste momento, cem mil doidos da minha espécie, que usam chapéus, matam cem mil outros animais que usam turbante ou são massacrados por eles. Por toda a Terra é assim que se procede desde tempos imemoriais. (...) Trata-se, informou o filósofo, de um pouco de lama do tamanho do vosso calcanhar. Não é que qualquer dos Homens que se deixa degolar pretenda algumas migalhas dessa lama. Trata-se apenas de saber se ela é pertença de um certo homem chamado “Sultão” ou de outro a quem denominam, não sei porquê “César”. (...) Nem um nem outro viram ou chegarão a ver o pequeno torrão em litígio; e quase nenhum destes animais, que mutuamente se degolam, viu o animal por quem se deixa matar.

Micrômegas é a obra ideal para se iniciar em Voltaire. É um texto curto, enxuto e terrivelmente atual nas suas entrelinhas, onde há bem mais que um simples colóquio filosófico sobre a vida inteligente no Universo. Bom, é verdade que os conceitos científicos do séc.18 mudaram um pouco, mas como ainda não há provas da existência ou não de seres verdes em Marte, quem pode garantir que não existam jesuítas e matemáticos resolvendo teoremas de Euclides em Sírio e Saturno?

sábado, 5 de dezembro de 2009

Livro: A Luneta Mágica


A Luneta Mágica

O lado “B” da literatura “A” na Internet


Esta série de cinco artigos, que escrevi em 2001, foi publicada no Caderno G, da Gazeta do Povo, de Curitiba, no segundo semestre do mesmo ano.

Internet, como é que a gente conseguia viver sem ela!? À primeira vista (ou seria acesso?), é como a cidade de São Paulo, sabendo procurar, encontra-se de tudo, do arco da moça ao arco da velha. O melhor é que, ao contrário de São Paulo, na rede a maioria das coisas boas é grátis. Como, por exemplo, literatura brasileira e/ou estrangeira. Num país em que o livro é um bem de consumo distante de milhões de bolsos e que a leitura de lazer não é prioridade, nem na educação, o acesso, totalmente grátis, às mais diversas obras literárias, é um colírio. Para quem realmente gosta de literatura e, portanto, não se importa com seu formato digital (PDF, ebook), há um grande número de bibliotecas disponibilizando textos literários, em várias línguas, para pesquisa e leitura no próprio site e/ou para cópias. Ali estão: Machado de Assis, Eça de Queirós, Shakespeare, Gregório de Matos, Fernando Pessoa, Antônio Vieira, Euclides da Cunha.

O propósito desta série de artigos sobre a literatura na internet é falar sobre algumas obras interessantes, curiosas, divertidas e desconhecidas do grande público leitor, como: Micrômegas, a “ficção científica” filosófica de Voltaire, o iluminista autor de Zadig; As cartas apavorantes dos primeiros aventureiros portugueses no Brasil selvagem, como a de Antônio Rodrigues, escrita em 1553; Contos infantis do mundo todo.

Neste primeiro artigo a sugestão é acessar a página da Fundação Biblioteca Nacional e (re)descobrir Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882) possivelmente na sua melhor obra: A Luneta Mágica. Este romance, pouco conhecido do grande público, é fascinante, divertido e perturbador. Publicado, entre 22 de março e 27 de setembro de 1868, como folhetim, no periódico A Semana Ilustrada, a sua trama, 133 anos depois, continua atual, uma vez que no Brasil a política ainda se arrasta, a moral engatinha e a ética ensaia os primeiros passos.

Diz-se que em terra de cego quem tem um olho é rei ou caolho. Nessa romanceada crônica de costumes, Macedo nos desvela que ter um olho em terra de cego é uma benção ou uma maldição. Na provinciana Rio de Janeiro do séc.19, o míope Simplício não mede esforços para curar a sua miopia física e moral: “Miopia física: - a duas polegadas de distância dos olhos não distingo um girassol de uma violeta. E por isso ando na cidade e não vejo as casas. Miopia moral:- sou sempre escravo das idéias dos outros; porque nunca pude ajustar duas idéias minhas. E por isso quando vou às galerias da câmara temporária ou do senado, sou consecutiva e decididamente do parecer de todos os oradores que falam pró e contra a matéria em discussão.” O seu desejo de ver as coisas do mundo é tanto que nem se importa com os meios. É nessa busca incessante que conhece um armênio mágico que cria, para ele, lunetas capazes de lhe dar a visão do real, durante três minutos, e depois disso, a visão do inesperado: a maldade e/ou a bondade que habita em todas as coisas, e/ou ainda o raro bom senso, da pessoa ou coisa observada. O que acaba colocando em polvorosa toda a sociedade do Rio antigo, que hora o hostiliza e o considera um louco e hora o ridiculariza e se aproveita de sua ignorância.

O armênio tem razão: a visão do mal é um tormento; ver muito é um erro; ver demais é um castigo; a temperança é virtude que deve presidir e moderar os gozos de todos os sentidos do homem.

A sina de Simplício no mundo seria trágica se não fosse cômica e ele o contrário de si mesmo, enredado em seus dilemas sobre o valor da cegueira e o peso da visão. A verdade é que ainda somos todos míopes diante da vida ou daquilo que não conhecemos ou compreendemos. Se 2001 (ano da publicação deste artigo) não é como imaginávamos em 1968, infelizmente continua o mesmo descrito em 1868, por Joaquim Manuel Macedo: corrupção, banditismo, oportunismo, falsidade, politicagem, fraude, ladroagem, impunidade, poder...

O nosso código é necessariamente muito sábio e muito previdente: exige que para ser jurado o cidadão brasileiro tenha apenas senso comum, se exigisse bom senso haveria desordem geral, porque segundo tenho ouvido dizer, muitos dos que têm feito e dos que fazem leis, muitos dos que as deviam mandar e mandam executar, e muitos dos que têm por dever aplicar as leis, não poderiam ser jurados por falta do bom senso! (...)
Dizem‑me isso, e asseguram‑me que o bom senso é senso raro.
Eu não entendo estas coisas; mas atendendo ao que me dizem, chego a crer que foi por essa razão que a lei não impôs a condição do bom senso nem para que o cidadão fosse jurado, nem para que fosse magistrado, deputado, senador, ministro, e conselheiro de estado.
Asseveram‑me ainda que se assim não fosse, que, se se exigisse a condição do bom senso para o exercício daquelas altas delegações e cargos do Estado, haveria quatro quintas partes do mundo oficial inteiramente fora da lei.”


Autor de romances leves como A Moreninha (1844) e O Moço Loiro (1845), talvez por isso, Joaquim Manuel de Macedo é considerado, por alguns críticos, um escritor pouco criativo. No entanto é preciso ressaltar que, se nessas primeiras obras encontramos um autor bastante jovem e romântico, aos 23/24 anos, o mesmo não se dá com A Luneta Mágica (1868) onde o escritor, beirando os 50 anos, está ciente do mundo ao seu redor e muito mais seguro do que a sua pena desenha sobre o papel. O Joaquim Macedo de A Luneta Mágica, permite-se ser irônico, sarcástico, dolorosamente divertido e, em sua reflexão dura e fria do mundo que o cerca, desfia um rosário de pérolas ainda hoje novas. Ou talvez apenas um pouco amareladas pelo ciclo vicioso da repetição.

Um advogado era para mim a luz do direito, o escudo da inocência, o campeão da lei; era a Sabedoria a pleitear pela justiça; como pois um advogado se anima a mentir diante de Deus e dos homens, a malfazer a sociedade, esforçando‑se com todo o poder das suas faculdades para que se julgue inocente e puro um assassino conhecido e provado, um malvado que ele sabe que é assassino?... e, mil vezes ainda pior, como é que outro advogado profundamente convencido de que o réu não cometeu o crime que lhe imputam, ousa ir acusá‑lo, ousa ir pedir que o encarcerem, que o condenem a trabalhos forçados?

A Luneta Mágica é um texto fácil e rápido, mas não é gratuito. É divertido, mas não é banal. Rimos da inocência de Simplício, ultrajada por familiares, mulheres, amigos e oportunistas de plantão, mas poderíamos chorar. A impressão que fica, ao fim da leitura, é a de que, com o passar do tempo, estamos a cada dia mais idiotizados nas relações humanas, políticas e sociais.

- Consola‑te, mano; tudo tem compensação: a tua miopia é uma desgraça; mas porque és míope não vês como são bonitos os bordados da farda de um ministro de estado, e portanto não te exasperas por não poder ostentá‑los.

Ainda bem que já foi decretado O Fim da História. Por quem, mesmo?

Nota: Em 1986, Wilson Rocha adaptou A Luneta Mágica para a série Teletema, da Rede Globo. O programa foi exibido de 26 a 30 de maio de 1986 e reprisado de 10 a 14 de janeiro de 1987 (Fonte: Memória Globo. Em 2009, a obra está sendo lançada no formato de História em Quadrinhos, com adaptação de Carlos Patati e arte de Marcio Castro, pela a Panda Books.

ilustração: arte de Joba Tridente sobre foto de Joaquim Manuel Macedo

domingo, 29 de novembro de 2009

Joba Tridente: Penetrando o Azul


Penetrando o Azul
dez anos depois

Quando jovem, num testamento poético, perdido em algum dos meus arquivos, deixei-me todo para a ciência. Desde que as sobras fossem lançadas ao mar ou enterradas numa praia qualquer, para que a minha decomposição fosse como a minha composição, pensava.

Não temo a morte, ainda, apenas o não-morrer. Temo o entrave e a prisão egoísta do desejo humano obcecado pela matéria. Obcecado pelo desejo do significado do estar-vivo. Obcecado pela justificação irracional da razão da vida, mesmo da insignificante.

Hoje, quando penso na morte, e penso muito, no direito à morte, como um direito igual à vida, penso ainda no mar. Um mar azul que no horizonte se (con)fundisse aos céus. Um mar azul, águas calmas, talvez, espuma quente e branca, dessas de grudar na pele e deixar bolhas de ar, por onde pudesse sair caminhando, ondas, marolas adentro. Não olhar pra trás, apenas me deixar ir penetrando no azul. Não voltar. Apenas ir através do azul até sair em outra cor, que não sei qual. Não dizer adeus, porque não haveria a quem. Porque não haveria o porquê.

Não penso num mar verde, por que ele se (con)funde à mata, prisão de seres vegetais à terra. O mar verde apenas desperta o desejo de se fincar pé na areia e esperar que as coisas cheguem. Não que partam. Nem mesmo o coco verde, que despenca da árvore-mãe, na beirada da praia, gosta de deixar o seu litoral. Fica sempre por ali se deixando empurrar pelas ondas de encontro às pedras. A ele também é preferível a morte em terra, mesmo não buscando por ela, que se deixar rumar eternamente pelo verde em vicioso ciclo de eterno retorno. O coco verde teme o desconhecido porque não conhece o mar azul.

ilustração: foto de Joba Tridente - Pião

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Crítica: Arnold - Uma série família



Confesso que não morro de amores por seriados “cômicos” americanos com seu “humor” escatológico, cheio de trombadas e escorregões e falas idiotas (ou as americanalhices “nacionais”). Não importa se protagonizados por brancos, pretos ou mix pb, acho tudo uma chatura só. Talvez porque sejam dublados (odeio dublagem) e as traduções do tal “humor” (americano demais pro meu gosto) fiquem a desejar. Ou ficavam.

Recentemente, por mero acaso, conheci Arnold (Diff’erent Strokes/EUA-1978/1986), uma antiga série norte-americana e que só agora é apresentada no Brasil, em canal aberto. A produção tem o seu foco numa família formada por um riquíssimo empresário branco, Philip Drummond (Conrad Bain), pai de uma adolescente, Kimberly (Dana Plato), que decide adotar os dois filhos negros da sua recém falecida governanta: Arnold (Gary Coleman), de 8 anos, e Willis (Todd Bridges), de 13 anos. Os garotos pobres saem praticamente do Inferno pro Paraíso, já que, de uma hora pra outra, deixam a vida difícil do Harlen pra viver confortavelmente numa cobertura em New York.

Trinta anos depois da sua criação o texto do seriado continua atual, ágil e eficiente ao tratar de temas como sexualidade, corrupção, preconceito, alimentação, racismo, educação, esporte, escravidão, trabalho, intolerância etc. Arnod tem um humor saudável, mesmo quando toca na ferida das diferenças. A Família Drummond insiste na tecla da felicidade, mas seus representantes, principalmente na pele de Arnold (com tiradas sensacionais) e Willis, sabem que uma mudança de casa ou um banho de loja não apaga o passado. Ao se defrontar com as suas tradições, Arnold, Willis, Kimberly, crescem e descobrem, no seu dia a dia, que o mundo não é exatamente como eles imaginam, mas que pode ser diferente se a mudança começar dentro de casa ou da sala de aula ou ainda numa quadra esportiva.

O ponto alto da série está em levantar questões diversas e encontrar respostas corretas para elas. Pena que esta visão intelectual (1970/1980), que mistura excelente diversão com educação e sociabilidade, dificilmente (pra não dizer nunca) voltará a fazer presença nas séries de TV nos EUA ou (muito menos) por aqui, onde prevalece o “humor” na base do quanto maior e pior a baixaria, melhor. Infelizmente, no cotidiano escolar, profissional, doméstico é muito mais fácil falar (sem mesmo saber o que é) do que praticar o Politicamente Correto. Hoje o mau gosto predomina não apenas (e principalmente) na TV, mas na cultura geral. Infância e adolescência podem até ser temas recorrentes, mas movidos a tolices comerciais e conteúdo zero.

Longe das intelectolices comuns nas séries do gênero, principalmente nas atuais (onde as crianças são bobas e erotizadas), Arnold, à moda antiga, ainda é garantia de diversão certa para toda a família. O personagem não é um adulto em miniatura, mas, como toda criança nessa idade, dependendo do assunto, louco pra ser. Arnold (que fala sério sobre os mais diversos assuntos e com muito bom humor) passa no SBT, de 2ª a 6ª, por volta das 19h00, por enquanto. Porque, todo mundo sabe que no SBT tudo pode acontecer e a série pode sair do ar de uma hora pra outra ou mudar de horário ou sei lá... Ah, vale lembrar que a série já tem várias comunidades brasileiras na Internet, com revelações sobre os atores e o que aconteceu com a carreira de cada um com o fim do seriado há mais de 20 anos.

domingo, 1 de novembro de 2009

Joba Tridente: Hai-Kais de Novembro


do livro Quase Hai-Kai
de Joba Tridente - Kátharsis/2008



branca dor,

quase assim,

a morte.






quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Declaração dos Direitos Humanos


arte-postal: Débora/Projeto Formando Cidadã
Curitiba/PR - 2003/2004

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS
versão em linguagem simplificada, elaborada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos em celebração do 60º aniversário da Declaração Universal

01. Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
02. Toda pessoa deve possuir os mesmos direitos e liberdades, sem qualquer distinção.
03. Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
04. Ninguém será mantido em escravidão ou servidão.
05. Ninguém será submetido a torturas ou castigo cruel.
06. Todo ser humano será reconhecido como pessoa perante a lei.
07. Toda pessoa deve ser protegida igualmente perante a lei, sem discriminação.
08. Toda pessoa deve ter acesso à justiça para reparar violação dos seus direitos.
09. Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.
10. Toda pessoa tem direito a julgamento público, imparcial e justo.
11. Toda pessoa acusada será presumida inocente até que sua culpa seja provada.
12. Ninguém sofrerá interferências em sua vida privada, nem ataques a sua honra e reputação.
13. Toda pessoa tem o direito de ir e vir, bem como o de residir dentro ou fora de seu país.
14. Toda pessoa perseguida tem direito a procurar asilo em outro país.
15. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade.
16. Toda pessoa tem o direito de constituir família, mas não será obrigada a isso.
17. Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.
18. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião.
19. Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e de expressão.
20. Toda pessoa tem direito de se reunir e de se associar, pacificamente, não podendo ser obrigada a isso.
21. Toda pessoa tem direito de participar do governo, de ter acesso ao serviço público e de eleger livremente seus representantes.
22. Toda pessoa possui direitos econômicos, sociais e culturais.
23. Toda pessoa tem direito ao trabalho, a um salário justo e à sindicalização.
24. Toda pessoa tem direito ao repouso, ao lazer e a férias remuneradas.
25. Toda pessoa tem direito à saúde, ao bem-estar e à proteção social, principalmente as mães e as crianças.
26. Toda pessoa tem direito a uma educação de qualidade, que garanta o pleno desenvolvimento da personalidade humana.
27. Toda pessoa tem direito a participar da vida cultural e receber os benefícios do progresso da ciência.
28. Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional onde cada país respeite os princípios desta declaração.
29. Toda pessoa tem o dever de contribuir para que os direitos de todos sejam respeitados, conforme os princípios das Nações Unidas.
30. Nenhuma pessoa, grupo ou Estado poderá suprimir os direitos e liberdades estabelecidos nesta Declaração.

fonte: http://www.cinedireitoshumanos.org.br/

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Joba Tridente: Livros Encantados


Livros Encantados
Joba Tridente

Livros que falam. Livros em pano. Livros em plástico.
Livros que se montam. Desmontam. Fragmentam.
Livros que viram castelos. Que viram peixes. Viram cobras. Borboletas.
Livros pincelados de prata. Tinta metálica refletindo a luz na água, nas estrelas, no papel.
Livros que buscam a atenção total dos pequenos e iniciantes leitores, com ilustrações para todos os gostos. Com efeitos especiais para todos os bolsos. Sim, porque gosto e bolso nem sempre são compatíveis e/ou cabem na mesma carteira. Assim...

As boas ilustrações sempre foram um grande convite à leitura, para quem precisa de algum incentivo para abrir um livro e se deixar levar por emoções outras. A arte de ilustrar um texto para contar uma história ou ser a própria história sem qualquer texto, acompanha o homem, e alguns outros animais não-humanos, desde a pré-história. Não são poucos os animais não-homens que, no acasalamento, ilustram as suas qualidades com cantos, danças, vôos, construção de fantásticos abrigos ou ninhos e ensinam aos filhotes as cores e as texturas que diferenciam a caça boa da venenosa. Para muitos, a camuflagem é uma arte que faz todos parecerem ser o que nunca foram. Ilusão que acompanha textos, personagens, ilustrações e animais de todas as ordens, até os humanizados.

Muitos dizem que, antigamente (sempre lá!), um livro não precisava de tanto subterfúgio para chamar a atenção do pequeno leitor, explorando (por exemplo) ilustrações que desviassem a atenção do texto. Bastava ter uma boa história. Hoje é preciso muito mais que uma boa história. Ele tem que interagir. Ser mais que virtual. É a tal da multimídia influenciando o ato de ler, o ato de ver, o ato de ouvir uma história. As ilustrações que­ já foram básicas, em preto e branco ou coloridas, agora obedecem aos padrões (ou seria patrões?) do mercado das idades. O caminho que era suave, agora oferece curvas rápidas, encruzilhadas inesperadas. Frutos do nosso tempo que serão questionados amanhã, se não surtirem o efeito esperado pelos editores, autores e ilustradores.

Lia-se mais antes, é claro. Principalmente quem era do interior e não tinha e nem sabia o que era ou fazia uma televisão. Então, ocupava-se o tempo de uma forma diferente. Havia um mundo, além das ruas, cercas, muros e quintais, para ser descoberto e gibis (HQ) para serem lidos às escondidas. Havia a noitada de causos e outras histórias, vagando entre cadeiras esparramadas nas calçadas, no verão, ou aconchegadas na cozinha, junto ao fogão de pó de serra ou a lenha, no inverno. Havia a antologia escolar reunindo contos de autores nacionais e (principalmente) estrangeiros, cujos nomes nem eram citados. Ah, os belos livros das Fábulas de La Fontaine ilustrados por Gustave Doré! Para onde será que foi o tempo?

Hoje a imaginação é cada vez mais coletiva. Cada vez mais lugar comum. Mesmo que cada um continue sendo cada vez mais cada um. Ela já vem pronta para o consumo e ao gosto do freguês. Está ao toque do controle remoto ou do ‘rato’ do computador. Os ilustradores precisam bem mais que simples ousadia, se querem prender a atenção do leitor pelos olhos, pela cor, pelo som e (quem sabe?), pelo sabor, antes mesmo que pelo texto. A ‘embalagem’ de um produto para a educação ou puro lazer, é mais que fundamental para o sucesso de uma publicação. Os pequenos multimidiados leitores não querem menos. Não esperam menos, mesmo não sabendo o que esperar de um livro destinado ou imposto às suas idades.

ilustração: capa de Manoel Victor Filho

Joba Tridente: Livros Desencantados


Livros Desencantados
Joba Tridente

Pululam campanhas de incentivo à leitura nos meios de comunicação. São ótimas vitrines para se compreender as reações do ‘freguês’ leitor frente às novidades do mercado editorial, a cada dia mais voltado para a didática, a literatura infanto-juvenil e os livros da moda. Serão suficientes? Uma feira, mesmo de livros, cujos objetos do desejo custem os olhos da cara ou os dedos da mão, é lugar comum e sempre atrai um grande público curioso não acostumado a freqüentar as casas do ramo. Mas, e uma livraria que cresceu tanto (ou se metamorfoseou) ao ponto de virar um shopping de cultura, uma livraria-bar, um café-livraria, uma..., um sei lá o quê, atrairá quem? Curiosos? Botequeiros? Aborrescentes? Leitores “profissionais”, iniciantes e os de fim de semana? Custará mais barato um livro carregado em cestinha de compras? Ou será mera ilusão de cartão de crédito e cheque pré-datado?

No Brasil o custo de um bom livro é inalcançável até mesmo nos sebos, independente do ano de publicação, estilo, autor, moda, tiragem etc. Já os encalhes, responsáveis pela morte de tantas árvores, saem ao preço da fruta da temporada. E haja ciclo para tanto vício (ou seria o contrário?) explicitamente oculto sobre gastos e lucros editoriais. Nos casos em que o Domínio é Público, muitos leitores, tal e qual os saudosos autores, são dominados pelas grandes editoras: compra ou fica na vontade. É claro que existem alguns “Bancos de Livros” (Bibliotecas) que fazem empréstimo, permitem a pesquisa local. Porém, o bom leitor não gosta da leitura cronometrada. Da leitura com hora marcada. Da tensão da multa anunciada. Porque ler é mais que passar o tempo, resolver um trabalho escolar. Ler é trocar de lugar, de olhar, de pensar, de falar, de ser. Ler é alertar os sentidos sobre o estado de cada coisa mitificada na pergunta e mistificada na resposta. Portanto, um livro estar à disposição do leitor não é um privilégio e, sim, uma necessidade. Nem sempre possível, é claro. Mas uma necessidade igual a qualquer outra que mantém a vida em equilíbrio. É uma pena que poucos conheçam o prazer de caminhar entre prateleiras e ouvir o insinuante sussurro das vozes presas nos livros à espera de olhos ou mãos sedentas.

Não há dúvidas de que, para um amante de livros, um espaço com milhares de títulos distribuídos em estantes a se perder de vista, com salas de leituras e de lazer, é um convite à contemplação e impossível de ser recusado. É um reencontro com o tempo de folhear sem a preocupação de ter que ficar dando explicações ao vendedor-sombra: “Não, eu não preciso de ajuda!”. Mas se isso vai conquistar novos leitores ou trazer de volta os antigos só o tempo ou o bolso dirá.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Livro: Duluth, de Gore a Kaufman

capa: Ana Maria Duarte

dicas de leitura:
O Mundo de Gore Vidal e o Mundo de Charlie Kaufman

Tem gente que acha que o curioso filme Mais Estranho que a Ficção, de Marc Forster (Direção) e Zach Helm (Roteiro), bebe no mesmo copo de Charlie Kaufman: Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, Quero Ser John Malkovich e Adaptação. Será? Para quem não conhece ou nunca ouviu falar, sugiro a leitura de Duluth, de Gore Vidal, lançado no Brasil, pela Rocco, em 1987. Com sua língua afiadíssima Gore Vida nos oferece a paródia de uma cidade onde tudo, absolutamente tudo, pode acontecer. Ali, as pessoas não morrem, tornam-se personagens de seriado de TV, e os personagens literários se revoltam por ter de viver indefinidamente as mesmas histórias cada vez que alguém abre um livro. Isso quando não pulam de um livro para outro.

Joba Tridente: A maldição do círculo

Ilustração de Joba Tridente: Variação sobre a maçã - Falas ao Acaso

A maldição do círculo
ou os Tupyninguém

Eu tenho dúvidas se o correto seria maldição ou má dicção do círculo. Essa figura meta e física, ápice do conhecimento sagrado e profano, antes esotérica e hoje totalmente banalizada por uma tribo Tupyninguém que, de tão subdesenvolvida, subserviente e tacanha, autodenomina-se designer.

Dizem os estudiosos que a palavra designer (cuja pronúncia varia conforme a classe usuária: desainer, dessainer, disainer, dissainer, dezaine, dizaine, dezãin, dizãin...) vem do inglês de cima e significa o mesmo que o português de baixo: desenhista. No entanto, como os Tupyninguém são uma tribo de desentendidos, cada integrante dá à palavra de cima o significado que quiser no português de baixo. Para uns, designer quer dizer que o costureiro de ontem é hoje um estilista conceitualista de moda e o cabeleireiro é um arranjador conceitualista de cabelo. Para outros, designer quer dizer que o ilustrador e artista gráfico agora é um web-conceitualista de arte, ou que o desenhista industrial é um estilista conceitualista de produtos industriais, o decorador é um estilista conceitualista de interiores e a manicure é uma estilista conceitualista de mãos... E por aí vai, cada um se dando a graça de ser cada vez mais cada um no seu universo cada vez mais abarrotado de “unidades carbono” conceituais (ou seria designers?).

O que se passa na cabeça sempre colorida de um designer (reflexo contínuo da cabeça de outro designer) ao criar (?) uma marca para um produto e concluir que ao logotipo basta acrescentar um círculo, meio círculo, círculo entrelaçado ao círculo...? Céus e Infernos, será que esse indivíduo só aprendeu a fazer rodinhas na escola em que atravessou? Ou será que essas horrendas marcas (geralmente cópias de outras cópias) que a cada dia invadem os meios de comunicação, cegando, ensurdecendo, emudecendo o espectador distraído é mera brincadeira de mau gosto, um estilismo conceitual caduco, um teste de paciência para concluir até onde uma pessoa sã está atenta ao lixo visual?

De volta ao princípio questiono: Será o círculo uma maldição divina e/ou maligna, para testar os nossos sentidos? Será o designer tupyninguém um capacho inocente de forças desconhecidas (que abduziram a sua criatividade) ou um zumbi com má dicção, maldizendo o círculo em todas as suas (sic!) possibilidades de círculo? Socorro! Ou melhor, help!

ilustração de Joba Tridente - Variação sobre a maçã - 2009

Dito Assim: Guimarães Rosa

Foto de Joba Tridente: Ensaio 3 - Falas ao Acaso

Dito Assim...

Dito Assim são falas colhidas ao acaso, nas obras máximas de grandes autores. São convites à (re)leitura. São falas pra nunca esquecer.

Dito Assim por Riobaldo Tatarana a João Guimarães Rosa (1908-1967) - em Grande Sertão: Veredas – Editora Nova Fronteira – 18ª. Edição – 1985:

Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera.” - pg.267.
Estavam escutando sem entender, estavam ouvindo missa.” - pg.244

E, quando ele saía, o que ficava mais, na gente, como agrado em lembrança, era a voz. Uma voz sem pingo de dúvida, nem tristeza. Uma voz que continuava.” - pg.232

E de repente eu estava gostando dele, num descomum, gostando ainda mais do que antes, com meu coração nos pés, por pisável; e dele o tempo todo eu tinha gostado. Amor que amei – daí então acreditei. A pois, o que sempre não é assim?” - pg.223

Mas o mundo falava, e em mim tonto sonho se desmanchando, que se esfiapa com o subir do sol, feito neblina noruega movente no frio de agosto.” – pg.296

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Crítica: O Velho e o Mar


O Velho e o Mar
o filme que é o livro
O velho se chamava Santiago.
O menino se chamava Manolin.
O peixe era um gigantesco Marlin (Peixe Espada).

Muitos professores têm dificuldade em trabalhar e mesmo indicar uma obra literária (de qualidade) que fuja da obrigatória programação curricular. A verdade é que, mesmo tendo o copo com água nas mãos, grande parte deles morre de sede..., simplesmente por falta de informação e ou pior, de interesse. Quando professores, alunos e até autores de literatura dirigida ao público infanto-juvenil dizem que a literatura de Monteiro Lobato (que já no seu tempo ironizava sutilmente os Contos de Fadas, através do seu divertido alter ego emiliano, e que virou moda no fim do século passado) envelheceu e que o público leitor de hoje é outro e quer um texto mais contemporâneo..., há algo estranho no abcdiário do mundo escolar. Mas isso é assunto para outra conversa. Agora me interessa falar de cinema..., ou melhor, de obras literárias de qualidade que, transpostas para as telas de cinema, podem ser um diferencial no ensino de literatura.

Antigamente (nem tanto!), quando uma adaptação cinematográfica chegava próxima à qualidade do romance, dizia-se: Leia o livro e Veja o filme! Ou vice-versa. É claro que tal indicação não serve para todo e qualquer filme. Mas, nas exceções, poderá auxiliar uma aula marrenta onde as opções de leitura são poucas e a iniciativa dos alunos nenhuma. Um bom filme, baseado numa obra literária, clássica ou contemporânea, serve como ponto de partida, por exemplo, para incentivar a leitura da obra e discutir linguagens, narrativas, expressões artísticas. E ainda explorar as diferenças entre a “palavra falada” e a “palavra filmada”. Quando lê (ouve) uma obra literária o leitor (ouvinte) é o seu próprio banco de imagens e imagina o que lê, diferente ou muito além da sugestão do autor. Quando vê uma obra cinematográfica o espectador vê tão somente aquilo que o autor quer que ele veja, não há espaço para a imaginação. Diz-se que uma boa imagem vale mais que mil palavras. Mas, mil palavras podem suscitar mil imagens. Ou não?

No Brasil foram para as telas de cinema, por exemplo: O Saci (de Monteiro Lobato/Rodolfo Nanni-1953); Pluft, O Fantasminha (de Maria Clara Machado/Romain Lesage-1962); O meu Pé de Laranja Lima (de José Mauro de Vasconcelos/Aurélio Teixeira-1970); O Menino de Engenho (de José Lins do Rego/Walter Lima Jr.-1965); O Cavalinho Azul (de Maria Clara Machado/Eduardo Escorel-1984); A Ostra e o Vento (de Moacir C. Lopes/Walter Lima Jr.-1997). São filmes lúdicos e interessantes que tratam da relação das crianças e dos jovens com o seu mundo familiar, social e, principalmente, mágico..., obras que poderão ser comentadas futuramente. Assim como documentários importantes: Pro Dia Nascer Feliz (João Jardim) que traça um painel dos adolescentes nas escolas brasileiras, e Meninas (Sandra Werneck), que fala da gravidez na adolescência. Hoje o espaço é de O Velho e o Mar, obra máxima e atemporal de Hemingway.


“Tudo o que nele existia era velho,
com exceção dos olhos que eram da cor do mar,
alegres e indomáveis.”


Dia desses reli O Velho e o Mar, na tradução de Fernando Castro Ferro, para a publicação da Civilização Brasileira, em edição com belas ilustrações de C. F. Tunnicliffe e Raymond Sheppard, reproduzidas da edição inglesa. E também revi O Velho e o Mar, em duas versões cinematográficas, a de 1958, com direção de John Sturges, protagonizado por Spencer Tracy, e a antológica animação do diretor russo Aleksandr Petrov, o mestre que realiza os seus filmes pintando quadro a quadro sobre placa de vidro, e que foi ganhadora do Oscar em 2000. As duas belas obras, é bom que se diga, são bastante fiéis ao livro. Para ser sincero parecem o livro filmado/animado, com a mesma narrativa, inclusive. E aqui não vai nenhum demérito. Ao reler e rever as obras pensei que seria uma boa dica para quem busca novas formas de trabalhar a literatura em sala de aula.

O Velho e o Mar, a obra prima de Ernest Hemingway (1898/1961), é uma das mais belas histórias escritas sobre a amizade entre um velho e um menino e a relação deles com o mar. Ou, ainda, sobre a superação de todos os limites humanos impostos pela idade. Santiago é um velho pescador que vive numa vila de pescadores, no litoral de Cuba, onde é alvo de gozação dos companheiros. Ele não pesca um peixe há 84 dias e conta apenas com a amizade e solidariedade de Manolin, um garoto a quem ele ensinou o ofício e que foi tirado de seu barco e colocado em outro, pelo pai. Solitário, ingênuo e sonhador, Santiago tem uma relação fraternal de amizade com o mar, peixes e aves marítimas e se fortalece com as lembranças de um passado cheio de esperanças que compartilha com Manolin. O Velho e o Mar é uma obra breve que se lê sem querer largar em qualquer idade disponível.

Há quem confunda as obras e os filmes O Velho e o Mar (Hemingway/Sturges) e Moby Dick (Melville/Huston). Ambas falam de grandes pescadores e a vida nos grandes mares..., porém o diferencial está na poética narrativa de um e de outro. Em Moby Dick, de Herman Melville (1819/1891), que chegou aos cinemas em 1956, pelas mãos de John Huston (Ray Bradbury, poeta maior da ficção científica, colaborou no roteiro), praticamente trata de uma luta inglória, movida pela vingança desmedida de Ahab, o insano capitão de um baleeiro que cruza os mares à caça da grande baleia branca Moby Dick: “-Oh! Ahab – exclamou Starbuck – não é muito tarde, mesmo hoje, o terceiro dia, para desistir. Vê! Moby Dick não te procura. És tu, tu, que loucamente o buscas!” (tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos).

Em O Velho e o Mar a luta é outra. Não há vingança. Há um velho pescador que, após 84 dias sem nenhuma pesca, fisga um gigantesco Marlin e, ao mesmo tempo em que busca dominar o peixe, se desculpa com ele por ser obrigado a matá-lo. Santiago teme que o Marlin descubra que ele é apenas um pescador velho que, no momento, só pode contar com a sua experiência. No mar, assim como na vida, nem sempre vence o mais forte e nem sempre cabe, ao vencedor, o espólio da sua vitória. “Meu Deus, nunca pensei que ele fosse assim tão grande. Mas tenho de matá-lo, murmurou o velho. Em toda a sua grandeza e glória. Embora seja injusto. Mas vou mostrar-lhe o que um homem pode fazer e o que é capaz de aguentar.” (tradução de Fernando de Castro Ferro).

O Velho e o Mar, em livro e filmes, é uma obra sensível e de beleza visual impressionante. Não tem o ritmo do videogame, porque o seu tempo é outro, o da reflexão. Mas tem um ritmo que cada leitor/espectador deverá encontrar. Em O Velho e o Mar o que importa mesmo é a sua essência, mesmo que fragmentada.

Notas:- O Velho e o Mar, recebeu o Prêmio Pulitzer em 1952.
- Ernest Hemingway ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1954.
- Hemingway escreveu, entre outras obras: Adeus Às Armas, O Sol Também Se Levanta, Por Quem Os Sinos Dobram, O Jardin Do Éden.

domingo, 13 de setembro de 2009

Joba Tridente: Livros, pra que te quero


Livros, pra que te quero
Joba Tridente

Castro Alves disse: Ah bendito o que semeia livros.../ Livros à mão cheia.../ E manda o povo pensar./ O livro, caindo/ n’alma,/ É germe – que faz a palma./ É chuva – que faz o mar!Há alguns anos oriento oficinas e participo de projetos que incentivam a leitura e também a construção de Bibliotecas, semeando um livro aqui e outro ali. Esperando que os leitores colham sempre uma boa leitura. A boa safra não depende apenas da qualidade do livro semeado, mas do cuidado que cada um tem com a semente lançada e com a mente fértil a ser alcançada. Já encontrei muitos não-cidadãos, na esperança de encontrar cidadãos melhores. Mas continuo buscando, mesmo que aleatóriamente, como a palavra busca o seu texto.

Livros diversos são lançados Brasil adentro e Bibliotecas (a)colhidas Brasil afora. Mas não será o bastante, se o caminho até eles não for bem calçado e sinalizado. Uma estante de livros sem leitores é feito uma porta infestada de cupins, é cheia de trilhas, mas o seu miolo é podre. A leitura é um vício que purifica a mente. Assim como aquele ditado diz que "não se deve dar um peixe a um mendigo, mas, sim, ensiná-lo a pescar", penso que também não se deve impor um livro a um carente de conhecimento, mas oferecer-lhe um leque de prazerosas opções literárias. Uma, com certeza, será do seu agrado.

A propósito, falar de livros há um propósito: clamar ainda mais a criação e a construção de Bibliotecas por todo país. Bibliotecas móveis, que sigam veredas em qualquer lombo. Bibliotecas imóveis, erguidas em qualquer campo. Bibliotecas espalhadas em praias, rodoviárias, áreas de lazer. Bibliotecas começando num canto da casa, dentro de um caixote de madeira que servia hortaliças e agora serve fantasias. Bibliotecas carregadas em velhas caixas de maçãs, com os seus livros cheirando a maçãs. Bibliotecas para quem vê e para quem não vê. Bibliotecas para quem ouve e para quem não ouve. Bibliotecas para quem sabe e para quem quer saber. Bibliotecas para quem ainda não sabe o que quer.

A mente é como uma casa. Podemos arejá-la todos os dias. Ou deixá-la fechada e embolorada para sempre. Ler é reciclar a palavra infinitamente. Narrar é reciclar a palavra infinitamente.

Ilustração: Arte Postal: Mito (1986) - de Joba Tridente

domingo, 6 de setembro de 2009

Joba Tridente: Eros & Ética

Eros & Ética

Joba Tridente


1

Há meses um movimento de caça a livros de literatura diversa, à disposição básica de alunos fundamentais, e/ou distribuídos a bibliotecas e escolas, tropeçou e caiu no sul do país. E pensar que tudo começou por causa de um pequeno (?) erro, ou confusão (?) geográfica, num livro didático onde, parece que, a Venezuela estava no lugar da Argentina ou tinha duas Bolívias e sem o Peru ou era uma Argentina no lugar da Colômbia e outra no lugar do Paraguai ou..., cometido por algum americano do sul que, assim como a maioria dos americanos do norte, não tem a menor ideia do que existe depois (ou seria abaixo?) do México. A balbúrdia em torno do assunto até que serviu pra muita gente se lembrar o que existe ao lado esquerdo (ou seria direito?) do Brasil. Por certo muita gente nem sabia que a gente tinha tanto vizinho assim além da Argentina e dos dois Paraguais: um que vende bugiganga chinesa para sacoleiro e outro que vende bugiganga chinesa para lojistas.

2

E então, por conta da histórica geografia (ou seria matemática?), por curiosidade alguém resolveu se dar ao trabalho de também abrir e mesmo ler um livro (ôpa!) e outros, das publicações indicadas aos alunos do ensino fundamental e médio e aí: Minerva e Musas nos acudam! Em São Paulo, Santa Catarina e Paraná, “indiciados os escritores” (entre eles: Will Eisner, Dalton Trevisan, Manoel Barros, Cristóvão Tezza), foram recolhidos aquela obras literárias que tinham palavrinha, palavra e palavrão (de alto, médio e baixo calão?) e (obs)cenas eróticas e pornográficas que incomodam, e muito, principalmente os conservadores de ocasião e religiosos oportunistas que (re)conhecem libidinagem (estupro, incesto, pedofilia, violência gratuita) em obras literária alheias mas não na Bíblia que professam.

3

Diz, uma moral da mitologia judaico-cristã, que o mal não é o que entra, mas o que sai da boca do homem... No Brasil, onde a televisão veicula a qualquer hora do dia ou da noite, anúncios diversos, clipes musicais, programas macho-falocratistas, explorando a exaustão mulheres em trajes sumários (às vezes só com tapa sexo), ou nuas (no carnaval), e outros recheados com linguagem chula, briga de família, baixaria generalizada, erotização de crianças, violência explícita e manipulação de notícias, “telejornais” sangrentamente desgraçados, lavagem cerebral religiosa..., onde as bancas de revistas expõem jornais que exploram “profundamente” as tragédias humanas, revistas de nus ginecológicos e sexo explícito com seus dvds ao alcance de qualquer olhar e ao acesso de qualquer criança que anda pela rua ou fica em casa só, ou com bábá ou mesmo com os pais..., condenar autores e suas obras (por indicação/sugestão de leitura que não fizeram) é, no mínimo, doentio. Ou será que todo esse vômito fétido acima (ou seria em cima de todos nós?) pode, já que os responsáveis pelos filhos se desculpam (sempre!) refugiando no trabalho? Um erro não justifica outro. A catarse ou não de cada autor não acaba cortando-lhe a língua, furando-lhe os olhos, cortando-lhe as mãos..., o pensamento é livre e voa e, assim como o desejo, a curiosidade segue atrás com maior ou menor intensidade da proibição, uma hora ou outra!

Aos modos do “atire primeiro e pergunte depois”, infelizmente natural no país da truculência, onde impera a hipocrisia generalizada do “porque sim!”, foram executadas as obras e seus autores, pelo que escreveram ou sugeriram ou quiseram dizer, como se estes livros tivessem sido escritos para o uso didático da discórdia. Perdeu-se, aí, um precioso momento para se discutir, em sala de aula, literatura na sua forma global e seus detalhes de linguagem. A verdade é que, nessa hora, ninguém quer saber da linha evolutiva (existe?) da literatura brasileira!

4

Em fins da década de 1970, “brinquei”, para meu infortúnio, (mas não me arrependo!) com a retórica, em um artigo para o Correio Brazilense: Antes que a dialética se torne retórica e se entorne em eloquência. Na dúvida sobre a intenção do tema, e não muito versados em metáfora, os “home” dependuraram a matéria que falava de educação e política..., mas, ingenuamente, por acreditar em “A Ilha” (de Fidel Castro), exposta no livro de Fernando Morais..., meses depois me vi obrigado a sumir no mundo, indo trabalhar com Cooperativismo, em Ilhéus, na Bahia. No genial e obrigatório filme Entre os Muros da Escola, de Laurent Cantet, o professor François (François Bégaudeau) é “condenado” pela intenção de uma palavra não dita, mas entendida como dita. Ao se referir a um ato negativo cometidos por algumas alunas ele diz: - Vocês parecem vadias..., mas elas compreendem: - Vocês são vadias... Assim a questão (de semântica?) do não dito vira um mal dito num momento de tensão e frágil relacionamento entre professor e alunos excluídos socialmente.

5

Já vi criança de dois anos ingenuamente perguntar ao pai, em uma banca de jornais, se a mulher nua, exposta na capa de uma revista ia tomar banho. Em minhas andanças pelo interior do Paraná, orientando oficinas, já vi e ouvi criança de seis anos dizer coisas de arrepiar. Já assisti apavorante estranhamento entre professor e aluno em sala de aula. A criança é o eco dos pais (do país) e das mídias cada vez mais acessíveis. Hoje os tempos escolares são tão outros que há que se praticar uma nova didática. E praticar realmente não quer dizer teorizar.

6

Estamos vivendo uma época de burocratização generalizada tanto na cultura quanto na educação. Se a um artista não basta ser bom em sua arte, tem que se tornar uma empresa, ter CNPJ ou trabalhar para um atravessador cultural, um professor, se quiser melhorar o seu “salário”, tem que buscar novas certificações. E há todo um comércio de pós educação para todos os gostos, necessidades e bolsos..., como se fosse possível habilitar o inapto. Teoria nada prática da educação formal e muito menos informal. Não é fácil traduzir teorias, compilações, citações alheias, referências de uma monografia (jamais uma estéreografia) em algo realmente prático. Em tese não basta encontrar ou achar ter encontrado teóricas soluções miraculosas na burocracia da palavra. Palavras ao léu voam longe e nunca tocam o chão. Há que ser prático na educação escolar, na disposição da arte, da cultura, na vida escolar e familiar. É valorizar o acerto! É buscar o acerto no erro!

7

O que Eros e Ética têm a ver com educação, censura, literatura e infância, mídia e adolescência? Pergunte ao tempo!

ilustração: ding
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