domingo, 31 de julho de 2016

Augusto dos Anjos: Versos Íntimos

Augusto dos Anjos (1884-1914) é, sem dúvida, o mais original e inclassificável escritor brasileiro. Simbolista? Parnasiano? Pré-modernista? “Descoberto” primeiramente pelo público leitor e “tardiamente” pela crítica, sua obra, literalmente única, EU, lançada em 1912, ainda hoje provoca comoção e acirra ânimos dos teóricos da classificação literária. Dado a um grande leque de interpretações, seus poemas, por vezes amargos, líricos, mórbidos, científicos, soturnos, filosóficos..., podem (também) ser lidos como profunda crítica à sociedade de sua época, com respingos na de hoje.

Faz um tempinho que ando ensaiando uma publicação com os poemas de Augusto dos Anjos. A hora me apareceu agora, em oito postagens. Começo com o clássico Versos Íntimos, o seu poema mais popular.

Abaixo, após a biografia de Augusto dos Anjos, há uma série de links com sugestões de artigos sobre este autor de versos avassaladores, tão complexos quanto ternos, em sua angústia infinda, e cuja passagem pelo mundo foi meteórica..., porém profícua.


v e r s o s    í n t i m o s
Augusto dos Anjos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
o beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

*
foto de Joba Tridente - 2016
Projeto Imagem Aleatória em Pintura Aleatória


AUGUSTO de Carvalho Rodrigues DOS ANJOS (Engenho Pau D’Arco-PB, 1884 – Leopoldina-MG, 1914), bacharel em Direito, pela Faculdade de Direito do Recife, em 1907, se dedicou ao magistério, trabalhando no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, mais precisamente em Leopoldina, onde veio a falecer, em 1914, aos 30 anos, em consequência de pneumonia. Embora veiculasse seus poemas em diversos periódicos, desde 1900, só em 1912 publicou seu primeiro e único livro: EU.  Posteriormente o dramaturgo Órris Soares lançou a edição Eu e Outras Poesias, reunindo alguns poemas inéditos do amigo. Para os estudiosos a sua obra teria influência de Herbert Spencer, Ernst Haeckel, Arthur Schopenhauer, Edgar Allan-Poe... Se quiser conhecer melhor a poesia deste grande e melancólico autor brasileiro, sugiro um passeio pela internet, onde há muita análise e controvérsia sobre ele e sua fascinante e inigualável obra.



domingo, 24 de julho de 2016

Joba Tridente: INteRIor

Nas últimas duas semanas orientei, para crianças (algumas especiais) a partir dos seis anos de idade, Oficinas de Brinquedos e Bonecos feitos com material reciclável. Ao final, satisfeito com a realização da garotada e certo do dever cumprido, numa atividade cultural itinerante que desenvolvo há 21 anos e onde o aprendizado é contínuo, lembrei de uma das minhas surpreendentes viagens ao INteRIor...  



I N t e R I o r
Joba Tridente

domingo
fiéis apertam o passo
ou perdem a missa

na praça velha
assentos ofertados
são lápides estranhas

um engraxate dorme
no banco da sapataria
sonha lustrados sonhos

... outra vida

*
Joba Tridente: Poema (2001) e Ilustração (2013)



Joba Tridente, livre pensador livre, artesão de palavras e imagens. Em Verso: 25 Poemas Experimentais (1999); Quase Hai-Kai (1997, 1998 e 2004); em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida (2015); 101 Poetas Paranaenses (2014); Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu vejo da minha janela (2014); Ebulição da Escrivatura – 13 Poetas Impossíveis (1978); em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás (2000); Cidades Minguantes (2001); O Vazio no Olho do Dragão (2001). Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

sábado, 23 de julho de 2016

Seamus Heaney: Voltando da Republica da Consciência

Seamus Heaney é outro grande escritor que estrou conhecendo através da tradução de Marcílio Farias. Prêmio Nobel de 1995, Seamus Heaney (1939-2013) é considerado um dos poetas modernos mais influentes da Irlanda e uma das vozes mais importantes de nosso tempo. O poema From the Republic of Conscience - traduzido para o português (do Brasil) por Marcílio, com o título Voltando da Republica da Consciência - foi publicado em The Haw Lantern, Farrar-Strauss-& Giroux, NY 1989. A versão espanhola Desde la república de la conciencia é uma postagem de 25 de junho de 2007 do site Innisfree 1916, de Chesús Yuste Cabello, mas não sei se a tradução é dele. A mesma versão se encontra na edição digital gratuita Desde la república de la conciencia y otros poemas - Seamus Heaney, Irlanda - Muestrario de Poesía 40, editada em abril de 2009 pelo dominicano Aquiles Julián..., onde, infelizmente, também não consta o nome do tradutor.


       
  
Voltando da Republica da Consciência
de Seamus Heaney
em tradução livre de Marcílio Farias*

I
Quando aterrissei na republica da consciência e
As turbinas pararam, o silencio foi tão grande que
Pude ouvir o batuíra lá no alto voando sobre a pista

Na Imigração o agente era um velho que
De uma carteira antiga como seu casaco remendado
Tirou e mostrou a foto do meu avô

A mulher da alfandega pediu-me para declarar apenas
As palavras mais usadas para cura, e feitiços pra derrubar
Burrice e olho-grande

Vi nenhum porteiro. Nenhum intérprete. Nenhum taxi.
Cada qual carregava seu peso e viam com o tempo
Os privilégios e confortos desaparecerem.

II
Névoa é mau-presságio na republica. Raios
Anunciam o bem universal – e pais e mães
Enforcam nas arvores crianças bem agasalhadas durante tempestades

O símbolo nacional é um barco estilizado.
O símbolo da vela, uma orelha. O mastro, uma caneta torta.
O casco é uma boca. A quilha um olho arregalado.

Na posse, os políticos juram defender a
Lei natural e gemem lamentando a presunção orgulhosa
Dolorosa de desejar cargos públicos

E reafirmam sua fé de que a vida surge
Sempre do sal das lagrimas do deus-no-firmamento, lagrimas
Vertidas quando ele descobriu ser um deus eternamente solitário.

III
Eu retornei daquela republica frugal com
A mulher da alfandega liberando apenas a mim mesmo
E aos meus braços cansados

Um ancião olhou pra mim
E disse que essa volta equivalia a
Minha dupla-cidadania

E então recomendou que ao chegar em casa
Eu aceitasse ser o representante legitimo daquela terra
E mais um porta-voz

“as embaixadas deles estão em toda parte
E operam cada uma pro seu lado e
Nenhum embaixador jamais se aposenta...”

*
foto de Joba Tridente.2013

NOTA: Esta tradução não foi autorizada por ninguém. Mas gosto demais desse Irlandês. Nola, Julho de 2016. Marcilio Farias.



From the Republic of Conscience
by Seamus Heaney

I
“When I landed in the republic of conscience
it was so noiseless when the engines stopped
I could hear a curlew high above the runway.

At immigration, the clerk was an old man
who produced a wallet from his homespun coat
and showed me a photograph of my grandfather.
The woman in customs asked me to declare
the words of our traditional cures and charms
to heal dumbness and avert the evil eye.
No porters. No interpreter. No taxi.
You carried your own burden and very soon
your symptoms of creeping privilege disappeared.

II
Fog is a dreaded omen there but lightning
spells universal good and parents hang
swaddled infants in trees during thunderstorms.
Salt is their precious mineral. And seashells
are held to the ear during births and funerals.
The base of all inks and pigments is seawater.
Their sacred symbol is a stylized boat.
The sail is an ear, the mast a sloping pen,
the hull a mouth-shape, the keel an open eye.
At their inauguration, public leaders
must swear to uphold unwritten law and weep
to atone for their presumption to hold office -
and to affirm their faith that all life sprang
from salt in tears which the sky-god wept
after he dreamt his solitude was endless.

III
I came back from that frugal republic
with my two arms the one length, the customs
woman having insisted my allowance was myself.
The old man rose and gazed into my face
and said that was official recognition
that I was now a dual citizen.
He therefore desired me when I got home
to consider myself a representative
and to speak on their behalf in my own tongue.
Their embassies, he said, were everywhere
but operated independently
and no ambassador would ever be relieved.

publicado em 30.08.2013 no site Amnesty Iternational




Desde la República de la Conciencia
de Seamus Heaney
traducción (?)

I
Cuando aterricé en la república de la conciencia
y los motores se callaron, era tal el silencio
que pude escuchar el canto de un pájaro por encima de la pista.
El funcionario de inmigración, un hombre viejo,
extrajo una billetera de su abrigo tejido a mano
para mostrarme una fotografía de mi abuelo.
La mujer de la aduana me hizo declarar
las palabras de nuestros tradicionales rezos
contra el mal de ojo y de nuestros remedios para la mudez.
No hubo ningún portero. Ningún intérprete. Ni un taxi.
Uno llevaba su propio bulto y muy pronto desaparecían
los síntomas del recién adquirido privilegio.

II
Allá la neblina es un agüero temido, mas los rayos
anuncian la bonanza universal y los padres, durante la tempestad,
cuelgan a sus infantes en los árboles.
Su mineral precioso es la sal. Y ponen conchas marinas contra el oído
a la hora de los nacimientos y de los entierros.
Todos los pigmentos y tintas tienen por base el agua del mar.
Su símbolo sagrado es una barca estilizada.
La vela es una oreja y una pluma inclinada, el mástil.
El casco tiene forma de boca, la quilla es un ojo abierto.
Al asumir sus cargos, los funcionarios públicos
deben jurar su defensa de la ley no escrita, llorar
de vergüenza por atreverse a ocupar sus puestos
y afirmar su convicción de que la vida nació
de sal en las lágrimas derramadas por el Dios-del-cielo
cuando soñó que su soledad era infinita.

III
Regresé de aquella república frugal
con los dos brazos de igual tamaño, pues la aduanera insistía
que uno mismo representa el límite de los recursos permitidos.
El viejo se levantó, me miró a la cara y declaró
que en eso consistía el reconocimiento oficial
de que ahora disfrutaba de la doble nacionalidad.
Quiso por lo tanto que yo, al llegar a casa,
me considerara un representante de ellos
y que, usando mi propia lengua, hablara en su nombre.
Tenían embajadas, dijo, en todas partes, pero que cada una operaba independiente
y ningún embajador sería retirado jamás.

*
postagem de 25 de junho de 2007 no site Innisfree 1916



Seamus Heaney e seu retrato pintado por Colin Davidson.
Foto: Wikimedia Commons

SEAMUS HEANEY (Londonderry, 13.04.1939 - Dublin, 30.08.2013), poeta e escritor laureado com o Nobel de Literatura de 1995, é considerado um dos maiores autores irlandeses. A sua bibliografia é extensa. Sugiro a leitura de artigo e de biografia em Poetry Foundation: Seamus Heaney e Wikipedia: Seamus Heaney.


MARCÍLIO FARIAS é formado e pós-graduado pela UnB (Universidade de Brasília) em Jornalismo, Cinema e Filosofia. Em 1989 emigrou para os Estados Unidos. Vive e trabalha entre Natal (Brasil) e Phoenix-Miami-Boston (EUA). Obras publicadas/poesia: Visual Field (1996), Watermark Press, MD, EUA; O Livro Cor de Triângulo Cor-de-Rosa (2007), e Rito para Ressuscitar um Elefante (2010), ambos pela Scortecci Editora, São Paulo, Brasil. Link: Currículo completo. Poemas publicados no Falas ao Acaso: Moebius; Mandala; Passado incômodo; (John); Diálogo visto de longe na Praça de Sé.

sábado, 16 de julho de 2016

Jean Arthur Rimbaud: Antique

A tradução para o português do poema Antique, de Jean Arthur Rimbaud (1854-1891), presente em seu famoso Iluminações (1886), foi realizada recentemente pelo escritor Marcílio Farias.


















A N T I Q U E
de Jean Arthur Rimbaud
em tradução de Marcílio Farias

(Para aquele que sabe quem é)

Belo filho de Pan, com seu rosto coroado por
Pequenas flores e cerejas, seus olhos, preciosas
Esferas enxergando tudo. Desenhado como folhas do vinhedo
Seu rosto enigma brilha, como seus dentes e seu
Peito que tal qual uma harpa produz beleza que
Dança entre seus braços dourados. Um coração que
Bate entre o ventre e o sexo e se move
Uma perna, uma coxa, e depois a outra,
E depois a outra...


* a bela ilustração: Fauno, da artista plástica espanhola  Sarima,
é sugestão de Marcilio Farias.



A N T I Q U E
Jean Arthur Rimbaud

Gracieux fils de Pan! Autour de ton front couronné de fleurettes et de baies tes yeux, des boules précieuses, remuent. Tachées de lies brunes, tes joues se creusent. Tes crocs luisent. Ta poitrine ressemble à une cithare, des tintements circulent dans tes bras blonds. Ton coeur bat dans ce ventre où dort le double sexe. Promène-toi, la nuit, en mouvant doucement cette cuisse, cette seconde cuisse et cette jambe de gauche.



A N T I G U A
de Jean Arthur Rimbaud
en versión de Ramón Buenaventura

¡Gracioso hijo de Pan! En torno a tu frente coronada de florecillas y bayas, tus ojos, bolas preciosas, se mueven. Manchadas de heces oscuras, tus mejillas se hunden. Relucen tus colmillos. Te pecho se parece a una cítara, tintineos circulan por tus brazos rubios. El corazón te late en el vientre en que duerme el doble sexo. Paséate, de noche, moviendo suavemente el muslo, el segundo muslo y la pierna izquierda.


*
1. Jean-Nicolas Arthur Rimbaud (Charleville, 1854 - Marselha, 1891), poeta francês que, segundo Paul James, foi um “jovem Shakespeare”. Inconstante na arte da palavra e na vida desregrada, Rimbaud influenciou (e ainda inspira) muitos autores em todas as artes. O inquieto libertino viajou por meio mundo trabalhando como soldado, capataz de pedreira, mercador de armas e de especiarias, intérprete comercial.  Morreu de câncer aos 37 anos. É autor de Uma Estação no Inferno 1873), Poesia Completa (1895),  Iluminações (1886). Há farto material sobre o autor na web.

2. Marcílio Farias é formado e pós-graduado pela UnB (Universidade de Brasília) em Jornalismo, Cinema e Filosofia. Em 1989 emigrou para os Estados Unidos. Vive e trabalha entre Natal (Brasil) e Phoenix-Miami-Boston (EUA). Obras publicadas/poesia: Visual Field (1996), Watermark Press, MD, EUA; O Livro Cor de Triângulo Cor-de-Rosa (2007), e Rito para Ressuscitar um Elefante (2010), ambos pela Scortecci Editora, São Paulo, Brasil. Link: Currículo completo. Poemas publicados no Falas ao Acaso: Moebius; Mandala; Passado incômodo; (John); Diálogo visto de longe na Praça de Sé.

3. Ramón Buenaventura Sánchez Paños (Tánger-1940) es um escritor (poeta, novelista) y traductor literário español. Estudió en las facultades de Derecho y de Ciencias Políticas de la Universidad Complutense de Madrid, la Escuela Oficial de Idiomas, la Escuela de Psicología, la Escuela de Funcionarios Internacionales de la Escuela Diplomática de Madrid y en diversos centros especializados en mercadotecnia y administración de empresas. Hasta septiembre de 2009 fue profesor de Traducción Directa del Inglés y de Lengua Española en el CES Felipe II de Aranjuez, UCM. Durante muchos años fue profesor de Traducción Literaria en el Instituto de Traductores de la Facultad de Filología (UCM) y en 2010-2011 dirigió la cátedra de Escritura Creativa de la Universidad Europea de Madrid. Es autor de siete libros de poesía, cuatro novelas, un volumen de relatos, una biografía de Arthur Rimbaud, una antología de la joven poesía española escrita por mujeres; ha traducido, entre otros, a Arthur Rimbaud, Prosper Mérimée, Alain-Fournier, Sylvia Plath, Anthony Burgess, Kurt Vonnegut, Philip Roth, Jonathan Franzen, Don DeLillo, Francis Scott-Fitzgerald. Vive en Pozuelo de Alarcón (Madrid). Premios: Premio Villa de Madrid de Novela; Premio Fernando Quiñones de Novela; Premio Miguel Labordeta de Poesía; Premio Stendhal de traducción. Como sua biografia é extensa, sugiro uma visita ao Wikipédia: Ramón Buenaventura Sánchez Paños



domingo, 3 de julho de 2016

Joba Tridente: Coisa de Criança

É mês de julho. É mês de férias, no Brasil. A criançada se espalha alvoroçada pra todo lugar. Para algumas delas, eu vou orientar Oficinas Culturais de Bonecos e Brinquedos feitos com Material Reciclável. Mas, antes, uma pausa para uma lembrança lúdica da minha própria infância. Três instantes fugazes..., Coisa de Criança.



Coisa  de  Criança
Joba Tridente

I
Criança, olhava o céu. O azul era redondo e circular. Rasgando essa calma um fio longo de fumaça. Um rastro deixado por um jato. Não era sinal de morte ou do fim do mundo. Eu sabia. Os adultos não. Temiam o apocalipse. Não esperavam por invasão extraterrestre. Não o sabiam. Eu sim. Tentava imaginar como seria viver na lua ou em planetas que acreditava habitados. Perguntava se em outros planetas os dias e semanas seriam os mesmos. Seriam os mesmos também os fins de semana? Pensava nos sábados e domingos em outros planetas.

II
Criança, olhava o céu azul. O azul era infinito. Ou quase, não fosse rasgado por um arco de fumaça. Um fio algo algodão desfiado cruzando o espaço. Parecia sem começo e sem fim quando atravessava nuvens branquelas. Fora delas, às vezes, um ponto prateado traçava o caminho. Outras vezes, era como se nascesse de um buraco invisível.

III
Criança, olhava um arco de fumaça contornando o céu. Um arco de fumaça se desmanchando no céu. Nas pontas eu imaginava se teriam surpresas. Como no arco-íris. Talvez potes de prata. Sabia que antes que alguém ali chegasse o arco de fumaça já teria se misturado às nuvens ou desaparecido. E com ele todo e qualquer segredo. ..., Eu era criança.

*
JT - texto: 08.03.2000 e ilustração: 20.05.2011



Joba Tridente em Verso: 25 Poemas Experimentais (1999); Quase Hai-Kai (1997, 1998 e 2004); em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida (2015); 101 Poetas Paranaenses (2014); Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu vejo da minha janela (2014); Ebulição da Escrivatura - 13 Poetas Impossíveis (1978); em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás (2000); Cidades Minguantes (2001); O Vazio no Olho do Dragão (2001). Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

sábado, 2 de julho de 2016

Thomas Merton: Para Fazer Krishna Dormir

Enquanto não preparo nova seleção de poemas de Thomas Merton (1915-1968), fique com Para Fazer Krishna Dormir, em mais uma bela tradução livre de Marcílio Farias. As postagens anteriores você pode acessar aqui: Deus é Bom.












Para Fazer Krishna Dormir
de Thomas Merton
em tradução de Marcílio Farias

Esse acalanto para acabar com a tristeza dos mortais é
Pra você meu belo deus
Você que cavalga o Touro, você que cavalga o Grande Touro e a quem o meu amor
Chama Talelo.
Você cavalga enquanto eles matam porcos
E quebram os ossos e comem o tutano da Tristeza.
O Verbo Tamil amadurece no vento de explosões e aviações internas.
E você meu belo deus engatinha como um infante que
Sobrevive ao mundo em etapas de ruinas.
Mas não chore não Talelo,
O meu amor pelo seu amor tem frágeis pés de lótus
Como brotos recentes com
Sinetas no calcanhar para chamar as fadas.
Você veio beber água meu belo deus
E só encontrou leite envenenado.
Portanto chore não, belo amigo,
Os peixes fogem do arrozal e os lótus abertos
Bloqueiam o voo das abelhas
Enquanto as vacas sagradas se aproximam cheias
De leite cor de areia e amargura.
Você beija os pardais enquanto moedas tilintam na
Cintura e nos tornozelos das mulheres acorrentadas à esquinas
Você, meu belo, nu, e travesso semideus de
Olhos vermelhos e brotos de lótus e
Filhotes de leão aninhados aos seus pés que
Lavo no rio como as mulheres que não pintam
Os olhos por você.

*
ilustração de Joba Tridente.2016


NT: Thomas Merton morreu em 10 de Dezembro de 68 assassinado na Tailandia. Este poema foi escrito em 8 de Dezembro. Dois dias antes. Talelo é um nome fictício criado pelo Monge Feliz para Krishna. O Tamil é a tribo Dravda do Sul da India, para quem Krishna é a expansão plenária da beleza e do carinho humanos, diferentemente das tribos do Norte, para quem Krishna é uma divindade mais “abstrata”. Gudeman e Else veem aí uma semelhança grande com o Dioniso Zagreus de Euripides. Esse é um dos meus Poemas preferidos. O original de Merton não tem título, mas ele não faz oposição ao titulo que coloquei. Tenho certeza. Marcilio Farias
  
Thomas Merton  (1915-1968), escritor e monge trapista da Abadia de Getsêmani, Kentuchy, foi ativista social, pacifista e estudioso de religiões comparadas. Escreveu mais de setenta livros de prosa e verso, a maioria sobre espiritualidade. Em 1944 publicou Thirty Poems. O segundo livro, A Man in the Divided Sea, foi lançado em 1946. Entre suas obras de grande repercussão se destacam The Seven Storey Mountain (1948); No Man Is An Island (1955); The Way of Chuang Tzu (1965). Fontes: Wikipédia e Thomas Merton Center.

Marcílio Farias é formado e pós-graduado pela UnB (Universidade de Brasília) em Jornalismo, Cinema e Filosofia. Em 1989 emigrou para os Estados Unidos. Vive e trabalha entre Natal (Brasil) e Phoenix-Miami-Boston (EUA). Obras publicadas/poesia: Visual Field (1996), Watermark Press, MD, EUA; O Livro Cor de Triângulo Cor-de-Rosa (2007), e Rito para Ressuscitar um Elefante (2010), ambos pela Scortecci Editora, São Paulo, Brasil. Link: Currículo completo. Poemas publicados no Falas ao Acaso: Moebius; Mandala; Passado incômodo; (John); Diálogo visto de longe na Praça de Sé.
  
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...