terça-feira, 31 de março de 2020

José Luis Reina Palazón: Talking of Michelangelo



Conheci o poema Talking of Michelangelo, do premiado escritor e tradutor espanhol José Luis Reina Palazón, na Antologia 25 poemas sobre la ciudad -  en traducción de José Luis Reina Palazón, publicada em 2010, pela Ángulo Recto - Revista de estudios sobre la ciudad como espacio plural. A mim, o poema, original do livro Cuerpo inseguro (1999), soa tão atual nesses dias virulentos, que quis compartilhar a leitura.


                           

Talking of Michelangelo
José Luis Reina Palazón

In the room the women come and go/
talking of Michelangelo T.S. Eliot
The love song of J. Alfred Prufrock


Sobre la calle fría de la mañana
espera ya el dolor,
cotidiana es la muerte
y un aire barre lento tus palabras
como plumas de un ala
rotas sobre el asfalto.
Despierto está tu afán
que sin embargo sabes
a espaldas de tu sueño.
Imágenes, destellos,
figuras que traspasan,
ilusión que se afirma,
sombras que mueve el sol :
¿ vida ? - La hora
es breve. Alerta un ansia
fría cada paso. Cada sonrisa
leve oculta otra pasión.
Nadie entraña un anhelo.
Estos no van y vienen

talking of Michelangelo.
Tiempo es desilusión.

Transparente cristal,
duro de transparencia.
Y todo puede verse en un alba
de mayo: la rapidez, la precisión,
el gesto útil, la nítida eficiencia,
la solidez, el fracaso diario
de cualquier duelo,
la distinta tensión. No existe
el tiempo. Ni el alma se conoce.
Ni necesarios son. Los ojos,
sólo los ojos. Los ojos sólo
ven las miradas. Los ojos sólo
miran la atención. Los ojos
sólo atienden el vacío. Los ojos
están vacíos. Una manchita roja
en el asfalto. El aire limpio.
Las ventanas ciegan. Nadie
oye. ¿ Puede decirse nadie ?

Estos no van y vienen
talking of Michelangelo.

La noche está cortada
a la medida. Espera a cualquier hora
en las vitrinas. Mira.
El silencio es exacto.
No hay dudas. Toda la acción
de un cuerpo se proyecta sobre
su propia ausencia. Alma es
simulación. La perfección
del espanto. ¿ Qué has de sentir?
Nada puede tu vuelo.
Has de aceptar
la herida de la noche.
Es eterna. Y es tuya.
Queda sólo el dolor.
La angustia es compañera
y no hay distancia a la muerte.
En ella somos. En ella estamos.
Lejos no se oye el mar.

Estos no van y vienen
talking of Michelangelo.

*
ilustração.joba.tridente.2020



José Luis Reina Palazón (La Puebla de Cazalla – 20.04.1941) é escritor, ensaísta, filólogo clássico, filósofo e renomado tradutor espanhol. Autor de Piedra en el cielo (1976); Exodus (1981); El tiempo no pasa (1985); Exotarium I: La soledad del día (1990); Exotarium II: Cuerpo inseguro (1999), com obras publicadas em importantes antologias e revistas literárias estrangeiras, Reina Palazón se destaca também como tradutor de Boris Pasternak, Arthur Rimbaud, Paul Celan (obra completa), Stéphane Mallarmé, Jean Cocteau, Rainer María Rilke, Goethe, Anna Ajmatova, Samuel Becket, Georg Trakl, Anne Sexton (obra completa), Nelly Sachs (obra completa) Friederike Mayröcker, Herta Müller y Stefan George (obra completa). Pelas suas impecáveis traduções recebeu prêmios como Premio Ayuda a la Traducción de la Obra de Trakl del Ministerio Español de Cultura, 1991; Premio a la Traducción Literaria del Ministerio de Arte y Enseñanza de Austria, 1992; Premio a la Traducción de Anna Ajmátova del Festival de la Poesía de Oradea (Rumanía), 1997; Premio Nacional de Traducción a la mejor obra por las Obras Completas de Paul Celan, 2000; Premio Annibal Caro a la traducción de poesía italiana, 2003; Premio Nacional de Traducción por toda su obra, 2007.
Para saber mais: Antonio Miranda: Poesia Española: José Luis Reina Palazón; Dialnet: José Luis Reina Palazón; Trianarts: José Luis Reina Palazón; Youtube: José Luis Reina Palazón; Ángulo Recto: 25 poemas sobre la ciudad en traducción de José Luis Reina Palazón (download PDF).

quarta-feira, 11 de março de 2020

Adélia Prado: Bagagem do Coração



Adélia Prado é um dos maiores nomes da literatura brasileira. Escritora de prosa e verso, a sua impactante obra..., que traz um retrato bucólico e melancólico da natureza humana, com suas idiossincrasias a tangenciar a fé, a família e a sociedade ao redor..., já foi adaptada com muito sucesso para o teatro (Dona Doida e Duas Horas da Tarde no Brasil) e o balé (O Sempre Amor), mas nunca esteve por aqui, no Falas ao Acaso. Uma vez que há farto material de estudo sobre a sua arte literária, principalmente na internet (cito alguns links em para saber mais), vou me ater apenas à postagem, cujos poemas selecionei de Bagagem (Imago, 1975): Impressionista; Endecha das Três Irmãs; Ensinamento; e de O Coração Disparado (Nova Fronteira, 1978), que mereceu o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro: Linhagem; Roça.


     

IMPRESSIONISTA
Adélia Prado

Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.



ENDECHA DAS TRÊS IRMÃS
Adélia Prado

As três irmãs conversavam em binário lentíssimo.
A mais nova disse: tenho um abafamento aqui,
e pôs a mão no peito.
A do meio disse: sei fazer umas rosquinhas.
A mais velha disse: faço quarenta anos, já.
A mais nova tem a moda de ir chorar no quintal.
A do meio está grávida.
A mais cruel se enterneceu por plantas.
Nosso pai morreu, diz a primeira,
nossa mãe morreu, diz a segunda,
somos três órfãs, diz a terceira.
Vou recolher a roupa do quintal, fala a primeira.
Será que chove?, fala a segunda.
Já viram minhas sempre-vivas?, falou a terceira,
a de coração duro, e soluçou.
Quando a chuva caiu ninguém ouviu os três choros
dentro da casa fechada.



ENSINAMENTO
Adélia Prado

Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
‘Coitado, até essa hora no serviço pesado’.
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.



               

LINHAGEM
Adélia Prado

Minha árvore ginecológica
me transmitiu fidalguias,
gestos marmorizáveis:
meu pai, no dia do seu próprio casamento,
largou minha mãe sozinha e foi pro baile.
Minha mãe tinha um vestido só, mas
que porte, que pernas, que meias de seda mereceu!
Meu avô paterno negociava com tomates verdes,
não deu certo. Derrubou mato pra fazer carvão,
até o fim de sua vida, os poros pretos de cinza:
‘Não me enterrem na Jaguara. Na Jaguara, não.’
Meu avô materno teve um pequeno armazém,
uma pedra no rim,
sentiu cólica e frio em demasia,
no cofre de pau guardava queijo e moedas.
Jamais pensaram em escrever um livro.
Todos extremamente pecadores, arrependidos
até a pública confissão de seus pecados
que um deles pronunciou como se fosse todos:
‘Todo homem erra. Não adianta dizer eu
porque eu. Todo homem erra.
Quem não errou vai errar.’
Esta sentença não lapidar, porque eivada
dos soluços próprios da hora em que foi chorada,
permaneceu inédita, até que eu,
cuja mãe e avós morreram cedo,
de parto, sem discursar,
a transmitisse a meus futuros,
enormemente admirada
de uma dor tão alta,
de uma dor tão funda,
de uma dor tão bela,
entre tomates verdes e carvão,
bolor de queijo e cólica.



ROÇA
Adélia Prado

No mesmo prato
o menino, o cachorro e o gato.
Come a infância do mundo.


*
ilustrações.joba.tridente.2020


Adélia Luzia Prado Freitas (Divinópolis-MG: 13.12.1935) é escritora de prosa e verso e filósofa. A sua obra desconcerta e emociona o leitor ao falar das idiossincrasias das mulheres e dos homens interiores. É da sua autoria em poesia: Bagagem (Imago, 1975); O Coração Disparado (Nova Fronteira, 1978); Terra de Santa Cruz (Nova Fronteira, 1981); O Pelicano (Rio de Janeiro, 1987); A Faca no Peito (Rocco, 1988); Oráculos de Maio (Siciliano, 1999); Louvação para uma Cor (?); A duração do dia (Record, 2010); Miserere (Record, 2013); em prosa; Solte os Cachorros (Nova Fronteira, 1979); Cacos para um Vitral (Nova Fronteira, 1980); Os Componentes da Banda (Nova Fronteira, 1984); O Homem da Mão Seca (Siciliano, 1994); Manuscritos de Filipa (Siciliano, 1999); Filandras (Record, 2001); Quero minha mãe (Record, 2005); Quando eu era pequena (2006);
Para saber mais: Wikipédia: Adélia Prado; Releituras; Adélia Prado; UAI: Adélia Prado defende o poder da arte de motivar o cidadão para enfrentar a crise; Revista Versalete: Valentina Thibes Dalfovo: Melhor é ser: a (anti)modernidade na obra poética de Adélia Prado; Maira Carmo Marquez: A poesia de Bagagem, de Adélia Prado; Livre Opinião; “Poesia reunida” para celebrar os 80 anos de Adélia Prado; Rodrigo Portella e Ana Lúcia de Araújo Portes:  Profano-Cotidiano-Sagrado: A Poesia de Adélia Prado em Diálogo com Mircea Eliade; Raimunda Alvim Lopes Bessa: A Arte de Um Vitral: fragmentos do cotidiano em Adélia Prado; Leila Cristina Fajardo Nicolitto: Adélia Prado e o Diálogo Com Mulheres Bíblicas; Maraisa Daiana da Silva Freire e Talita Dias Tomé: Bagagem, de Adélia Prado: O Lugar da Família; Ana Lúcia de Araújo Portes: Adélia Prado: Um olhar sobre o sagrado no cotidiano;; Fabio Scorsolini-Comin e Manoel Antônio dos Santos: A etérea duração do dia: gênero na poética encarnada de Adélia Prado; Paloma do Nascimento Oliveira: Cotidiano, religiosidade e erotismo em Adélia Prado; Antonio Miranda: Adélia Prado; Sandra Mara Stroparo: O espelho de vênus, poesia e experiência em Adélia Prado; Felipe Fortuna: As Contradições de Deus (sobre  a poesia de Adélia Prado); Memória e Pensamento - Carlos Neiva: A Teologia dos Versos de Adélia Prado; Aline Gisele Roskosz B.: A presença imagística da natureza na poesia de Adélia Prado - um diálogo com a ecocrítica; Vilson de Oliveira: Ecos na Poesia de Adélia Prado; Cândido: Entrevista: Adélia Prado - Sem Ponto Final; Germina: Entrevista: Adélia Prado; Tiro de Letra: Adélia Prado no Roda Viva; Templo Cultural Delfos: Adélia Prado - o poder humanizador da poesia.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...