Amigos
Blogueiros e Amantes da Cultura e do Esporte, este é um texto para uma reflexão
conjunta. Não se trata de “apelo regionalista”, mas percebo uma falta de
equilíbrio nas ações e posturas, que nos permitam respeitar efetivamente a
diversidade. Nada mais do que isso. Alfredo
Bertini
Uma
Avenida Que Não É Brasil
Uma Reflexão da Realidade Televisiva através
das Novelas e do Futebol
Alfredo
Bertini
Que a novela “Avenida Brasil”
tem sido mais uma prova de conhecimento tecnológico e de domínio de produção da
Rede Globo, isso é um fato concreto e para mim digno de todos os elogios. Nesse
campo, não consigo me desvencilhar do empreendedorismo e da competência
profissional, elementos que projetam a Globo como uma referência mundial, em termos
de indústria audiovisual. De fato, tudo é mesmo realizado com muito esmero, algo
bem disseminado pelo chamado padrão Globo de qualidade. E em matéria de produção de novelas, não há
nada igual, que possa ser visto com esse mesmo padrão, na televisão que se
difunde e se vê pelo mundo. No entanto, a questão que mereceria uma reflexão
mais atenta, inclusive da parte da própria emissora, diz respeito a um velho tema
associado ao conteúdo de exibição. Não intenciono aqui inserir qualquer
discussão política sobre o raro espaço da produção independente. O propósito
não é esse. Prefiro expor outra questão sobre o conteúdo, agora oriunda de
algumas referências do próprio “padrão Globo de qualidade”. Para isso, a atual novela das 9 horas,
“Avenida Brasil”, pode-me servir de parâmetro, apenas para o que pretendo aqui
por em discussão.
Numa primeira percepção sobre
o que pode induzir o título da novela, a questão a destacar é que a denominação
“Brasil” poderia - num primeiro momento - dá uma conotação da “realidade
brasileira”, uma espécie de extrato social segmentado, dado esse universo
plural que é a “cara do Brasil”. Contudo, apesar da trama muito bem elaborada e
que prende a atenção do espectador, a novela repete a singularidade das
inúmeras “produções da casa”, que insiste em enxergar a “realidade carioca”
como se esta pudesse ser uma bela amostragem desse caleidoscópio chamado
Brasil. Ou seja, a “avenida” que poderia mesmo expressar uma face bem mais
brasileira, não esconde mesmo sua intenção de mostrar o “carioca way of life”. E mesmo que a temática traga o interessante
aspecto dos emergentes, da recente ascensão social das classes C e D, o fato é
que a essência é típica e unicamente carioca. Não há como esconder essa
realidade. Até mesmo em outras produções passadas, quando se via uma associação
ao modus vivnedi da classe média, o retrato era o da Zona Sul do Rio, captado através
das lentes do Leblon, de Ipanema ou da Barra. E por mais que a trama fosse típica da classe
média, o certo é que essa realidade carioca não poderia ter sido extrapolada
para bairros e/ou comunidades semelhantes, em metrópoles como Porto Alegre,
Belo Horizonte ou Recife. O viés cultural é outro, absolutamente diferente em
cada metrópole.
É evidente que não há como
negar a importância dos valores culturais “desse jeito carioca de ser”. Afinal,
o Rio de Janeiro representa um traço marcante da própria cultura do país. O que
me incomoda, particularmente, é esse “esforço” de universalizar os padrões
culturais, como se fosse possível fazer com que todos pudessem “calçar apenas o
número 40”. Naturalmente, que não só os
pés de cada um são desiguais, pois ainda bem que, na essência, somos cidadãos bastante
diferentes, com hábitos e costumes de enorme variedade. Mesmo que sustentado
por uma unidade lingüística fabulosa, temos que reconhecer nossas diferenças
como uma riqueza ímpar, capaz de invejar quem não as têm.
Diante dessa configuração,
seria natural se buscar fórmulas e modelos que permitissem preservar esse
valor, que se expressa num patrimônio imaterial que como diz a campanha de
certo cartão de crédito: não tem preço. Portanto, uma novela com a aceitação e
o reconhecimento de “Avenida Brasil”, poderia contar com um conceito ainda mais
ampliado, caso levasse em conta toda diversidade desses valores. Não me parece
um fato louvável constatar que muitos dos seus personagens entoam vozes e
exercitam hábitos que são exageradamente cariocas, em vez de se buscar posturas
um pouco mais equilibradas, diria que “universais”, para que pudessem ser
refletidas em qualquer cidadão brasileiro, em qualquer grande cidade. Assim, a
música, os prazeres gastronômicos, as preferências pelos clubes de futebol,
tudo é desencadeado como se o Rio de Janeiro fosse uma “amostra perfeita do
Brasil”. Essa falha está tão gritante, que até mesmo personagens imigrantes
esquecem seus sotaques convencionais. Basta ver o “palavreado” da “boliviana
periguete” da própria novela “Avenida Brasil”, que parece ter assimilado
rapidamente a maneira carioca de se falar, em pleno subúrbio. Numa outra perspectiva, em plena ficção da
releitura televisiva de “Gabriela” – e justo na Bahia de Amado – e estranho
acompanhar o “turco Nacib” num palavreado “meio carioca de ser”, que nada tem a
ver. Nem com o sotaque turco. Nem com o sotaque da “boa terra”.
Se extrapolarmos essa abordagem
para o aspecto cultural do futebol, por exemplo, o assunto ganha uma dimensão
muito maior e muito mais preocupante. Não são apenas os personagens das novelas
os que exprimem suas preferências, notórias com o trajar das camisas, o falar
ou o posicionamento estratégico em cena, de bandeiras ou outros objetos dessa
paixão de torcedor. Até fora da ficção, dentro da própria programação
jornalística, cansamos de assistir “cenas explícitas” de preferências
tendenciosas. Pode-se chegar a casos de fanatismo ou ufanismo, fora de qualquer
consideração e respeito às demais torcidas. Se já não bastasse a injusta forma
de distribuição dos recursos da própria televisão, enquanto maior fonte de
recursos injetados no futebol, ainda ter que tolerar “excessos” sutilmente colocados
no bojo de toda programação, termina sendo uma afronta. Recentemente, num dos
portais mais demandados do país, uma matéria expôs que num levantamento feito
pelo controle de qualidade da concorrência, no dia seguinte ao da conquista do
Corinthians, foi dedicado pela Globo algo como 48% da sua programação, apenas
para repercutir o fato.
Em suma: na ficção, excessos
na forma de personagens-torcedores que incorporam seus momentos de paixão
carioca, quase sempre na condição de flamenguistas. No jornalismo: excesso de
jornadas esportivas, com transmissões quase exclusivas de cubes cariocas e
paulistas, numa demonstração subliminar de efetivação de um poder de domínio
destes clubes sobre o “mercado”. Às culturas regionais, representadas pelos
“torcedores periféricos”, só lhes restam o caminho do cadafalso.
Essa maneira de se enxergar o
Brasil somente pelas lentes do eixo penso que seja a preocupação maior expressa
diariamente pelo conteúdo televisivo. O nosso país é muito grande e tão
diferenciado, que tratá-lo nessa essência é um verdadeiro atentado cultural. Um
fenômeno que pode ser mortal, pois pode
nos levar a perder os tantos sentidos de uma identidade cultural tão valiosa.
Alfredo
Bertini é economista,
produtor cultural e desportista.
ilustração: Bola Murcha - Joba Tridente
foto: Avenida Brasil - (?) web
Nenhum comentário:
Postar um comentário