domingo, 6 de setembro de 2009

Joba Tridente: Eros & Ética

Eros & Ética

Joba Tridente


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Há meses um movimento de caça a livros de literatura diversa, à disposição básica de alunos fundamentais, e/ou distribuídos a bibliotecas e escolas, tropeçou e caiu no sul do país. E pensar que tudo começou por causa de um pequeno (?) erro, ou confusão (?) geográfica, num livro didático onde, parece que, a Venezuela estava no lugar da Argentina ou tinha duas Bolívias e sem o Peru ou era uma Argentina no lugar da Colômbia e outra no lugar do Paraguai ou..., cometido por algum americano do sul que, assim como a maioria dos americanos do norte, não tem a menor ideia do que existe depois (ou seria abaixo?) do México. A balbúrdia em torno do assunto até que serviu pra muita gente se lembrar o que existe ao lado esquerdo (ou seria direito?) do Brasil. Por certo muita gente nem sabia que a gente tinha tanto vizinho assim além da Argentina e dos dois Paraguais: um que vende bugiganga chinesa para sacoleiro e outro que vende bugiganga chinesa para lojistas.

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E então, por conta da histórica geografia (ou seria matemática?), por curiosidade alguém resolveu se dar ao trabalho de também abrir e mesmo ler um livro (ôpa!) e outros, das publicações indicadas aos alunos do ensino fundamental e médio e aí: Minerva e Musas nos acudam! Em São Paulo, Santa Catarina e Paraná, “indiciados os escritores” (entre eles: Will Eisner, Dalton Trevisan, Manoel Barros, Cristóvão Tezza), foram recolhidos aquela obras literárias que tinham palavrinha, palavra e palavrão (de alto, médio e baixo calão?) e (obs)cenas eróticas e pornográficas que incomodam, e muito, principalmente os conservadores de ocasião e religiosos oportunistas que (re)conhecem libidinagem (estupro, incesto, pedofilia, violência gratuita) em obras literária alheias mas não na Bíblia que professam.

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Diz, uma moral da mitologia judaico-cristã, que o mal não é o que entra, mas o que sai da boca do homem... No Brasil, onde a televisão veicula a qualquer hora do dia ou da noite, anúncios diversos, clipes musicais, programas macho-falocratistas, explorando a exaustão mulheres em trajes sumários (às vezes só com tapa sexo), ou nuas (no carnaval), e outros recheados com linguagem chula, briga de família, baixaria generalizada, erotização de crianças, violência explícita e manipulação de notícias, “telejornais” sangrentamente desgraçados, lavagem cerebral religiosa..., onde as bancas de revistas expõem jornais que exploram “profundamente” as tragédias humanas, revistas de nus ginecológicos e sexo explícito com seus dvds ao alcance de qualquer olhar e ao acesso de qualquer criança que anda pela rua ou fica em casa só, ou com bábá ou mesmo com os pais..., condenar autores e suas obras (por indicação/sugestão de leitura que não fizeram) é, no mínimo, doentio. Ou será que todo esse vômito fétido acima (ou seria em cima de todos nós?) pode, já que os responsáveis pelos filhos se desculpam (sempre!) refugiando no trabalho? Um erro não justifica outro. A catarse ou não de cada autor não acaba cortando-lhe a língua, furando-lhe os olhos, cortando-lhe as mãos..., o pensamento é livre e voa e, assim como o desejo, a curiosidade segue atrás com maior ou menor intensidade da proibição, uma hora ou outra!

Aos modos do “atire primeiro e pergunte depois”, infelizmente natural no país da truculência, onde impera a hipocrisia generalizada do “porque sim!”, foram executadas as obras e seus autores, pelo que escreveram ou sugeriram ou quiseram dizer, como se estes livros tivessem sido escritos para o uso didático da discórdia. Perdeu-se, aí, um precioso momento para se discutir, em sala de aula, literatura na sua forma global e seus detalhes de linguagem. A verdade é que, nessa hora, ninguém quer saber da linha evolutiva (existe?) da literatura brasileira!

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Em fins da década de 1970, “brinquei”, para meu infortúnio, (mas não me arrependo!) com a retórica, em um artigo para o Correio Brazilense: Antes que a dialética se torne retórica e se entorne em eloquência. Na dúvida sobre a intenção do tema, e não muito versados em metáfora, os “home” dependuraram a matéria que falava de educação e política..., mas, ingenuamente, por acreditar em “A Ilha” (de Fidel Castro), exposta no livro de Fernando Morais..., meses depois me vi obrigado a sumir no mundo, indo trabalhar com Cooperativismo, em Ilhéus, na Bahia. No genial e obrigatório filme Entre os Muros da Escola, de Laurent Cantet, o professor François (François Bégaudeau) é “condenado” pela intenção de uma palavra não dita, mas entendida como dita. Ao se referir a um ato negativo cometidos por algumas alunas ele diz: - Vocês parecem vadias..., mas elas compreendem: - Vocês são vadias... Assim a questão (de semântica?) do não dito vira um mal dito num momento de tensão e frágil relacionamento entre professor e alunos excluídos socialmente.

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Já vi criança de dois anos ingenuamente perguntar ao pai, em uma banca de jornais, se a mulher nua, exposta na capa de uma revista ia tomar banho. Em minhas andanças pelo interior do Paraná, orientando oficinas, já vi e ouvi criança de seis anos dizer coisas de arrepiar. Já assisti apavorante estranhamento entre professor e aluno em sala de aula. A criança é o eco dos pais (do país) e das mídias cada vez mais acessíveis. Hoje os tempos escolares são tão outros que há que se praticar uma nova didática. E praticar realmente não quer dizer teorizar.

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Estamos vivendo uma época de burocratização generalizada tanto na cultura quanto na educação. Se a um artista não basta ser bom em sua arte, tem que se tornar uma empresa, ter CNPJ ou trabalhar para um atravessador cultural, um professor, se quiser melhorar o seu “salário”, tem que buscar novas certificações. E há todo um comércio de pós educação para todos os gostos, necessidades e bolsos..., como se fosse possível habilitar o inapto. Teoria nada prática da educação formal e muito menos informal. Não é fácil traduzir teorias, compilações, citações alheias, referências de uma monografia (jamais uma estéreografia) em algo realmente prático. Em tese não basta encontrar ou achar ter encontrado teóricas soluções miraculosas na burocracia da palavra. Palavras ao léu voam longe e nunca tocam o chão. Há que ser prático na educação escolar, na disposição da arte, da cultura, na vida escolar e familiar. É valorizar o acerto! É buscar o acerto no erro!

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O que Eros e Ética têm a ver com educação, censura, literatura e infância, mídia e adolescência? Pergunte ao tempo!

ilustração: ding

2 comentários:

  1. Cristiane C. Müller1 de outubro de 2009 às 10:58

    Este blog ficou divino!!!!! Espero que um dia consiga criar o meu, sei que este dia está próximo. Bjs Cris

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  2. Oi, Cris.
    Obrigado pela visita. E pelo elogio.
    Eu espero que consiga criar o seu blog.
    E me avise, pra passear por lá.

    Bjs.

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