quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Crítica: O Velho e o Mar


O Velho e o Mar
o filme que é o livro
O velho se chamava Santiago.
O menino se chamava Manolin.
O peixe era um gigantesco Marlin (Peixe Espada).

Muitos professores têm dificuldade em trabalhar e mesmo indicar uma obra literária (de qualidade) que fuja da obrigatória programação curricular. A verdade é que, mesmo tendo o copo com água nas mãos, grande parte deles morre de sede..., simplesmente por falta de informação e ou pior, de interesse. Quando professores, alunos e até autores de literatura dirigida ao público infanto-juvenil dizem que a literatura de Monteiro Lobato (que já no seu tempo ironizava sutilmente os Contos de Fadas, através do seu divertido alter ego emiliano, e que virou moda no fim do século passado) envelheceu e que o público leitor de hoje é outro e quer um texto mais contemporâneo..., há algo estranho no abcdiário do mundo escolar. Mas isso é assunto para outra conversa. Agora me interessa falar de cinema..., ou melhor, de obras literárias de qualidade que, transpostas para as telas de cinema, podem ser um diferencial no ensino de literatura.

Antigamente (nem tanto!), quando uma adaptação cinematográfica chegava próxima à qualidade do romance, dizia-se: Leia o livro e Veja o filme! Ou vice-versa. É claro que tal indicação não serve para todo e qualquer filme. Mas, nas exceções, poderá auxiliar uma aula marrenta onde as opções de leitura são poucas e a iniciativa dos alunos nenhuma. Um bom filme, baseado numa obra literária, clássica ou contemporânea, serve como ponto de partida, por exemplo, para incentivar a leitura da obra e discutir linguagens, narrativas, expressões artísticas. E ainda explorar as diferenças entre a “palavra falada” e a “palavra filmada”. Quando lê (ouve) uma obra literária o leitor (ouvinte) é o seu próprio banco de imagens e imagina o que lê, diferente ou muito além da sugestão do autor. Quando vê uma obra cinematográfica o espectador vê tão somente aquilo que o autor quer que ele veja, não há espaço para a imaginação. Diz-se que uma boa imagem vale mais que mil palavras. Mas, mil palavras podem suscitar mil imagens. Ou não?

No Brasil foram para as telas de cinema, por exemplo: O Saci (de Monteiro Lobato/Rodolfo Nanni-1953); Pluft, O Fantasminha (de Maria Clara Machado/Romain Lesage-1962); O meu Pé de Laranja Lima (de José Mauro de Vasconcelos/Aurélio Teixeira-1970); O Menino de Engenho (de José Lins do Rego/Walter Lima Jr.-1965); O Cavalinho Azul (de Maria Clara Machado/Eduardo Escorel-1984); A Ostra e o Vento (de Moacir C. Lopes/Walter Lima Jr.-1997). São filmes lúdicos e interessantes que tratam da relação das crianças e dos jovens com o seu mundo familiar, social e, principalmente, mágico..., obras que poderão ser comentadas futuramente. Assim como documentários importantes: Pro Dia Nascer Feliz (João Jardim) que traça um painel dos adolescentes nas escolas brasileiras, e Meninas (Sandra Werneck), que fala da gravidez na adolescência. Hoje o espaço é de O Velho e o Mar, obra máxima e atemporal de Hemingway.


“Tudo o que nele existia era velho,
com exceção dos olhos que eram da cor do mar,
alegres e indomáveis.”


Dia desses reli O Velho e o Mar, na tradução de Fernando Castro Ferro, para a publicação da Civilização Brasileira, em edição com belas ilustrações de C. F. Tunnicliffe e Raymond Sheppard, reproduzidas da edição inglesa. E também revi O Velho e o Mar, em duas versões cinematográficas, a de 1958, com direção de John Sturges, protagonizado por Spencer Tracy, e a antológica animação do diretor russo Aleksandr Petrov, o mestre que realiza os seus filmes pintando quadro a quadro sobre placa de vidro, e que foi ganhadora do Oscar em 2000. As duas belas obras, é bom que se diga, são bastante fiéis ao livro. Para ser sincero parecem o livro filmado/animado, com a mesma narrativa, inclusive. E aqui não vai nenhum demérito. Ao reler e rever as obras pensei que seria uma boa dica para quem busca novas formas de trabalhar a literatura em sala de aula.

O Velho e o Mar, a obra prima de Ernest Hemingway (1898/1961), é uma das mais belas histórias escritas sobre a amizade entre um velho e um menino e a relação deles com o mar. Ou, ainda, sobre a superação de todos os limites humanos impostos pela idade. Santiago é um velho pescador que vive numa vila de pescadores, no litoral de Cuba, onde é alvo de gozação dos companheiros. Ele não pesca um peixe há 84 dias e conta apenas com a amizade e solidariedade de Manolin, um garoto a quem ele ensinou o ofício e que foi tirado de seu barco e colocado em outro, pelo pai. Solitário, ingênuo e sonhador, Santiago tem uma relação fraternal de amizade com o mar, peixes e aves marítimas e se fortalece com as lembranças de um passado cheio de esperanças que compartilha com Manolin. O Velho e o Mar é uma obra breve que se lê sem querer largar em qualquer idade disponível.

Há quem confunda as obras e os filmes O Velho e o Mar (Hemingway/Sturges) e Moby Dick (Melville/Huston). Ambas falam de grandes pescadores e a vida nos grandes mares..., porém o diferencial está na poética narrativa de um e de outro. Em Moby Dick, de Herman Melville (1819/1891), que chegou aos cinemas em 1956, pelas mãos de John Huston (Ray Bradbury, poeta maior da ficção científica, colaborou no roteiro), praticamente trata de uma luta inglória, movida pela vingança desmedida de Ahab, o insano capitão de um baleeiro que cruza os mares à caça da grande baleia branca Moby Dick: “-Oh! Ahab – exclamou Starbuck – não é muito tarde, mesmo hoje, o terceiro dia, para desistir. Vê! Moby Dick não te procura. És tu, tu, que loucamente o buscas!” (tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos).

Em O Velho e o Mar a luta é outra. Não há vingança. Há um velho pescador que, após 84 dias sem nenhuma pesca, fisga um gigantesco Marlin e, ao mesmo tempo em que busca dominar o peixe, se desculpa com ele por ser obrigado a matá-lo. Santiago teme que o Marlin descubra que ele é apenas um pescador velho que, no momento, só pode contar com a sua experiência. No mar, assim como na vida, nem sempre vence o mais forte e nem sempre cabe, ao vencedor, o espólio da sua vitória. “Meu Deus, nunca pensei que ele fosse assim tão grande. Mas tenho de matá-lo, murmurou o velho. Em toda a sua grandeza e glória. Embora seja injusto. Mas vou mostrar-lhe o que um homem pode fazer e o que é capaz de aguentar.” (tradução de Fernando de Castro Ferro).

O Velho e o Mar, em livro e filmes, é uma obra sensível e de beleza visual impressionante. Não tem o ritmo do videogame, porque o seu tempo é outro, o da reflexão. Mas tem um ritmo que cada leitor/espectador deverá encontrar. Em O Velho e o Mar o que importa mesmo é a sua essência, mesmo que fragmentada.

Notas:- O Velho e o Mar, recebeu o Prêmio Pulitzer em 1952.
- Ernest Hemingway ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1954.
- Hemingway escreveu, entre outras obras: Adeus Às Armas, O Sol Também Se Levanta, Por Quem Os Sinos Dobram, O Jardin Do Éden.

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