domingo, 29 de novembro de 2009

Joba Tridente: Penetrando o Azul


Penetrando o Azul
dez anos depois

Quando jovem, num testamento poético, perdido em algum dos meus arquivos, deixei-me todo para a ciência. Desde que as sobras fossem lançadas ao mar ou enterradas numa praia qualquer, para que a minha decomposição fosse como a minha composição, pensava.

Não temo a morte, ainda, apenas o não-morrer. Temo o entrave e a prisão egoísta do desejo humano obcecado pela matéria. Obcecado pelo desejo do significado do estar-vivo. Obcecado pela justificação irracional da razão da vida, mesmo da insignificante.

Hoje, quando penso na morte, e penso muito, no direito à morte, como um direito igual à vida, penso ainda no mar. Um mar azul que no horizonte se (con)fundisse aos céus. Um mar azul, águas calmas, talvez, espuma quente e branca, dessas de grudar na pele e deixar bolhas de ar, por onde pudesse sair caminhando, ondas, marolas adentro. Não olhar pra trás, apenas me deixar ir penetrando no azul. Não voltar. Apenas ir através do azul até sair em outra cor, que não sei qual. Não dizer adeus, porque não haveria a quem. Porque não haveria o porquê.

Não penso num mar verde, por que ele se (con)funde à mata, prisão de seres vegetais à terra. O mar verde apenas desperta o desejo de se fincar pé na areia e esperar que as coisas cheguem. Não que partam. Nem mesmo o coco verde, que despenca da árvore-mãe, na beirada da praia, gosta de deixar o seu litoral. Fica sempre por ali se deixando empurrar pelas ondas de encontro às pedras. A ele também é preferível a morte em terra, mesmo não buscando por ela, que se deixar rumar eternamente pelo verde em vicioso ciclo de eterno retorno. O coco verde teme o desconhecido porque não conhece o mar azul.

ilustração: foto de Joba Tridente - Pião

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