Sou um homem comum. Muito comum. Não tenho olhos
coloridos. Gostaria azul. Em qualquer tom. O verde eu dispenso. Não combina com
qualquer um e nem com um qualquer. Ficaria mais feio do que me suporto. Não
tenho um rosto desenhado com capricho. Minha fronte avança sobre os olhos
castanhos, até os limites das cerradas sobrancelhas negras. Nasci e cresci
loiro de sobrancelhas negras. Só me apercebi da esquisitice na adolescência quando saia do interior para a grande cidade.
Depois a poluição tratou de escurecê-lo um pouco. Hoje ele é castanho em vários
tons entremeado de branco. Meu corpo não
é talhado e nem atlético, mas serve ao propósito hospedeiro da alma. Por mais
que me olhe, externamente nada encontro que possa chamar a atenção. Nada.
2
Sou um homem comum. Comum demais. Daqueles que
nem vale a pena um cumprimento. Um amigo. Uma troca de palavras..., mesmo as
jogadas fora. Por dentro sou mais que este silêncio trivial. Mas, quem há
de...? Na rua, se me olham e fixam o olhar é por engano. Pura confusão. Se me
olha uma mulher com algum desejo, é apenas a carência das mal-amadas
abandonadas à própria sorte. As mais feias entre as feias no rejeito do
rejeito. Em um mundo onde a mulher é maioria no reino animal humano, outras
mulheres são o inimigo e qualquer
homem pode servir de caça. Às vezes, até mesmo eu. Logo, nem mesmo eu, também
uma sobra do meu próprio reino. Se me olha um outro, com certeza estará
equivocado. Talvez eu lhes pareça um fulano ou o beltrano, quem sabe aquele
sicrano foragido. Tenho uma cara tão comum que poderia ser confundido com um
artista ou um bandido. Um salvador ou matador. Um não sei lá. Também me
pergunto ao meu reflexo que me devolve a pergunta. Ciclo vicioso de
interrogação. Apenas a sombra permanece calada. Uma mera ilusão. Quimera. Já
que me reflete, mesmo despido. Torcido, distorcido, ela fala, ela grita,
conforme o olhar da luz sobre mim. Pena eu não ser poliglota.
3
Sou um homem comum. Comum entre os comuns.
Daqueles que nem mesmo um verme daria alguma satisfação. Por isso que me
permito ser confundido. Atrás de um óculos de sol. Sorriso: como vai? Cabeça baixada rápida,
esquivada, passos mais largos. Um palco, se me fosse permitido... Um palco,
eu... Mas numa rua, calçada..., somos todos meros espectadores. Da beleza ou da
feiura alheia. Ninguém pode se ver como o outro lhe vê. A ordem e desordem
externa do corpo vestido ou quase. Aflição interna, ódio, se o olhar resulta em
risos, conversinhas, gargalhadas. O desejo de morte está em todos nós. Naquele
que olha ou é olhado. Naquele que é comum ou exceção. A regra determina apenas
o grau do desejo, se espontâneo, imediato ou a prazo. O desejo de compartilhar
a vida ou simplesmente o sexo, também.
4
Sou um homem comum. Comum ao extremo. Confuso com as minhas
próprias lembranças de felicidade e dor. Iludido com a falsidade e o desprezo
gratuito do alheio. Nem mesmo sei o porquê. Nunca foram com a minha cara. Desde
criança. Se falo me odeiam, Se me calo, também. Se concordo ou discordo, idem.
No mais das vezes me toleram. Por quê? Têm medo de quê? Do nada que sou o do
tudo que desconheço e aparento ser? Onde está a diferença? Em mim ou no outro?
Por que ser ou querer ser um homem comum incomoda tanto a tantos? Inclusive a
mim mesmo...
5
Sou um homem comum. Comum ao infinito. Nascido
desnecessariamente. Penso. Esquisito, gostando sempre do contrário, em qualquer
tempo. Sempre remando contra a maré. Mesmo não sabendo nadar. Criança, ao invés
da bola, do futebol, preferia as letras. Fossem revistas em quadrinhos
proibidas ou permitidas, livros infantis, sagrados ou de aventuras,
enciclopédias, dicionários ou bulas. Lia tudo. À confusão, preferia o silêncio.
Era bem educado ou medroso, por isso: doloridos apelidos. Sei fazer coisas que
a maioria acredita incapaz. Quem se interessa? Mas que me levam a lugar nenhum.
Sou apenas um alguém comum. Daí não fazer a menor diferença na emergência ou na
aparência. Por conta disso, diversas vezes morri, nesta vida. E, como se nada
tivesse acontecido, voltei à ela. Indiferente. Na verdade, desde criança venho
morrendo por querer. Ou não. Nunca pra valer. Quem quer saber? Sou azarado
demais, para tanto. Comum demais até pra chamar a atenção da morte...
Joba
Tridente.03.05.1998
foto-ilustrações de Joba Tridente. 2011
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