domingo, 8 de janeiro de 2012

Mika Waltari: O Egípcio, O Etrusco e O Romano


Li O Egípcio, O Etrusco e O Romano, de Mika Waltari (1908 - 1979), em sequência. Estes três envolventes romances históricos que falam de religião e política, paixão e sexo, traição e guerra, em épocas e governos “diferentes”, chamam a atenção por outro ponto em comum: seus personagens (protagonistas e coadjuvantes) são pessoas extremamente ordinárias. Uma gente meio (ou totalmente) sem caráter, sem ética, “sem pai nem mãe”. Donos de um passado desconhecido, mas “nobre”, estão sempre dispostos a levar vantagem (e conseguem) em tudo o que se metem, (principalmente na espionagem) a serviço de faraós, reis, imperadores, sem importar se as informações (colhidas) são cruciais para a submissão e ou extermínio de povos que acreditam na sua amizade. Ou ainda resultar na morte de seus próprios familiares. Ocupados em ficar ricos, se isentam de qualquer culpa e ou arrependimento pelos seus abomináveis feitos (a serviço dos déspotas), creditando-os à busca de conhecimento.

Narrando sempre na primeira pessoa, Mika nos conta a história de seus personagens-título através da autobiografia que cada um está escrevendo para justificar seus atos infames. Através de um texto perspicaz, vamos aos poucos descobrindo a personalidade (perturbada) de cada anti-herói e nos enredando em sua trama por vezes indigesta e sem saída. Cândidos no fim, os carreiristas Sinuhe (o egípcio), Turms (o etrusco), e Minuto (o romano), trágicos e românticos na sua depravação, detêm-se nas minúcias ao relatar uma vida atribulada e pouco invejável. Preconceituosos e irresponsáveis, egoístas e egocêntricos, desvelam ganhos e perdas de valiosos bens e de mulheres (tão podres quanto eles). Tamanha é a covardia de cada um que dificilmente o leitor será simpático à sua “causa” (e ou dor), e tampouco conseguirá parar de acompanhar as suas sagas repletas de reviravoltas, para ver até onde irão, na ânsia de atingir os seus propósitos.

Dos personagens coadjuvantes: o esperto escravo Kaptah (que resgata a dignidade ultrajada de Sinuhe), o espartano Doro (traído pelo ambicioso Turms), e o imperador Nero (enaltecido pelo avarento Minuto), o melhor e mais fascinante deles é Doro que, infelizmente, (mesmo sendo mais interessante que Turms) “desaparece” no meio da narrativa. É um personagem tão cativante e intenso que a sua breve vida merecia um livro próprio. O Etrusco, pela luminosidade, ritmo, ação e aventura com boa dose de humor, é o meu favorito. Também porque me pareceu menos (explicitamente) violento que O Egípcio e O Romano. A beleza de O Etrusco é comparável à fabulosa obra da escritora inglesa Mary Renault (1905 - 1983), autora de excepcionais romances históricos que se passam na Grécia antiga. Como não li as obras de Mika Waltari no original finlandês e muito menos a versão inglesa que deu origem à tradução brasileira, não posso precisar a ausência de humor em O Romano, já que O Egípcio ainda tem alguma graça nas armações do interesseiro Kaptah. Acredito, porém, que o foco religioso destes dois fantásticos livros contribui para o seu clima mais obscuro, mas não menos interessante.

Assim como os personagens gregos de Renault, Sinuhe, Turms e Minuto não são caricatos. Longe disso, são mais tangíveis que os transeuntes, políticos, religiosos que esbarramos por aí. E, com certeza, mais humanos do que a maioria deles. Sempre acreditei que quando não se pode ler o original, deve-se sempre duvidar das traduções, por melhores que sejam. No entanto, sem parâmetro comparativo, acatei com prazer estas edições da Itatiaia, mesmo com alguns problemas ortográficos. Enfim, o que me surpreendeu neste primeiro contato com a narrativa de Waltari foi o seu subtexto, o emprego da metalinguagem no tratamento “histórico” da “História”. Exemplifico com esta passagem, em O Romano (página 450), onde o filósofo Sêneca, em conversa com Minuto Lauso Maniliano, faz a seguinte consideração:

“- Dir-te-ei a mesma coisa que procurei incutir no espírito de Nero. Pode uma pessoa esconder por algum tempo, com dissimulação e subserviência, as suas características reais. Mas, no fim, o ato é sempre descoberto e a pele de ovelha de desprende do lobo. Nero tem sangue de lobo nas veias, por mais ator que seja. Tu também tens, Minuto, mas de um lobo mais covarde.” Mika Waltari. O Romano. 2ª. Edição. Editora Itatiaia Limitada. 1980. Tradução José Laurênio de Melo. 

8 comentários:

  1. quero comprar como faço??????????????????????

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    1. ..., olá, unknown..., acho que os encontra em uma boa livraria ou em um bom sebo. boa sorte e boa leitura! abs.

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  2. Eu particularmente li o egípcio e o romano, são livros fantásticos. O egípcio é um romance mais "visceral" nele a descrição das guerras e da sexualidade nos leva a estar lá e presenciar tudo, o romano é por sua vez interessante no que tange ao desenvolvimento psicológico do personagem principal que a meu ver foi melhor que no egípcio, quanto ao etrusco eu anida não li mas pretendo ler...

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    1. ..., olá, gheographus, creio que também encontrará um conteúdo e uma linguagem fascinantes em O Etrusco. ..., gratíssimo pela visita e considerações. ..., e uma ótima leitura.

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  3. Ótima percepção, são livros mágicos. Uma pena serem tão pouco conhecidos.

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  4. ..., sorte de quem os saboreou, Mateus do Prado. ..., são livros atemporais, e muito além do modismo. ..., grande abraço. T+

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