sábado, 13 de abril de 2013

Sylvio Roque de Guimarães Horta: Provérbios na Tradição Chinesa



Em 2006 encontrei uma versão com 10 Provérbios na Tradição Chinesa, de Sylvio Roque de Guimarães Horta. Não lembro o site. Recentemente, revendo alguns textos para postagens, a reencontrei. Não conheço o autor e tampouco consegui contato com ele, que é doutor e mestre em educação. Em tempos de azia asiática, achei pertinente a sua publicação. Selecionei apenas três provérbios, caso queira conhecer os outros sete, basta ir ao excelente site Hottopos (link no título). A introdução também é de Sylvio Horta.


Provérbios na Tradição Chinesa

Estamos tão impregnados pela própria língua, que nem reparamos em quão sugestiva e maravilhosa¹ é uma língua; o quanto ela nos traz em matéria de experiências históricas e humanas. A própria "entonação" característica de cada uma delas é um certo modo de estar no mundo, uma têmpera², uma postura original diante da realidade. Não é indiferente que se fale o português ou o inglês. E, dentro do português, não é o mesmo falar o português de Portugal ou o do Brasil, nem tampouco se equivalem o de Recife e o de São Paulo. Parece que cada sotaque e, mais ainda, cada idioma, tem a capacidade de iluminar diferentes regiões da realidade, incluindo as diferentes regiões sentimentais e as diversas experiências de vida³.

No caso do chinês, há uma afinidade língua/provérbios, que possibilita uma concisão difícil de se transpor, com naturalidade, para qualquer língua ocidental. Esses provérbios são compostos, geralmente, por apenas quatro ideogramas. Trata-se de um máximo de informação em um mínimo de espaço. Alguns se compreendem de imediato, seu sentido é literal; outros mostram o seu sentido se buscarmos a sua origem.

provérbios que têm sua origem na linguagem popular; outros - talvez a maior parte - na literatura, o que inclui anotações antigas da história, das crônicas etc.

 A pequena amostra, que ora apresentamos, tem origem literária e ilustramos seu sentido com as pequenas histórias de que procedem.

 A vida humana deposita-se em forma de experiência, experiência da vida. Nos últimos séculos, o Ocidente tem valorizado principalmente a experiência das coisas, deixando de lado a experiência da vida. Hoje, num momento em que a vida volta a ser objeto principal de indagação, os provérbios - que, sem a menor dúvida, guardam parte desse tesouro, revelando estruturas universais da vida -, tornam-se também objeto de nosso interesse. Iniciaremos este nosso diálogo com o Oriente, apresentando alguns provérbios associados a pequenas narrativas:




HUA ER BU SHI
Flor Mas Não Fruto

Refere-se a alguém que tenha apenas um verniz de inteligência ou a algo que reluz mas não tem valor. A história conta que um oficial parou em uma taberna ao retornar de sua missão para o Estado. O dono do estabelecimento, que vinha, há tempos, procurando por alguém de confiança, disse para sua mulher que acreditava ter encontrado o homem certo e que iria segui-lo em sua viagem. Com a devida permissão do oficial, o dono do estabelecimento o seguiu e foram os dois conversando pelo caminho sobre vários assuntos. Não muito depois, o taberneiro mudou de ideia e resolveu voltar para casa. Ao chegar, sua mulher lhe perguntou por que voltara tão rapidamente. Ele respondeu: "Ao ver sua aparência, pensei que se tratava de um bom homem, mas depois de ouvi-lo falar, fiquei irritado com suas opiniões. Receei ter maiores prejuízos do que benefícios, se ficasse com ele".

Relatos dos Estados, livro de história que narra os eventos da Dinastia Zhou do Oeste até o período da Primavera e Outono, e que se atribui a Zuo Quiming.




KAI JUAN YOU YI
Abrir Livro Ter Benefício

Durante a dinastia Song, o imperador Taizong escolheu um grupo de intelectuais para organizar uma grande enciclopédia. Tratava-se de uma coleção de mil volumes, classificados em cinquenta e cinco assuntos. O próprio imperador reservou-se a tarefa de ler dois ou três volumes por dia. Algumas pessoas comentaram que, tendo o imperador tantos afazeres, ser-lhe-iam muito cansativas as leituras. Ao que ele respondeu: "Estou interessado na leitura e vejo que a leitura sempre me traz benefícios. Não me sinto cansado, absolutamente".

Por Wang Pizhi, da Dinastia Song (960-1279).




SHU NENG SHENG QIAO
Intimidade Habilidade Nascer Talento

A habilidade surge da prática. Chen, arqueiro excelente, tendo acertado um difícil alvo, recebeu aplausos de todos, menos de um velho vendedor de óleo. Ficou irritado com o menosprezo do velho, que sequer sabia manejar o arco. O velho vendedor, porém, fez uma demonstração para Chen. Despejou óleo de uma vasilha para outra, através do orifício de uma moeda, sem que o óleo a tocasse. E sorrindo, disse: "Viu? Nada de especial: a habilidade vem da prática". Chen nunca mais mostrou-se orgulhoso.

Apontamentos após o Retorno à Fazenda, de Ouyang Xiu (1007-1072) da Dinastia Song do Norte.

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1 - E, por vezes, também embotadora e horrenda.

2 - Emprego aqui têmpera no sentido que o filósofo Julián Marías dá ao termo: a maneira de se compreender e sentir e, portanto, de se projetar no mundo.

3 - Também a escrita consiste em um fator de diferenciação. Não é o mesmo ver um texto escrito com nosso alfabeto e um outro escrito em árabe ou em chinês. Nestas grafias - e especialmente no caso do ideograma chinês - o aspecto visual da escrita tem maior importância do que em nossas línguas. O modo de grafar expressa muito da têmpera do escritor, num terreno em que a ligação com o fenômeno estético é muito maior. Naturalmente, ambos os aspectos se manifestam também em nossa escrita, mas de modo muito menos acentuado.

4 - A partir do excelente Best Chinese Idioms, compilado por Situ Tan e publicado por Hai Feng Publishing Co, Ltd


Sylvio Roque de Guimarães Horta possui graduação em Farmácia pela Universidade de São Paulo (1985), mestrado em Educação pela Universidade de São Paulo (1994) e doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (2000). Atualmente é professor da Universidade de São Paulo no Departamento de Línguas Orientais, área de chinês. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Sinologia, atuando principalmente nos seguintes temas: relação língua/pensamento chinês, literatura chinesa, educação a partir de uma perspectiva pessoal e biográfica. Fonte: Letras Orientais - USP.

Ilustração de Joba Tridente: 2013

2 comentários:

  1. Muito bom, Joba, muito bom! Conheci em 77, qdo morei numa pensão na Rua dos Ingleses, em Sampa, um excelente poeta mexicano, que também era arquiteto e que era meu vizinho de quarto na pensão, que estudava chinês. Ele me mostrava, de vez em quando, a magia dos ideogramas, que sintetizam todo um sábio e poético pensar em seus traços. Uma das coisas que me lembro é que ele me contou que tranquilidade em chinês era escrito com dois ideogramas iguais, que correspondiam à palavra azul, posicionado de uma forma que significava combate. Uma possível tradução seria: tranquilidade = combate entre azuis.

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  2. Olá, Teca.
    É realmente inacreditável o potencial de síntese verbal dos ideogramas...,
    além da beleza.
    Não sei se leu os outros fascinantes provérbios no site Hottopos.
    Um momentos desses, publico os quatro restantes.

    Lindo esse: combate entre azuis. Lindo!


    Bjs.

    T+

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