Porque hoje é manhã de domingo estou postando o
campestre Domingo de Manhã, poema de
Henry Murger, traduzido por Pietro de Castellamare, que se encontra
em Versos de Pietro de Castellamare (1868),
em edição digital da Brasiliana USP.
DOMINGO DE MANHÃ
Disse o
Sábado ao Domingo:
- Amigo, rende-me a guarda,
Já meia noite não tarda,
Essa hora pertence a ti...
Estou cansado do trabalho,
O sono bole comigo,
Toma o lugar, meu amigo...
Disse o
Domingo: - Eis-me aqui!
E
despertou bocejando;
Viu as
estrelas fulgindo;
Bocejou
já se vestindo,
Esfregou
olhos com a mão;
Finalmente
preparado,
Foi
risonho e com doçuras
Despertar
lá nas alturas
O sol,
que dormia então:
- Dessa alcova do oriente
Surge, ó grande preguiçoso!
Já busca a lua o repouso
Fechando os olhos nos céus;
No bosque para saudar-te
A calhandra além se apresta;
Vem, que o dia hoje é de festa,
Traz os lindos raios teus!
Chegou
ao monte o Domingo,
Dali os
olhos vagueia;
Vê
dormindo toda a aldeia:
- Não despertemo-la, diz...
E
caminha docemente,
Com
cautela, sem abalo:
- Não cantes — murmura ao galo —
Deixa-os dormir como eu fiz!
Do
labor todos repousam;
Que este
dia é de descanso;
O sol
caminha de manso
Para
mais tarde chegar...
E se,
além da madrugada,
Inda
alguém se apraz num sonho,
O dia,
que o vê risonho,
Deixa-lhe
o sonho acabar!
Mas enfim,
eis o Domingo,
Domingo
de primavera!
Na flor
a luz reverbera,
Céu e
mar é tudo azul!
Fala a
violeta com a rosa
Uma
linguagem diversa,
E o
forte cedro conversa
Com o
caniço do pântano!
Junto
ao ninho bate as asas
Linda
pomba, que acordara,
E,
vendo que o dia aclara,
Dá bom-dia ao sol que vem;
E mil
outras companheiras,
Outros
alados cantores,
Girando
por entre as flores,
Ali
cantam também!
Traz o Domingo
consigo
A todos
novo deleite,
Para a
donzela um enfeite,
Muito
rir, muito folgar!
Quantos
brincos e folguedos!
Quantas
garrafas vazias!
Que
folgazãs sinfonias!
Quanto
correr e bailar!
Como
tudo está tranquilo
Ou na
aldeia ou no caminho!
Não
volve a roda o moinho,
A
bigorna muda está!
Os bois
ruminam contentes,
Livres
do jugo pesado,
E a
charrua no eirado
Repousa,
encostada lá...
Todos
folgam satisfeitos,
Que
conversas neste dia!
- Como vai teu pai, Maria?
- E o teu filhinho, Manoel?
- Bela estação, meu vizinho!
- A colheita há de ser boa!
Não
trabalha outra pessoa,
A não
ser o menestrel!
*
Ilustração de Joba Tridente – 2013
Louis-Henri Murger (Paris, 1822 - 1861), ou Henri Murger, Henry
Murger, H. Murger, foi um escritor francês que encontrou o sucesso com Scènes de la vie de bohème, que inspirou a ópera La Bohème, de Puccini, o filme La
Vie de Bohème (1992), de Aki Kaurismäki, e o musical Rent (1996), de Jonathan Larson. H.
Murguer, que morreu pobre, aos 39 anos, é autor de Scènes de la vie de bohème (1847-1849); Scènes de la vie de jeunesse (1851); Le Pays Latina (1851); Scènes
de campagne (1854); Le Roman de
toutes les femmes (1854); Baladas
et Fantaisies (1854); Les Nuits
d'hiver (1856); Le Sabot rouge (1860);
Le Roman du Capucin (publicado
em 1869).
Pietro de Castellamare é um dos pseudônimos do jornalista,
escritor, tradutor, dramaturgo, político Joaquim
Serra (São Luís do Maranhão, 1838 - Rio de Janeiro, 1888). Sobre o
abolicionista fundador e diretor dos periódicos Semanário Maranhense, A
Reforma, A Folha Nova, assim se
referiu Joaquim Nabuco (1849-1910): Joaquim Serra é, na Reforma, a Vida do
jornalismo liberal. Foi ele o criador da moderna imprensa política, figura
resplandecente na história da Abolição, pela seriedade, constância, sacrifício
e heroísmo do seu incomparável combate de dez anos, dia a dia, até à vitória
final de 13 de maio.
Joaquim Serra, patrono da Cadeira 21, da Academia
Brasileira de Letras, publicou, entre outros: Quem tem bocca vai a Roma: opera comica em um acto (1863); Julieta e Cecília (1863); Mosaico: Poesias traduzidas (1865); O Salto de Leucade (1866); Um coração de mulher: poema romance
(1867), Quadros (1873). Sob os
pseudônimos de Pietro de Castellamare:
Versos de Pietro de Castellamare
(1868); Frei Bibiano: Fabio (1871); Amigo Ausente: A capangada:
paródia muito seria (1872); Ignotus:
Sessenta anos de jornalismo: a imprensa
no Maranhão 1820-1880 (1883). Fontes: Acervo Digital Brasiliana USP - Joaquim
Serra e Academia Brasileira de Letras.
Joaquim Serra foi homenageado por seu grande amigo de Machado de Assis com a crônica Joaquim Serra (link no Falas ao Acaso).
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