domingo, 16 de junho de 2013

H. Murger: Domingo de Manhã

Porque hoje é manhã de domingo estou postando o campestre Domingo de Manhã, poema de Henry Murger, traduzido por Pietro de Castellamare, que se encontra em Versos de Pietro de Castellamare (1868), em edição digital da Brasiliana USP.



DOMINGO DE MANHÃ

Disse o Sábado ao Domingo:
- Amigo, rende-me a guarda,
Já meia noite não tarda,
Essa hora pertence a ti...
Estou cansado do trabalho,
O sono bole comigo,
Toma o lugar, meu amigo...
Disse o Domingo: - Eis-me aqui!

E despertou bocejando;
Viu as estrelas fulgindo;
Bocejou já se vestindo,
Esfregou olhos com a mão;
Finalmente preparado,
Foi risonho e com doçuras
Despertar lá nas alturas
O sol, que dormia então:

- Dessa alcova do oriente
Surge, ó grande preguiçoso!
Já busca a lua o repouso
Fechando os olhos nos céus;
No bosque para saudar-te
A calhandra além se apresta;
Vem, que o dia hoje é de festa,
Traz os lindos raios teus!

Chegou ao monte o Domingo,
Dali os olhos vagueia;
Vê dormindo toda a aldeia:
- Não despertemo-la, diz...
E caminha docemente,
Com cautela, sem abalo:
- Não cantes — murmura ao galo —
Deixa-os dormir como eu fiz!

Do labor todos repousam;
Que este dia é de descanso;
O sol caminha de manso
Para mais tarde chegar...
E se, além da madrugada,
Inda alguém se apraz num sonho,
O dia, que o vê risonho,
Deixa-lhe o sonho acabar!

Mas enfim, eis o Domingo,
Domingo de primavera!
Na flor a luz reverbera,
Céu e mar é tudo azul!
Fala a violeta com a rosa
Uma linguagem diversa,
E o forte cedro conversa
Com o caniço do pântano!

Junto ao ninho bate as asas
Linda pomba, que acordara,
E, vendo que o dia aclara,
bom-dia ao sol que vem;
E mil outras companheiras,
Outros alados cantores,
Girando por entre as flores,
Ali cantam também!

Traz o Domingo consigo
A todos novo deleite,
Para a donzela um enfeite,
Muito rir, muito folgar!
Quantos brincos e folguedos!
Quantas garrafas vazias!
Que folgazãs sinfonias!
Quanto correr e bailar!

Como tudo está tranquilo
Ou na aldeia ou no caminho!
Não volve a roda o moinho,
A bigorna muda está!
Os bois ruminam contentes,
Livres do jugo pesado,
E a charrua no eirado
Repousa, encostada lá...

Todos folgam satisfeitos,
Que conversas neste dia!
- Como vai teu pai, Maria?
- E o teu filhinho, Manoel?
- Bela estação, meu vizinho!
- A colheita há de ser boa!
Não trabalha outra pessoa,
A não ser o menestrel!

*
Ilustração de Joba Tridente – 2013


Louis-Henri Murger (Paris, 1822 - 1861), ou Henri Murger, Henry Murger, H. Murger, foi um escritor francês que encontrou o sucesso com Scènes de la vie de bohème, que  inspirou a ópera La Bohème, de Puccini, o filme La Vie de Bohème (1992), de Aki Kaurismäki, e o musical Rent (1996), de Jonathan Larson. H. Murguer, que morreu pobre, aos 39 anos, é autor de Scènes de la vie de bohème (1847-1849); Scènes de la vie de jeunesse (1851); Le Pays Latina (1851); Scènes de campagne (1854); Le Roman de toutes les femmes (1854); Baladas et Fantaisies (1854); Les Nuits d'hiver (1856); Le Sabot rouge (1860); Le Roman du Capucin (publicado em 1869).

Pietro de Castellamare é um dos pseudônimos do jornalista, escritor, tradutor, dramaturgo, político Joaquim Serra (São Luís do Maranhão, 1838 - Rio de Janeiro, 1888). Sobre o abolicionista fundador e diretor dos periódicos Semanário Maranhense, A Reforma, A Folha Nova, assim se referiu Joaquim Nabuco (1849-1910): Joaquim Serra é, na Reforma, a Vida do jornalismo liberal. Foi ele o criador da moderna imprensa política, figura resplandecente na história da Abolição, pela seriedade, constância, sacrifício e heroísmo do seu incomparável combate de dez anos, dia a dia, até à vitória final de 13 de maio.

Joaquim Serra, patrono da Cadeira 21, da Academia Brasileira de Letras, publicou, entre outros: Quem tem bocca vai a Roma: opera comica em um acto (1863); Julieta e Cecília (1863); Mosaico: Poesias traduzidas (1865); O Salto de Leucade (1866); Um coração de mulher: poema romance (1867), Quadros (1873). Sob os pseudônimos de Pietro de Castellamare: Versos de Pietro de Castellamare (1868); Frei Bibiano: Fabio (1871); Amigo Ausente: A capangada: paródia muito seria (1872); Ignotus: Sessenta anos de jornalismo: a imprensa no Maranhão 1820-1880 (1883). Fontes: Acervo Digital Brasiliana USP - Joaquim Serra e Academia Brasileira de Letras.


Joaquim Serra foi homenageado por seu grande amigo de Machado de Assis com a crônica Joaquim Serra (link no Falas ao Acaso).

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