Esta
é uma pérola do Almanach de Porto Alegre 1920, edição digital Brasiliana USP. Atualizei
a grafia.
Criança
de Neve
Em uma reunião elegante, ha dois ou três dias,
uma senhora distintíssima, hoje viúva, apresentou-me a sua filhinha mais nova.
- Chama-se... ? - perguntei.
E a pequena:
- Branca!
Esse nome fez-me sorrir e eu me lembrei, então,
daquela famosa historia do Bianchino, ocorrida há muitos anos em uma aldeia
italiana das proximidades dos Alpes. Em certa região alpina da Itália, havia um
casal de gente simples e honrada, em que o marido andava constantemente longe
do lar, acompanhando viajantes ou apascentando rebanhos. Certa vez, ao voltar à
casa, encontrou ele, com surpresa, a mulher com uma criancinha nos braços.
- Que é isso? - indagou, espantado.
A esposa, que o supunha um toleirão,
explicou-lhe, atirando-se lhe ao pescoço:
- Não te lembras daquela tempestade de neve que
caiu o ano passado? Pois, olha; nesse tempo, eu fui me divertir com as bolas de
neve, e, meses depois, me vi surpreendida com esta criança!
E, entre o espanto do marido, acrescentou:
- Não estás vendo como é branca, branca, branca?
É porque nasceu da neve, na tua ausência!
O pastor, que era louco pela mulher, dissimulou
as suas suspeitas de coração, e, concordando que o pequeno tomaria o nome de
Bianchino, por ter a alvura da neve, partiu para outra viagem demorada.
Tempos depois, voltou. A criança, crescida e
forte, parecia-se enormemente com o professor do lugar, mas bastava olhar-lhe a
cor inconfundível da pele, para ver que se tratava, realmente, de uma criança
de neve. Ao regressar dessa vilegiatura, vinha, porém, mais esclarecido sobre a
origem das crianças. E como não fosse tolo, chamou no dia seguinte o pequeno
para irem juntos á caça.
- Bianchino - gritou - vamos às lebres?
Ao regressar, vinha, porém, sozinho.
- Bianchino, onde está Bianchino, Gennaro? -
implorou a esposa.
O marido fez uma cara de choro e confessou,
doloroso:
- Bianchino? Bianchino... derreteu-se, filha!
A mulher tombou com um terrível ataque de
nervos, mas ficou sabendo, nesse dia, que os maridos têm o direito de derreter,
sempre que as encontrem em casa, as crianças nascidas da neve.
*
Ilustração de Joba Tridente. 2013
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