Já
comentei em outra ocasião que muitas obras, principalmente literárias, me tocam
antes pelo título..., como este conto, por exemplo: O Homem Que Quis Laçar Deus. Ele foi recolhido por Sílvio Romero e se encontra em Folclore Brasileiro: Cantos e Contos
Populares do Brasil, v.3, da Livraria José Olympio Editora
(1954).
O Homem Que Quis Laçar Deus
Havia um
homem que
era muito
pobre e com
muita família.
No lugar em
que morava, havia uma estrada muito grande e se dizia que
por ali
passava Deus e o mundo.
Ouvindo dizer isto
o homem, e querendo saber
a razão por
que Deus
o tinha feito
tão pobre,
armou um laço
e assentou-se na estrada à espera de Deus.
Levou assim muito
tempo, e todos
que passavam perguntavam o que estava ali
fazendo. Ele respondia que queria pegar Deus. Afinal,
estando já desenganado
de que nada
fazia, já ia para
casa, quando
apareceu-lhe um velhinho e deu-lhe quatro vinténs,
dizendo que só
comprasse um objeto
que custasse aqueles
quatro vinténs.
Nem mais
barato, nem
mais caro.
O homem foi para
casa muito
contente, imaginando no que havia de comprar com aquele dinheiro. Lembrou-se de um
compadre negociante rico
que tinha,
o qual estava para
fazer viagem
a buscar sortimentos para
sua loja.
Dirigiu-se o compadre pobre para a casa do compadre
rico e pediu-lhe que
comprasse qualquer coisa
que custasse aqueles
quatro vinténs.
Fez o compadre a sua
viagem e chegando na cidade não
encontrou nada por
aquele preço.
Foi ao mercado e ainda
nada. Só
encontrava objetos por
três vinténs,
um tostão,
meia pataca,
dois mil réis, três,
etc.
Ia já para casa, quando
ouviu um menino
mercar: "Quem
quer comprar
um gato?
Custa quatro
vinténs." O homem
ficou muito contente
e comprou o gato. Era
um animal
raro naquele lugar.
Chegando o negociante em casa do amigo onde estava hospedado, e que
também era
do comércio, este
ficou desejoso de possuir aquele
animal e pediu ao amigo
para deixar o gato passar a noite na loja, onde havia muito
rato, que
lhe davam um
grande prejuízo.
No outro dia
quando abriram a casa,
tinha uma quantidade
tão grande
de ratos mortos
que causou admiração.
Aí o negociante dono
da casa ofereceu uma grande soma de dinheiro ao amigo pelo gato.
Este recusou, dizendo ser
o gato de um
seu compadre
muito pobre,
que o tinha
encarregado de comprar
um objeto
qualquer com
quatro vinténs.
Instou muito o negociante e afinal ofereceu tanto
dinheiro que
o amigo não
pôde recusar e vendeu o gato.
Voltou o compadre rico
de sua viagem,
mas chegando em
casa teve tanta
pena de dar o
dinheiro ao compadre,
que o enganou com
uma peça de chita,
muito ordinária,
dizendo ter comprado aquilo
com os quatro
vinténs.
O compadre pobre
ficou muito contente
e, chegando em casa,
a mulher desmanchou logo
a fazenda em
camisas para
os filhos. Mas
como Deus
não quer
nada mal
feito, assim
que o compadre
saiu com a peça
de chita, o rico
caiu com uns ataques
muito fortes
e já para morrer. A mulher o
aconselhou a que se confessasse, que ele estava muito mal, e
chegando o padre e sabendo do segredo, mandou-o restituir
todo o dinheiro
do compadre pobre.
Este veio
a chamado do rico, que
logo melhorou, só
com a presença
dele.
Mas o ricaço,
não tendo coragem
de entregar o dinheiro, ainda enganou o outro
com outra
peça de fazenda
ordinária.
O pobre não
cabia de si de contente,
e mal tinha
saído, já
o rico estava outra
vez morre não
morre. É chamado de novo a toda
pressa o compadre
pobre, sendo ainda
uma vez enganado com
outra peça
de fazenda, mas
desta vez o rico
já estava quase
expirando, e não teve outro remédio senão declarar ao companheiro que
aquelas barricas que
ali estavam eram dele com todo o dinheiro que
continham.
Ouvindo isto, o pobre
quase que
não se segurava em
pé, tal
foi o choque que
sentiu, e como louco
correu a dar novas
à família, que
não sabia como
explicar tamanha
felicidade. Houve oito
dias de festas
e o pobre ficou logo
cercado de muitos
amigos, entre
eles o rico que ficou bom
da moléstia esquisita,
assim que
entregou o dinheiro.
*
Ilustração
de Joba Tridente (2013)
Silvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero
(Lagarto, 1851 - 1914): escritor, ensaísta, crítico literário, professor,
filósofo. Romero foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras em 1897
e escreveu para diversos jornais. Silvio
Romero é, entre outras obras, autor de: A poesia contemporânea e a sua intuição
naturalista (1869); Contos do fim do século (1878); A filosofia
no Brasil (1878); A literatura brasileira e a crítica
moderna (1880); Cantos Populares do Brasil - vol. 1 e 2 (1883);
Contos Populares do Brasil (1885); História da literatura brasileira, I e
II (1888); A poesia popular no Brasil (1880); Compêndio da História
da Literatura Brasileira (1906).
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