A escritora
chilena Gabriela Mistral foi a
primeira autora latino-americana a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, em
1945. Os escritores só começaram a compor a lista vinte e dois anos depois, com
o guatemalteco Miguel Ángel Asturias (1899-1974), em 1967; o chileno Pablo
Neruda (1904-1973), em 1971, o colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014),
em 1982; o mexicano Octavio Paz (1914-1998), em 1990; o peruano Mario Vargas
Llosa (1966), em 2010. Diplomata, feminista e pedagoga, Gabriela Mistral (1889-1957), cujo retrato ilustra a nota de cinco
mil pesos chilenos, é dona de uma poesia pungente (mas sem perder o lirismo ao
falar de amor e ou de dor) e de uma prosa incômoda e reflexiva (ao abordar
temas relacionados à educação e ao papel da mulher e do índio na sociedade,
principalmente na América Latina). Há um bom material, na internet, sobre a
autora do premiado Sonetos de La Muerte,
Tala e Desolación..., veja alguns links na sua biografia abaixo.
Para esta
breve homenagem a Gabriela Mistral
selecionei quatro poemas, que serão publicados (um a cada dia) ao longo da
semana, no original espanhol e em tradução para o português. O primeiro foi Medo. O segundo foi A Terra. O terceiro foi Gotas de Fel. Encerro com o belíssimo poema-prosa Todas íbamos a ser reinas, ou Todas íamos ser rainhas, em tradução cativante da escritora brasileira Henriqueta Lisboa.., presente
em Poemas escolhidos de Gabriela Mistral
(Delta, 1969).
Todas íbamos a ser reinas
Gabriela
Mistral
Todas íbamos a ser reinas,
de cuatro reinos sobre el mar:
Rosalía con Efigenia
y Lucila con Soledad.
de cuatro reinos sobre el mar:
Rosalía con Efigenia
y Lucila con Soledad.
En el valle de Elqui, ceñido
de cien montañas o de más,
que como ofrendas o tributos
arden en rojo y azafrán,
Lo decíamos embriagadas,
y lo tuvimos por verdad,
que seríamos todas reinas
y llegaríamos al mar.
Con las trenzas de los siete años,
y batas claras de percal,
persiguiendo tordos huidos
en la sombra del higueral,
De los cuatro reinos, decíamos,
indudables como el Korán,
que por grandes y por cabales
alcanzarían hasta el mar.
Cuatro esposos desposarían,
por el tiempo de desposar,
y eran reyes y cantadores
como David, rey de Judá.
Y de ser grandes nuestros reinos,
ellos tendrían, sin faltar,
mares verdes, mares de algas,
y el ave loca del faisán.
Y de tener todos los frutos,
árbol de leche, árbol del pan,
el guayacán no cortaríamos
ni morderíamos metal.
Todas íbamos a ser reinas,
y de verídico reinar;
pero ninguna ha sido reina
ni en Arauco ni en Copán.
Rosalía besó marino
ya desposado en el mar,
y al besador, en las Guaitecas,
se lo comió la tempestad.
Soledad crió siete hermanos
y su sangre dejó en su pan,
y sus ojos quedaron negros
de no haber visto nunca el mar.
En las viñas de Montegrande,
con su puro seno candeal,
mece los hijos de otras reinas
y los suyos no mecerá.
Efigenia cruzó extranjero
en las rutas, y sin hablar,
le siguió, sin saberle nombre,
porque el hombre parece el mar.
Y Lucila, que hablaba a río,
a montaña y cañaveral,
en las lunas de la locura
recibió reino de verdad.
En las nubes contó diez hijos
y en los salares su reinar,
en los ríos ha visto esposos
y su manto en la tempestad.
Pero en el Valle de Elqui, donde
son cien montañas o son más,
cantan las otras que vinieron
y las que vienen cantarán:
?«En la tierra seremos reinas,
y de verídico reinar,
y siendo grandes nuestros reinos,
llegaremos todas al mar».
Todas íamos ser rainhas
Gabriela Mistral
Gabriela Mistral
tradução: Henriqueta Lisboa
Todas íamos ser rainhas
de quatro reinos sobe o mar:
Rosália com Efigênia
e Lucila com Soledade.
Lá no vale de Elqui, cingido
por cem montanhas, talvez mais,
que com dádivas ou tributos
ardem em rubro ou açafrão,
nós dizíamos embriagadas
com a convicção de uma verdade,
que havíamos de ser rainhas
e chegaríamos ao mar.
Com aquelas tranças de sete anos
e camisolas de percal,
perseguindo tordos fugidos
sob a sombra do figueiral,
dizíamos que nos nossos reinos,
dignos de fé como o Corão,
seriam tão perfeitos e amplos
que se entenderiam ao mar.
Quatro esposos desposaríamos
quando o tempo fosse chegado,
os quais seria reis e poetas
como David, rei de Judá.
E por serem grandes os reinos
eles teriam, por sinal,
mares verdes, repletos de algas
e a ave selvagem do faisão.
Por possuírem todos os frutos,
a árvore do leite e do pão,
o guaiaco não cortaríamos
nem morderíamos metal.
Todas íamos ser rainhas
e de verídicos reinar;
porém nenhuma foi rainha
nem no Arauco nem em Copásn…
Rosália beijou marinheiro
que já tinha esposado o mar,
e ao namorador nas Guaitecas
devorou-o a tempestade.
Sete irmãos criou Soledade
e seu sangue deixou no pão.
E seus olhos quedaram negros
de nunca terem visto o mar.
Nos vinhedos de Montegrande
ao puro seio de trigal,
nina os filhos de outras rainhas
porém os seus nunca, jamais.
Efigênia achou estrangeiro
no seu caminho e sem falar
seguiu-o sem saber-lhe o nome
pois o homem se assemelha ao mar.
Lucila que falava ao rio,
às montanhas e aos canaviais,
esta, nas luas da loucura
recebeu reino de verdade.
Entre as nuvens contou dez filhos,
fez nas salinas seu reinado,
viu nos rios os seus esposos
e seu manto na tempestade.
Porém lá no vale de Elqui,
onde há cem montanhas ou mais,
cantam as outras que já vieram,
como as que vieram cantarão:
Na terra seremos rainhas
e de verídico reinar,
e sendo grandes os nossos reinos,
chegaremos todas ao mar.
*
ilustração de Joba
Tridente.2018
Gabriela Mistral (nasceu Lucila de María del
Perpetuo Socorro Godoy Alcayaga em Vicuña/Chile: 07.04.1889 e morreu em Nova
York/EUA: 10.01.1957) foi educadora, diplomata, feminista e escritora agraciada
com o Nobel de Literatura de 1945. O
pseudônimo Gabriela Mistral, em homenagem aos poetas Gabriele D’Annunzio (italiano) e Frédéric Mistral (francês), nasceu em 1914, ao ganhar o Concurso de Poesia Juegos Florais de Santiago com Sonetos de La Muerte. Em 1922 publicou
seu primeiro livro de poesias, Desolación,
ano em que foi convidada pelo Ministério da Educação do México a trabalhar nos
Planos de Reforma Educacional, tornando-se referência em pedagogia. Gabriela
foi Secretária do Instituto de Coperación Intelectual de la Sociedade de
Naciones e Consulesa do Chile e também redatora da revista El Tiempo, de Bogotá e escreveu para o Jornal do Brasil. Viajou
pela Europa, Estados e América Latina representando seu país e ou orientando
conferências culturais. Seus poemas são pungentes e tematizam tanto o amor
quanto a dor. A sua bibliografia traz os seguintes títulos: Desolación (1922); Lectura para mujeres (1924); Ternura (1924); Tala (1938); Lagar (1954); Recados contando a
Chile (1957); Páginas en prosa (1962); Los
motivos de San Francisco
(1965); Poema
de Chile (1967); Cartas de amor de GM (1978); Materias (1978); Gabriela piensa en.... Santiago de Chile (1978); Prosa
religiosa de GM (1978); GM en el "Repertorio Americano" (1978); Gabriela
anda por el mundo
(1978); Grandeza de los ofícios (1978); Croquis mexicanos (1979); Magisterio y niño (1979); Elogios de las cosas de la tierra (1979); Magistério y Niño (1982); Epistolario de G M y
Eduardo Barrios
(1988); G
M y Joaquín García Monge
(1989); Vendré
olvidada o amada
(1989); Italia
caminada (1989); Poesías completas (1989); Memorias y correspondencia con G M y
Jacques Marit
(1989); Lagar
II (1991); En
batalla de sencillez
(1993); Vuestra
Gabriela (1995); Epistolario de G M e
Isolina Barraza
(1995); Dolor (2001). Para saber mais: Templo Cultural Delfos: Gabriela Mistral - uma viagem pela
linguagem poética;
Cultura UNAM: Gabriela Mistral – Poesia Moderna; Blog da Inês Büschel: Gabriela Mistral - Prêmio Nobel de
Literatura ;
Poetry Foundation: Gabriela Mistral; Antonio Miranda: Gabriela Mistral;
PGL.gal: Gabriela Mistral: filme ‘A Gabriela’
e vários documentários; Vermelho: Gabriela Mistral, para ler à noite,
perder o sono e ter pesadelos; Blog Oficial: Gabriela Mistral; Memória Chilena: Gabriela Mistral: A Cien Años de su
Nascimiento; Chile
para Niños: Gabriela Mistral - Vida y Pensamiento; Repositório Unicamp: Gabriela Mistral: das danças de roda
de uma professora consulesa no Brasil; Poemas del Alma: Poemas de Gabriela Mistral; wlu.edu: Gabriela Mistral; My poetic Side: Gabriela Mistral Poems; Via Negativa: Mapping a different star: five poems
by Gabriela Mistral;
Numéro Cinq: Gabriela Mistral: The Archangel, The Wind; Kate Sharpley Library: Chilean Poet Gabriela Mistral
and Anarchism.
Henriqueta Lisboa (Lambari/MG 1901 - Belo Horizonte/MG
1985) foi professora de Literatura Hispano-Americana na Universidade Católica
de Minas Gerais e na Universidade Federal de Minas Gerais, escritora, ensaísta
e tradutora. Por sua admirável literatura, transitando entre o simbolismo e o
modernismo, Henriqueta Lisboa foi agraciada com diversos prêmios literários: Prêmio Olavo Bilac de Poesia (1929); Prêmio Othon Bezerra de Mello (1952); Prêmio de Poesia Pen Club do Brasil
(1984); Prêmio Machado de Assis
(1984). O seu primeiro livro, Fogo Fátuo,
foi lançado em 1929, aos 21 anos. Seguiram-se a ele: Enternecimento (1929); Velário (1936);
Prisioneira da noite (1941); O menino poeta (1943); A face lívida (1945); Flor da morte (1949); Madrinha Lua (1952); Azul profundo (1955); Lírica (1958); Montanha viva (1959); Além
da imagem (1963); Nova Lírica (1971);
Belo Horizonte bem querer (1972);
O alvo humano (1973); Reverberações (1976); Miradouro e outros poemas (1976); Celebração dos elementos: água, ar, fogo,
terra (1977); Pousada do ser (1982);
Poesia Geral (1985). Henriqueta
traduziu os Cantos, de Dante
Alighieri (1969), e Poemas Escolhidos de
Gabriela Mistral (1969). Para saber mais sobre a autora, que foi a primeira
mulher eleita membro da Academia Mineira de Letras, em 1963, e entre 1961 e
1968 organizou a Antologia Poética Para a
Infância e a Juventude e da Literatura Oral Para a Infância e Juventude:
Antonio Miranda/Brazilian Poetry: Henriqueta Lisboa; Scripta/Ângela Vaz Leão: Henriqueta Lisboa: a poesia
transcodificada; Nau
Literária/Adriana Rodrigues
Machado: Henriqueta Lisboa: a morte como
florescimento do ser;
Revista de Letras/Carla Francine da Silva Reis: Henriqueta Lisboa e a Educação Estética
da Criança; Scripta/Reinaldo
Marques: Henriqueta Lisboa: tradução e mediação
cultural; Templo
Cultural Delfos: Henriqueta Lisboa - desbravadora de
caminhos.
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