No ano 2000, recebi do então editor de
cultura José Carlos Fernandes, do jornal Gazeta
do Povo, de Curitiba, um convite desafiador: realizar um trabalho plástico
para ilustrar a releitura da Via-Sacra
feita pelo escritor e cineasta Valêncio
Xavier (1933-2008).
Bem, para mim, um livre pensador que já
teve censurada a exposição Sagrados e
Profanos, por conta da catarse sobre religião e política, foi um convite
inusitado. Todavia(crucis), como
tinha liberdade para abordar o tema, aceitei. Trabalhei um bom tempo entre
pesquisa e realização, optando por uma técnica de recortes (utilizando uma
grande variedade de papel) e sobreposição tridimensional.
Em 2011 fiz uma postagem da Via-Sacra, mas sem o texto
contemporâneo de Valêncio Xavier. Esta é a reedição da publicação completa
feita em Abril de 2015 e Abril de 2017. Como não tenho as fotos originais do jornal, fotografei
as artes (em acervo) com uma câmera simples e a qualidade (com os cortes) não
está das melhores, mas queria aproveitar o momento.
Hoje, 19 anos depois, o texto de Valêncio Xavier continua
pertinente, no país e num mundo assolados pela miséria,
corrupção, ódio, doenças, guerras... Quanto ao foco da minha releitura da Via-Dolorosa, publicada na Sexta-Feira,
21 de Abril de 2000, que cada um se deixe enredar pela coroa de espinhos e tire
a sua própria conclusão.
Uma Releitura da Via-Sacra
texto de Valêncio Xavier
ilustração de Joba Tridente
21.04.2000
Jesus é condenado à morte
Jesus aceita com submissão e amor a
sentença que O condena, pois foi pela sua morte que Ele nos deu a Redenção, e
impediu a morte de nossa alma.
Jesus recebe a cruz
Sem reclamar, Jesus recebe sobre seus
ombros o peso esmagador da cruz: o peso de teus pecados e todas as misérias do
mundo e o desamor dos seres humanos uns pelos outros.
Jesus cai pela primeira vez
O peso da cruz aumenta a cada passo.
Seu corpo está coberto pelo sangue derramado nas guerras infindas dos homens
contra os homens. Ele perde suas forças e cai por terra, pela Terra.
Jesus encontra-se com sua mãe
Jesus encontra-se com Maria, sua mãe.
Mãe e filho se abraçam em meio à dor. A Terra é nossa mãe, vamos nos abraçar a
ela e impedir que filhos ingratos destruam seus rios, suas matas, sua vida.
Simão Cirineu ajuda Jesus
Jesus, na sua humildade, aceita que um
humilde homem do povo o ajude a carregar a cruz ao cimo do Monte Calvário.
Ajudemos a carregar a pesada cruz dos homens do povo sem emprego.
A Verônica enxuga o rosto de Jesus
Uma mulher enfrenta os ferozes guardas
e enxuga o sangue de Jesus. No lenço fica impresso o rosto de Jesus sofredor.
Em tua alma está impresso o sofrimento das mulheres por seus filhos sem escola,
sem médicos.
Jesus cai pela segunda vez
Sob o peso da cruz, Jesus cai outra
vez. Mas a força de seu amor pela humanidade o faz levantar-se e seguir rumo ao
Calvário. Nós podemos ajuda-lo a levantar-se, ajudando a levantar os caídos
pelo peso das drogas e da aids.
Jesus consola as mulheres
Jesus esquece seus sofrimentos para
consolar as mulheres que choravam. Ele fez isso para que não esqueças o sofrer
das mulheres que fazem trabalhos acima das suas forças e ganham menos do que
merecem.
Jesus cai pela terceira vez
A humilhação pelo peso redobrado dos
pecados do mundo faz Jesus cair sob o peso esmagador da cruz ao chegar ao Calvário.
E quantos de nós somos esmagados por leis injustas ou pela falta de leis que
nos protejam da corrupção que corrói o país?
Jesus é despido
Jesus é humilhado na sua divindade e
nos seus direitos humanos ao ser despojado de suas vestes. Nós devemos nos
sentir humilhados ao ver os direitos humanos de nossos semelhantes serem
negados, e devemos lutar contra isso.
Jesus é pregado na cruz
Os pregos ferem a carne de Jesus e a
tortura continua com a cruz levantada e os soldados ferindo-O com suas lanças.
A tortura de inocentes prossegue em muitas partes do mundo. Cabe a nós lutarmos
contra isso.
Jesus morre na cruz
O véu de Templo rasgou-se ao meio e
Jesus exclamou num grito: “Pai, nas tuas
mãos entrego meu espírito!”, e morreu por nós. Quantos de nós estamos
morrendo de fome, frio, e em guerras e por mãos criminosas? O que faremos para
cessar essas mortes?
Maria recebe Jesus morto
Não existe dor maior que a de uma mãe
receber nos braços o seu filho morto. E que podemos fazer pelas mães que têm
seus filhos mortos por traficantes de drogas, por desmandos da polícia e por
falta de segurança no país?
Jesus é sepultado
Jesus morto nos deu a vida verdadeira.
Seu sepulcro foi o caminho da ressurreição e nos céus velará por nós e nos dá a
esperança de que, aqui na Terra, alguém há de velar por nós.
Ressurreição
******
Valêncio Xavier (1933-2008): jornalista, escritor,
cineasta. Entre suas obras mais importantes estão os livros: Desembrulhando as Balas Zequinha (1973);
Mez da Gripe (1981); O Mistério da Prostituta Japonesa &
Mimi-Nashi-Oichi (1986); Minha Mãe
Morrendo e o Menino Mentindo (2001), Crimes
à Moda Antiga (2004)..., e os filmes: A
Visita do Velho Senhor; Carta a
Fellini; O Pão Negro - Um episódio da
Colônia Cecília. Para mais informações sugiro a leitura do artigo As Muitas Vidas de Valêncio Xavier no
portal Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro.
Joba Tridente: artesão
de palavras e imagens. Individuais: 1991
- Sagrados e Profanos -
Hall da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná - Curitiba-PR; 1986 - Sagrados e Profanos - Galeria “B”
da Fundação Cultural do Distrito Federal - DF; 1983 - I Comício Cósmico de Brasília - Centro Cultural Le Corbusier –
DF. Coletivas: 2015 - Bench Artes - São Paulo-SP; Nem Tudo Termina em Pizza - São
Paulo-SP. 2013 - Mail Art Cupcake -
MuBE - Museu Brasileiro de Escultura. 2000 - Fandango Subindo a Serra - SESC da Esquina -
Curitiba-PR. 1997 - Guido
Viaro, 100 Anos: Interpretação 97 - Museu de Arte do Paraná - Curitiba
- PR. 1996 - V Concurso de Presépios -
Memorial da Cidade de Curitiba - PR; 1994 (itinerante: 1995/1996) - Suite Vollard, Picasso - Uma Interpretação
Paranaense - Museu de Arte do Paraná - Curitiba - PR; 1987 - Salão de Artes Plásticas de Brasília -
Galeria da Fundação Cultural do Distrito Federal - DF e Levante Centro-Oeste - Galeria da
Fundação Cultural do Distrito Federal - DF; 1986 - Salão de Artes Plásticas de Brasília - Galeria “B” da Fundação
Cultural do Distrito Federal - DF; 1983 - I salão de Arte Mística/Mítica/Mediúnica - Hall da Prefeitura
Municipal de Petrópolis - RJ e II
Salão de Arte Mística/Mítica/Mediúnica - Centro de Convenções de
Brasília - DF; 1977 - II Salão de
Arte e Pensamento Ecológico - Touring Club de Brasília - DF; 1974
- I Encontro de Artes do ABC -
Hall do Teatro Municipal de São Bernardo do Campo - SP. Gráficas, Humor: 1997 - 1ª Mostra da Ilustração Paranaense - Museu de Arte
Contemporânea do Paraná - Curitiba - PR; 1993 - Bienal Internacional de Quadrinhos do Rio de Janeiro - RJ;
1991 - Arkivo Gráphico -
Gibiteca de Curitiba - PR; 1980 - Brasília 20 Anos - Hall do SESC -
DF e Caricatura e Desenho de
Humor de Ontem e de Hoje - Criatura-I - Exposição itinerante
organizada pela FUNARTE em: DF/SP/RJ/BA/CE/PR; 1977 - II Salão de Humor de Brasília - Fundação Cultural do Distrito
Federal - DF; 1976 - Salão de Humor
de Brasília - Fundação Cultural do Distrito Federal - DF.
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