terça-feira, 16 de julho de 2019

Zalina Rolim: Quatro Poemas Infantojuvenis


Em Outubro de 2012, mais precisamente na Semana da Criança, a cada dia postei, aqui no Falas ao Acaso, um texto diferente, em prosa e ou em verso, de autores brasileiros e estrangeiros, encerrando com o poema O Cão e os Pássaros, de Zalina Rolim, que encontrei no Livro das Crianças, editado em 1896, disponibilizado em PDF no Portal da Unicamp. Nos idos (já foram tarde?) do século 19, às portas do século 20, a literatura voltada ao público infantojuvenil (?) era bem moralista. Os padrões (e patrões) de tradição (principalmente religiosa), família (moral) e patrimônio (social), eram outros. A maioria das crianças era (?) tratada como adultos em miniatura..., hoje em dia há uma tendência à erotização das pequenas. Bem, apesar dos (novos) pesares, muita coisa mudou no ensino e na literatura infantojuvenil, neste último século.

Em seu prefácio o entusiasmado, para o Livro das Crianças, professor Gabriel Prestes diz: “NÃO é de crítica este prefácio. É apenas uma advertência sobre o valor pedagógico do precioso livro escolar que a distinta poetisa e professora d. Zalina Rolim oferece às nossas escolas e que o governo do Estado, por indicação do Conselho Superior, em boa hora resolveu publicar, satisfazendo todas as condições estéticas exigíveis em trabalho desta natureza. (...) A leitura de uma das poesias de que o livro se compõe, tomada ao acaso, dispensa-me de qualquer apreciação sobre o seu mérito literário, o que, aliás, me levaria muito além dos limites a que tenho de me restringir. (...) Basta-me, pois, dizer que, quanto à impressão, o livro de d. Zalina Rolim será um primor de nitidez e elegância, quanto à composição, um modelo de singeleza e espontaneidade. (...) O "Livro das Crianças" vai ser de inapreciável valor para o ensino de nossas escolas. É mais do que um simples livro de leitura, é um modelo sugestivo para o ensino da linguagem oral e escrita. (...) Se, em uma frase apenas fosse possível resumir este prefácio, eu diria que o valor deste trabalho vai além do que indica o seu título: não é apenas um "Livro das Crianças", é também um livro para crianças e, mais do que isso, é um livro para os bons mestres.”

O volume Livro das Crianças é um dos livros de poesia infantil menos moralistas que li. O que não quer dizer que não tenha lá as suas lições de moral e bons costumes... Aproveitando o período de férias escolares no Brasil, me pareceu interessante postar algo mais lúdico. Assim, retornei à Zalina Rolim e escolhi os singelos A Primeira Lição; Em Férias; No Mar; A Volta Ao Lar.
  


A PRIMEIRA LIÇÃO
Zalina Rolim

RAUL não sabe ler;
É um traquinas, que vive toda a hora
Pela campina em fora
A correr, a correr...

Desde pela manhã,
Salta do leito em fraldas de camisa,
E por tudo desliza
Numa alegria sã.

Nada de livros, não;
Para ele a campina, os passarinhos,
Os assaltos aos ninhos,
A pesca ao ribeirão

E as corridas em pós
Dos bezerros e cabras e novilhas...,
Rasgando ásperas trilhas,
Veloz, veloz, veloz!

Mas, um dia, ele viu
A irmãzita no livro debruçada,
E o som de uma risada
O ouvido lhe feriu.

Que teria, meu Deus!
Aquele grande livro tão pesado,
Ali dentro guardado,
Longe dos olhos seus?

E aproximou‑se mais.
Ceci, toda entretida na leitura,
Mostrava, rindo, a alvura
Dos dentinhos iguais.

E o pequenito a olhar,
Mas debalde; no livro, aberto em frente,
Letras, letras, somente...
Raul pôs‑se a chorar.

Pois não estava ali
Um livro injusto e mau, que até escondia
A causa da alegria
Da risonha Ceci?

Mas a irmã, tal e qual
Uma bondosa mãe ao filho amado,
Fê‑lo assentar‑se ao lado
E explicou‑lhe o seu mal.
E com tanta razão
Que, abrindo atento o livro misterioso,
Raul pediu, ansioso,
A primeira lição.




EM FÉRIAS
Zalina Rolim

NO campo a gente madruga;
Deixa‑se a cama cedinho,
Quando a aurora acorda o ninho
E o orvalho às plantas enxuga.

O céu é todo rubores;
Toda a campina, um veludo...
E ondeia e espalha‑se em tudo
O aroma vivo das flores.

Sai das verdes profunduras
Barulho d'água, ligeiro,
Como um som de voz fagueiro,
Falando de cousas puras.

E deleita e aviva o olfato,
O cheiro forte e sadio,
Que vem das margens do rio
E dos verdores do mato.

Os burricos vão espertos,
Num trote, campina em fora,
Alongando o olhar, que explora
Longínquos plainos desertos

E as vozes dos pequeninos
Ressoam festivamente,
No frescor do ar transparente,
Em vivos sons cristalinos.

Na frente, o mais corajoso,
‑ Chapéu na mão, pronto e ledo,
Explora o campo, sem medo,
Todo radiante de gozo.

E, farejando o caminho,
Pendente a língua vermelha,
O cão, no olhar, o aconselha
A dar a rédea ao burrinho.

Das frescas moitas cheirosas,
Tintas de alegres matizes,
Erguem o vôo as perdizes,
Batendo as asas plumosas.

E mil insetos, zumbindo
No ar puro da madrugada,
Sonorizam toda a estrada
Num concerto estranho e lindo.




NO MAR
Zalina Rolim

TOALHAS verdes, alva espuma,
Areia branca sem fim,
E as ondas, que, de uma a uma,
Vêm quebrar-se ao pé de mim.

Longe, um barco leve, leve,
Cortando o espelho do mar,
Com velas brancas de neve,
Que o vento enfuna a cantar.

E o barco avança ligeiro
Num garbo de quem conduz
Gozo plácido e fagueiro
Das águas a flux.

Vem de outras terras e praias,
Que eu não conheço, e nem sei
Onde assentam suas raias,
Qual seu nome e sua lei.

No largo bojo profundo,
Que lindas cousas não traz!
Vem das plagas de outro mundo?
É mensageiro de paz?

Uma canção, doce e bela,
Voz de marinheiros, vem,
Numa toada singela,
Que afaga o peito e faz bem.

E eu sonho ignotos países;
Céus de esplêndido fulgor;
Vergéis de ricos matizes;
Rios de ingente rumor;

Cidades, palácios, quintas;
Sons de outra língua; outra voz;
Decorações de áureas tintas,
E outros povos como nós...

E a visão prende-se a vista...
E eu sonho - crescer... crescer...
E, olhos de sábio e de artista,
Por todo o mundo estender.




A VOLTA AO LAR
Zalina Rolim

MIRA-LHE o rosto e beija-o, traço a traço,
Plena de um gozo ideal, que a transfigura;
Olha-o de novo e, após, recua um passo
Para fitá-lo bem, toda ternura.

Passa-lhe à cinta docemente o braço,
Baixinho frases trêmulas murmura,
Quebra-lhe a voz suavíssimo cansaço,
E enche-lhe d'água os olhos a ventura.

Depois toma-lhe as mãos, e, ávida, escuta
- A alma nos olhos, sem querer mais nada -
A odisseia da ausência, e a vida e a luta.

Diviniza-lhe o rosto estranho brilho;
Move os lábios, sorrindo-se enlevada,
E só consegue murmurar: "Meu filho!"

***
ilustrações: Joba Tridente.2019


Maria Zalina Rolim Xavier de Toledo (Botucatu-SP: 20.07.1869 - São Paulo-SP: 24.06.1961), escritora de prosa e verso, tradutora e educadora (1896 e 1897). Zalina Rolim exerceu o cargo de vice-inspetora do Jardim da Infância anexo à Escola Normal Caetano de Campos, em São Paulo. Traduziu e adaptou diversos textos para a Revista do Jardim de Infância e colaborou com diversas revistas femininas e jornais, como A MensageiraO ItapetiningaCorreio Paulistano e A Província de São Paulo. É autora de: O coração (1893); Livro das Crianças (1897); Livro da saudade (1903). Referência: Portal Unicamp e Wikipédia.

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