segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Joba Tridente: Aula de Religião


Aula de Religião
uma questão polêmica

1
Garoto. No fim do primário ou começo do ginásio. Tive Aula de Religião (Católica Apostólica Romana, evidentemente) na escola pública, dada por um padre. Na época era Católico Apostólico Romano. Não me incomodava muito. Não tardou para eu aprender a diferença entre Religião e Teologia. Ao compreender o que era singular e o que era plural, encontrei a dúvida. Ao buscar respostas virei um Livre Pensador. Na minha cidade, no interior de São Paulo, numa região chamada de Alta Paulista, numa cidade chamada Osvaldo Cruz, tinha além da Igreja Católica Apostólica Romana, uma Igreja Batista e uma Igreja Presbiteriana, além de um Centro Espírita, pelo que me lembro. Isso foi lá pelos anos 1960. Era adolescente. Estou certo de que os fiéis de outras crenças não eram obrigados a assistir a Aula de Religião sobre o Catolicismo, que encerrava com uma reza.

2
Hoje há um mercado de religiões (e variantes) para todo tipo de gosto e de bolso e de intenção. E todas as religiões são favoritas e únicas, do deus lá delas, em detrimento do deus lá das outras. O homem teme o que ele criou. O que ele inventou. Inventa-se um monstro para temê-lo. Inventa-se um deus para todas as causas. Religião não deve ser imposta, quiçá proposta. O oculto na verdade de um nem sempre (ou nunca) é satisfação na verdade exposta do outro. Cada um compreende a sua “necessidade” e coisa alguma mais aquém ou além dela. O homem religioso é egoísta (como a sua crença) por natureza. Partilhar (se não a crença) é força de expressão ou gesto de ocasião. Tudo é dízimo no corpo ou na alma daquele que ignora a própria “fé”.

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Ensinar Teologia ou ao menos abrir espaço de discussão em sala de aula, num leque de opções religiosas e crenças outras, parece positivo..., mas pode ser também perigoso, sem a neutralidade do palestrante. Há no mundo uma corrente (pequena ainda) que crê num totalitarismo evangélico, amanhã, mais forte e fundamentalista que o do catolicismo cristão, ontem. É mais que possível. Quando vemos “religiosos” vociferadores a qualquer hora do dia (e da noite) nas redes de TV ou pelas ruas ou pelos “templos” impondo as suas “verdades”, há que se temer. Quando vemos “religiosos” vociferadores a qualquer hora do dia (e da noite) travando (e tramando) sua eterna guerra santa em nome do “impiedoso”, infiltrados nos negócios políticos e financeiros, há que se temer. Quando se vê, se lê, se ouve vociferações religiosas, de quem quer seja (sagradas ou profanas) há que se temer, sim!

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Se, aos olhos marxistas, ontem a religião era “o ópio do povo”, aos olhos democratas, hoje ela é “o crack do povo” Só mudou o nome da droga. Liberar é muito diferente de libertar. Dar aula sobre religiões, com a sua literatura (mítica/mística/erótica) incorporada, é uma coisa. Mas, dar aula somente sobre uma religião e a sua literatura incorporada, em detrimento de outras, me parece preconceituoso. Ou se fala sobre todas ou sobre nenhuma. Na verdade, não vejo em quê a aula de religião pode ajudar/melhorar a vida (profissional) de uma gente antes carente de saneamento básico, comida, educação, saúde, escola, hospital, moradia, cidadania... , e que a cada dia está mais para um trecho de Partido Alto (de Chico Buarque): Diz que Deus, diz que dá/ Diz que Deus dará/ Não vou duvidar, ô nega/ E se Deus não dá/ Como é que vai ficar, ô nega/ Diz que Deus, diz que dá/ E se Deus negar, ô nega/ Eu vou me indignar e chega...; do que para um trecho do verso do poeta latino Juvenal (in Sátiras X): mens sana in corpore sano (mente sã em corpo são).

5
A propósito de mens sana in corpore sano, que tem hoje as mais diversas aplicações, há um trecho da Sátira X, em tradução livre, na Wikipédia: Deve-se pedir em oração que a mente seja sã num corpo são./ Peça uma alma corajosa que careça do temor da morte,/ que ponha a longevidade em último lugar entre as bênçãos da natureza,/ que suporte qualquer tipo de labores,/ desconheça a ira, nada cobice e creia mais/ nos labores selvagens de Hércules do que/ nas satisfações, nos banquetes e camas de plumas de um rei oriental./ Revelarei aquilo que podes dar a ti próprio;/ Certamente, o único caminho de uma vida tranquila passa pela virtude.;
e o recorte do mesmo trecho (com os dois versos finais) que pode ser lido em Boletim de Estudos Clássicos – 33, num estudo de Joana Abranches Portela: Mas, se à viva força queres fazer algum pedido e oferecer nos santuários/ as entranhas e os salpicões divinatórios de um porquinho luzidio,/ então pede uma mente sã num corpo são./ Pede uma alma forte isenta do terror da morte,/ que coloque uma vida longa em último entre os dons/ da natureza, que possa suportar quaisquer canseiras,/ que não conheça a ira, que não tenha ambições e considere preferíveis/ os sofrimentos de Hércules e os seus duros trabalhos/ à volúpia e aos festins e aos cochins de Sardanapalo./ O que te aconselho, tu mesmo a ti podes dar, certamente/ é pela virtude que se abre o único caminho de uma vida tranquila./ Não precisas de nenhum deus, se tens a razão. Somos nós/ que te fazemos deusa, ó Fortuna, e te colocamos no céu.

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Ou seja, fora do contexto, cada um faz a leitura que quiser ou puder dos poemas de Chico Buarque ou de Juvenal. Apesar dos poetas não dizerem exatamente o que achamos que eles disseram, já que um trecho não expressa o poema inteiro. É assim, também, com a religião.

ilustração de Joba Tridente: Mito

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