sábado, 12 de dezembro de 2009

Livro: Micrômegas

O gigante Micrômegas encontra o navio
dos filósofos. (Gravura de Charles Monnet)


Micrômegas
O lado “B” da literatura “A” na Internet


Esta série de cinco artigos, que escrevi em 2001, foi publicada no Caderno G, da Gazeta do Povo, de Curitiba, no segundo semestre do mesmo ano.

O convite de hoje é para visitar a Virtual Book que oferece grátis excelente literatura em seis idiomas (português, espanhol, inglês, francês, italiano e alemão) e descobrir o mundo iluminado, irônico e sarcástico de Voltaire (1694/1778) através da divertida ficção Micrômegas (1750).

Micrômegas é um conto de leitura fácil e rápida onde as idéias de Voltaire, o filósofo do iluminismo, “viajam” livres entre a ficção sacra e profana e a filosofia pura. Quem conhece Zadig (1749) e Cândido (1759), outras obras fascinantes do autor, vai encontrar um ponto em comum: o personagem andarilho. Assim como Zadig e Cândido vagam por países e/ou reinos desconhecidos, buscando conhecimento, sabedoria e respostas aos seus intermináveis infortúnios, Micrômegas vaga pelo Universo em busca de instrução filosófica.

As aventuras espaciais de Micrômegas, bem no estilo ficção científica, são narradas com muito sarcasmo. O personagem título é originário da estrela Sírio, mede oito léguas de altura e decidiu fazer uma viagem filosófica, ao ser condenado por causa de suas estranhas idéias, como “querer saber se a forma substancial das pulgas de Sírio era da mesma natureza que a dos caramujos”. Em Saturno ele conhece o secretário da Academia, um filósofo um tanto quanto pessimista, que o acompanha na viagem. Os dois chegam na Terra, na margem setentrional do Mar Báltico, a 5 de Julho de 1737. Como eles não conseguem enxergar os minúsculos seres humanos, duvidam que exista algum tipo de vida na Terra ou que alguém de bom senso queira viver aqui. A dúvida persiste mesmo quando encontram um navio transportando filósofos, pois acham impossível que seres tão pequenos falem ou pensem, pois “para falar é preciso pensar ou quase”. Mas logo que começam a filosofar os extraterrestres vão descobrir que estão “altamente” enganados.

Em Micrômegas, Voltaire não deixa, pensamento sobre pensamento. Com seu humor cáustico questiona a essência das coisas, do espírito, da matéria, da alma; indaga sobre a duração da vida e a razão da morte; esmiuça a estupidez de todos os seres: “Sabeis, por exemplo, que neste momento, cem mil doidos da minha espécie, que usam chapéus, matam cem mil outros animais que usam turbante ou são massacrados por eles. Por toda a Terra é assim que se procede desde tempos imemoriais. (...) Trata-se, informou o filósofo, de um pouco de lama do tamanho do vosso calcanhar. Não é que qualquer dos Homens que se deixa degolar pretenda algumas migalhas dessa lama. Trata-se apenas de saber se ela é pertença de um certo homem chamado “Sultão” ou de outro a quem denominam, não sei porquê “César”. (...) Nem um nem outro viram ou chegarão a ver o pequeno torrão em litígio; e quase nenhum destes animais, que mutuamente se degolam, viu o animal por quem se deixa matar.

Micrômegas é a obra ideal para se iniciar em Voltaire. É um texto curto, enxuto e terrivelmente atual nas suas entrelinhas, onde há bem mais que um simples colóquio filosófico sobre a vida inteligente no Universo. Bom, é verdade que os conceitos científicos do séc.18 mudaram um pouco, mas como ainda não há provas da existência ou não de seres verdes em Marte, quem pode garantir que não existam jesuítas e matemáticos resolvendo teoremas de Euclides em Sírio e Saturno?

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