domingo, 2 de novembro de 2014

Pierre Jean de Béranger: O Caçador e a Leiteira

Ah, a arte da sedução e o poder da persuasão! Será que toda perseverança leva ao triunfo? O quê os olhos veem o sexo consente? Confira neste malicioso e divertido poema O Caçador e a Leiteira, de Pierre Jean de Béranger, em tradução de Trajano Galvão, publicado no livro Sertanejas (1898). Atualizei apenas a grafia de algumas palavras.


                             

O Caçador e a Leiteira
Pierre Jean de Béranger

Com doces cantos a calhandra alegra
Do almo dia o vermelho despontar;
O amante caçador segue, oh! leiteira,
Meigas falas de amor hás de escutar;
Da primavera as orvalhadas flores
Vamos, oh! bela, para ti colher.
- Não, caçador, de minha mãe hei medo,
E o meu tempo não posso aqui perder.

Tua mãe por detrás d'aquele oiteiro
Co'a mimosa ovelhinha longe está.
Olha, aprende, oh! leiteira, esta modinha,
Tão bonita na Corte outra não há;
A moça, que lograr saber cantá-la,
Os mais volúveis poderá prender.
- Também sei, caçador, modinhas ternas,
E o meu tempo não posso aqui perder.

Porque o possas contar, o triste caso
Aprende de um barão mui furibundo,
Que de cioso arrasta a pobre esposa,
Viva e bem viva, para o outro mundo;
Historia que, narrada em noite escura,
Faz quem ouve de medo estremecer.
- Também sei, caçador, contos mui tristes,
E o meu tempo não posso aqui perder.

Quero ensinar-te uma oração mui santa
Com que aplaques o lobo esfomeado,
Com que possas zombar das feiticeiras,
Livrar-te de quebranto, ou mau olhado.
Bem pode alguma velha malfazeja
Vis malefícios contra ti fazer.
- Não tenho, oh! caçador, o meu rosário?...
E o meu tempo não posso aqui perder.

Pois bem, vês esta cruz?... como é brilhante,
Cravada de rubins de grão valor!...
Da moça que ela ornar, ao lindo seio
Os olhos chamará... cegos de amor.
Será tua, apesar do alto preço;
Mas, vê lá... o que em troca hei de querer!...
- Sou vossa, caçador, quanto é formosa!...
E o meu tempo não posso mais perder!


*
Ilustração de Joba Tridente - 2014


Pierre Jean de Béranger (1780 – 1857): poeta, libretista, cancioneiro..., autor de canções emblemáticas no período da Revolução Francesa e que ainda despertam interesse (em 2005 o músico Jean-Louis Murat, lançou o álbum 1829, com algumas delas). Béranger foi tão popular quanto Victor Hugo e Alphonse de Lamartine. Publicou a primeira coletânea lírica, Chansons morales et autres (Canções morais e outras), em 1815. Chansons nouvelles et dernières (Canções novas e últimas), dedicada a Lucien Bonaparte, saiu em 1833. Além de inúmeras canções, escreveu sua Biographie e uma coleção de epístolas: Correspondance. Fonte Wikipédia: Pierre Jean de Béranger.

Trajano Galvão de Carvalho (1830 - 1864), escritor maranhense, tradutor, abolicionista, precursor da poesia afro-brasileira. A maior parte do pouco que produziu, a seu pedido, teria sido destruída pela sua esposa. Em Julho de 2013 postei o seu poema O Brasil, que se encontra recolhido em Sertanejas (1898), Edição da Imprensa Americana, do Rio de Janeiro. 

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