Ah, a arte da sedução e o poder da persuasão! Será que toda perseverança leva ao
triunfo? O quê os olhos veem o sexo consente? Confira neste malicioso e
divertido poema O Caçador e a Leiteira,
de Pierre Jean de Béranger, em
tradução de Trajano Galvão, publicado
no livro Sertanejas (1898). Atualizei
apenas a grafia de algumas palavras.
O Caçador e a Leiteira
Pierre Jean de Béranger
Com
doces cantos a calhandra alegra
Do almo
dia o vermelho despontar;
O amante
caçador segue, oh! leiteira,
Meigas
falas de amor hás de escutar;
Da
primavera as orvalhadas flores
Vamos,
oh! bela, para ti colher.
- Não,
caçador, de minha mãe hei medo,
E o meu
tempo não posso aqui perder.
Tua mãe
por detrás d'aquele oiteiro
Co'a
mimosa ovelhinha longe está.
Olha,
aprende, oh! leiteira, esta modinha,
Tão
bonita na Corte outra não há;
A moça,
que lograr saber cantá-la,
Os mais
volúveis poderá prender.
- Também
sei, caçador, modinhas ternas,
E o meu
tempo não posso aqui perder.
Porque
o possas contar, o triste caso
Aprende
de um barão mui furibundo,
Que de
cioso arrasta a pobre esposa,
Viva e
bem viva, para o outro mundo;
Historia
que, narrada em noite escura,
Faz
quem ouve de medo estremecer.
- Também
sei, caçador, contos mui tristes,
E o meu
tempo não posso aqui perder.
Quero
ensinar-te uma oração mui santa
Com que
aplaques o lobo esfomeado,
Com que
possas zombar das feiticeiras,
Livrar-te
de quebranto, ou mau olhado.
Bem pode
alguma velha malfazeja
Vis
malefícios contra ti fazer.
- Não
tenho, oh! caçador, o meu rosário?...
E o meu
tempo não posso aqui perder.
Pois
bem, vês esta cruz?... como é brilhante,
Cravada
de rubins de grão valor!...
Da moça
que ela ornar, ao lindo seio
Os
olhos chamará... cegos de amor.
Será
tua, apesar do alto preço;
Mas, vê
lá... o que em troca hei de querer!...
- Sou
vossa, caçador, quanto é formosa!...
E o meu
tempo não posso mais perder!
*
Ilustração de Joba Tridente - 2014
Pierre Jean de Béranger (1780 – 1857): poeta, libretista,
cancioneiro..., autor de canções emblemáticas no período da Revolução Francesa
e que ainda despertam interesse (em 2005 o músico Jean-Louis Murat, lançou o
álbum 1829, com algumas delas). Béranger
foi tão popular quanto Victor Hugo e Alphonse de Lamartine. Publicou a primeira
coletânea lírica, Chansons morales et
autres (Canções morais e outras), em 1815. Chansons nouvelles et dernières (Canções novas e últimas),
dedicada a Lucien Bonaparte, saiu em 1833. Além de inúmeras canções, escreveu
sua Biographie e uma coleção de epístolas:
Correspondance. Fonte Wikipédia: Pierre Jean de
Béranger.
Trajano Galvão de Carvalho (1830 - 1864), escritor maranhense,
tradutor, abolicionista, precursor da poesia afro-brasileira. A maior parte do
pouco que produziu, a seu pedido, teria sido destruída pela sua esposa. Em
Julho de 2013 postei o seu poema O
Brasil, que se encontra recolhido em Sertanejas (1898), Edição da Imprensa Americana, do Rio de Janeiro.
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