segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Torquato Neto: Bilhetinho Sem Maiores Consequências

Ontem, 9 de 11 de 2014, Torquato Neto faria 70 anos. Hoje, 10 de 11 de 2014, faz 42 anos que Torquato Neto se foi conta própria. A data não é redonda, mas a geleia continua aguda. Alguns a engolem agridoce. Outros a rejeitam azeda. O verso só tem sabor para quem sabe absorver a palavra crua e absolver a cozida. São demais os poemas dessa vida que poderia postar para homenagear Torquato Neto. Preferi o Bilhetinho Sem Maiores Consequências, pela ironia. Ou seria pela ressaca eleitoral?


                                

Bilhetinho Sem Maiores Consequências
Torquato Neto - Rio 7.7.62

Uma retificação, meu bom Vinícius:
Você falou em "bares repletos de homens vazios"
e no entanto se esqueceu
de que há bares
lares
teatros, oficinas
aviões, chiqueiros
e sentinas,
cheinhos (ao contrário)
de homens cheios
Homens cheios.
(e você bem sabe)
entulhados da primeira à última geração
da imoralidade desta vida
das cotidianas encruzilhadas e decepções
da patente inconsequência disso tudo.
Você se esqueceu
Vinícius, meu bom,
dos bares que estão repletos de homens cheios
da maldade das coisas e dos fatos,
dos bares que estão cheios de homens cheios
da maldade insaciável
dos que fazem as coisas
e organizam os fatos
E você
que os conhece tão de perto
Vinícius "Felicidade" de Moraes
não tinha o direito de esquecer
essa parcela imensa de homens tristes,
condenados candidatos naturais
a títulos de tão alta racionalidade
a deboches de tão falsa humanidade.

Com uma admiração "deste tamanho".

*
Ilustração de Joba Tridente – 2014


Torquato Pereira de Araújo Neto (1944 - 1972): escritor, jornalista, letrista (de pérolas gravadas por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Elis Regina), ator, cineasta, ebulidor da contracultura brasileira: "Assumir completamente tudo que a vida dos trópicos pode dar, sem preconceitos de ordem estética, sem cogitar de cafonice ou mau gosto, apenas vivendo a tropicalidade e o novo universo que ela encerra, ainda desconhecido" (in Tropicalismo para principiantes). O polêmico Torquato viveu um Brasil criativo, repressivo e depreciativo. Da carta que escreveu a Oiticica, em 1971, pincelei quatro desabafos: O chato, Hélio, aqui, é que ninguém mais tem opinião sobre coisa alguma. (...) eu chamo de conformismo geral (...) poesia sem poesia (...) a paranoia, com perdão da palavra, grassa nos altos círculos. Torquato Neto, esse desconhecido que primeiro festejou o aniversário e depois se mandou: Pra mim chega!

Para saber mais (há farto material na web), sugiro começar com a biografia de Torquato Neto no Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira.

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