Ontem,
9 de 11 de 2014, Torquato Neto faria
70 anos. Hoje, 10 de 11 de 2014, faz 42 anos que Torquato Neto se foi conta própria. A data não é redonda, mas a geleia
continua aguda. Alguns a engolem agridoce. Outros a rejeitam azeda. O verso só
tem sabor para quem sabe absorver a palavra crua e absolver a cozida. São demais
os poemas dessa vida que poderia postar para homenagear Torquato Neto. Preferi o Bilhetinho
Sem Maiores Consequências, pela
ironia. Ou seria pela ressaca eleitoral?
Bilhetinho Sem Maiores Consequências
Torquato
Neto - Rio 7.7.62
Uma
retificação, meu bom Vinícius:
Você
falou em "bares repletos de homens vazios"
e no
entanto se esqueceu
de que
há bares
lares
teatros,
oficinas
aviões,
chiqueiros
e
sentinas,
cheinhos
(ao contrário)
de
homens cheios
Homens
cheios.
(e você
bem sabe)
entulhados
da primeira à última geração
da
imoralidade desta vida
das
cotidianas encruzilhadas e decepções
da
patente inconsequência disso tudo.
Você se
esqueceu
Vinícius,
meu bom,
dos
bares que estão repletos de homens cheios
da
maldade das coisas e dos fatos,
dos
bares que estão cheios de homens cheios
da
maldade insaciável
dos que
fazem as coisas
e
organizam os fatos
E você
que os
conhece tão de perto
Vinícius
"Felicidade" de Moraes
não
tinha o direito de esquecer
essa
parcela imensa de homens tristes,
condenados
candidatos naturais
a
títulos de tão alta racionalidade
a
deboches de tão falsa humanidade.
Com uma
admiração "deste tamanho".
*
Ilustração de Joba Tridente – 2014
Torquato Pereira de Araújo Neto (1944 - 1972): escritor, jornalista, letrista
(de pérolas gravadas por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Elis Regina),
ator, cineasta, ebulidor da contracultura brasileira: "Assumir completamente tudo que a vida dos trópicos pode dar, sem
preconceitos de ordem estética, sem cogitar de cafonice ou mau gosto, apenas
vivendo a tropicalidade e o novo universo que ela encerra, ainda desconhecido"
(in Tropicalismo para principiantes).
O polêmico Torquato viveu um Brasil criativo, repressivo e depreciativo. Da
carta que escreveu a Oiticica, em 1971, pincelei quatro desabafos: O chato, Hélio, aqui, é que ninguém mais tem
opinião sobre coisa alguma. (...) eu chamo de conformismo geral (...) poesia
sem poesia (...) a paranoia, com perdão da palavra, grassa nos altos círculos.
Torquato Neto, esse desconhecido que
primeiro festejou o aniversário e depois se mandou: Pra mim chega!
Para saber
mais (há farto material na web), sugiro começar com a biografia de Torquato Neto no Dicionário
Cravo Albin da Música Popular Brasileira.
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