No ano
2000, recebi do então editor de cultura José Carlos Fernandes, do jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, um convite
desafiador: realizar um trabalho plástico para ilustrar a releitura da Via-Sacra feita pelo escritor e
cineasta Valêncio Xavier (1933-2008).
Bem, para
mim, um livre pensador que já teve censurada a exposição Sagrados e Profanos, por conta da catarse sobre religião e
política, foi um convite inusitado. Todavia(crucis),
como tinha liberdade para abordar o tema, aceitei. Trabalhei um bom tempo entre
pesquisa e realização, optando por uma técnica de recortes (utilizando uma
grande variedade de papel) e sobreposição tridimensional.
Em 2011
fiz uma postagem da Via-Sacra, mas
sem o texto contemporâneo de Valêncio Xavier. Esta é a reedição da publicação
completa feita em 2014. Como não tenho as fotos originais do jornal, fotografei
as artes com uma câmera simples e a qualidade (com os cortes) não está das
melhores, mas queria aproveitar o momento. Quanto ao foco da minha releitura da
Via-Dolorosa, publicada na
Sexta-Feira, 21 de Abril de 2000, que cada um se deixe enredar pela coroa de
espinhos e tire a sua própria conclusão.
Uma Releitura da Via-Sacra
texto
de Valêncio Xavier
ilustração
de Joba Tridente
21.04.2000
Jesus
aceita com submissão e amor a sentença que O condena, pois foi pela sua morte
que Ele nos deu a Redenção, e impediu a morte de nossa alma.
Sem
reclamar, Jesus recebe sobre seus ombros o peso esmagador da cruz: o peso de
teus pecados e todas as misérias do mundo e o desamor dos seres humanos uns
pelos outros.
O peso da
cruz aumenta a cada passo. Seu corpo está coberto pelo sangue derramado nas
guerras infindas dos homens contra os homens. Ele perde suas forças e cai por
terra, pela Terra.
Jesus
encontra-se com Maria, sua mãe. Mãe e filho se abraçam em meio à dor. A Terra é
nossa mãe, vamos nos abraçar a ela e impedir que filhos ingratos destruam seus
rios, suas matas, sua vida.
Jesus, na
sua humildade, aceita que um humilde homem do povo o ajude a carregar a cruz ao
cimo do Monte Calvário. Ajudemos a carregar a pesada cruz dos homens do povo sem
emprego.
Uma
mulher enfrenta os ferozes guardas e enxuga o sangue de Jesus. No lenço fica
impresso o rosto de Jesus sofredor. Em tua alma está impresso o sofrimento das
mulheres por seus filhos sem escola, sem médicos?
Sob o
peso da cruz, Jesus cai outra vez. Mas a força de seu amor pela humanidade o
faz levantar-se e seguir rumo ao Calvário. Nós podemos ajuda-lo a levantar-se,
ajudando a levantar os caídos pelo peso das drogas e da aids.
Jesus
esquece seus sofrimentos para consolar as mulheres que choravam. Ele fez isso
para que não esqueças o sofrer das mulheres que fazem trabalhos acima das suas
forças e ganham menos do que merecem.
A
humilhação pelo peso redobrado dos pecados do mundo faz Jesus cair sob o peso
esmagador da cruz ao chegar ao Calvário. E quantos de nós somos esmagados por
leis injustas ou pela falta de leis que nos protejam da corrupção que corrói o
país?
Jesus é
humilhado na sua divindade e nos seus direitos humanos ao ser despojado de suas
vestes. Nós devemos nos sentir humilhados ao ver os direitos humanos de nossos semelhantes
serem negados, e devemos lutar contra isso.
Os pregos
ferem a carne de Jesus e a tortura continua com a cruz levantada e os soldados
ferindo-O com suas lanças. A tortura de inocentes prossegue em muitas partes do
mundo. Cabe a nós lutarmos contra isso.
O véu de
Templo rasgou-se ao meio e Jesus exclamou num grito: “Pai, nas tuas mãos entrego meu espírito!”, e morreu por nós.
Quantos de nós estamos morrendo de fome, frio, e em guerras e por mãos criminosas?
O que faremos para cessar essas mortes?
Não
existe dor maior que a de uma mãe receber nos braços o seu filho morto. E que
podemos fazer pelas mães que têm seus filhos mortos por traficantes de drogas,
por desmandos da polícia e por falta de segurança no país?
Jesus
morto nos deu a vida verdadeira. Seu sepulcro foi o caminho da ressurreição e
nos céus velará por nós e nos dá a esperança de que, aqui na Terra, alguém há
de velar por nós.
Valêncio
Xavier (1933-2008): jornalista, escritor, cineasta. Entre suas
obras mais importantes estão os livros: Desembrulhando
as Balas Zequinha (1973); Mez da
Gripe (1981); O Mistério da
Prostituta Japonesa & Mimi-Nashi-Oichi (1986); Minha Mãe Morrendo e o Menino Mentindo (2001), Crimes à Moda Antiga (2004)..., e os filmes: A Visita do Velho Senhor; Carta
a Fellini; O Pão Negro - Um episódio
da Colônia Cecília. Para mais informações sugiro a leitura do artigo As Muitas Vidas de Valêncio Xavier no
portal Centro
de Pesquisadores do Cinema Brasileiro.
Artistas também trabalham mediante pautas. Vejam como o Joba Tridente criou uma Via-sacra, completa e santificadora.
ResponderExcluir;;;. grato, Luiz Martins!
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