Para finalizar o assunto Orações, Rezas e Benzimentos, iniciado na publicação anterior, nada
melhor que um pouco de Crendices e
Supertições. Material compilado do fascinante livro Contribuições para o Estudo do Folk-lore Brazileiro: Estudos Sobre A Poesia Popular do Brazil
- 1879-1880, - Rio de Janeiro - 1888,
por Sylvio Romero. Na postagem Sylvio Roméro: Orações, de
2013 conservei a grafia original, inclusive nas notas. Agora atualizei (apenas) a grafia.
Confira no Brasil de hoje os reflexos no Brazil
de ontem na segunda de duas interessantes postagens: Superstições.
Silvio Romero
p.25/27
(...) Também existem superstições sobre certos animais. A coruja é de
mau agouro. A esperança e a lavandeira de bom. Acreditam no lobisomem,
na mula sem cabeça e na mãe d'água, animais encantados.
O excremento da vaca
é empregado para lavar a roupa e o corpo.
Lembro este fato por
encontrar nele uma reminiscência do culto que se dava à vaca e ao seu
excremento na Pérsia e na índia. *
O do cachorro,
chamado jasmim do campo, emprega-se na cura da varíola. É um outro
sintoma do atraso popular.
Quando sobrevêm as
terríveis secas, em alguns pontos procuram conjura-las, fazendo procissões
e mudando um santo de um lugar para outro. Também para
experimentar-se se o ano será seco ou chuvoso, costuma-se tirar a prova de Santa Luzia, que
consiste em colocar-se um bocado de sal em uma vasilha, na véspera do dia da
santa, em lugar enxuto e coberto.
Se o sal amanhecer
molhado, choverá, ao contrario não.
- Conta-se que no
Ceará fizeram esta experiência diante do naturalista George Gardner, mas o
sábio, fazendo observações meteorológicas, e chegando a um resultado diferente
do atestado pela santa, exclamou em seu português atravessado: “Non, non, Luzia mentio.”
*Angelo de Guternatis
— Mythologie Zoologique, passim
Quando alguém perde
um objeto, costuma invocar São Campeiro, personagem que não consta do
calendário e São Longuinho, patriarca das cousas perdidas.
A São Campeiro
acendem-se velas pelos matos e campos. Para São Longuinho, quando se encontra o
objeto perdido, grita-se: “Achei, São
Longuinho!” Isto três vezes.
Algumas mulheres
quando entram n'agua para tomar um banho, dizem:
“Nossa
Senhora lavou
Seu bento
filho pra cheirar,
Eu me
lavo pra sarar.”
Acreditam muito em almas
do outro mundo, e quando estão comendo, se lhes acontece cair um bocado no
chão, dizem: “Qual dos meus estará com
fome ?”
Vejo aí uma
reminiscência do culto dos maiores, descrito por H. Spenser.*
*
Principies of Sociology, passim.
Ao deitarem-se
algumas dizem:
“S. Pedro
disse missa.
Jesus
Cristo benzeu o altar;
Assim
benzo minha cama
Onde
venho me deitar.’
No ato de dar uma
mulher à luz, quando a criança se aproxima do nascedouro, segundo a
expressão consagrada, a parteira, ou assistente, faz repetir pela
parturiente:
“Minha
santa Margarida,
Não estou prenha, nem parida.”
No Ceará ainda se
usa, em alguns pontos do centro, uma espécie de velório por morte de
crianças, anjinhos, como chamam. Consiste em dar tiros de pistolas e
rouqueiras, e cantar rezas e poesias na ocasião de levar para o cemitério o anjinho.
Existe também em
algumas províncias a devoção intitulada a lamentação das almas. Em certa
noite do ano saem os penitentes, de matracas em punho, a cantar em tom lúgubre
composições adequadas. Vão parando de porta em porta sobretudo nas casas de
certas velhas a quem querem aterrar.
Nota-se também o
costume de vender ou amarrar as sezões, que consiste em benzê-las
e depois ir o doente a um pé de laranjeira, onde nunca mais deve tornar, e
dizer:
“Deus vos
salve, laranjeira,
Que te
venho visitar ;
Venho te
pedir uma folha
Para
nunca mais voltar.”
O elemento feminino é
que predomina em tudo isto.
Deixemos este lado
sombrio de nosso povo, que é comum também às nações até as mais cultas, e
vejamo-lo expandir-se em suas festas.
Link da publicação anterior: Orações, Rezas e Benzimentos.
*
Ilustração
de Joba Tridente - 2015
Sylvio Vasconcelos da Silveira Ramos
Roméro (Lagarto,
21.04.1851 -18.06.1914): escritor, ensaísta, crítico literário, professor,
filósofo. Roméro foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras em 1897
e escreveu para diversos jornais. Sylvio
Roméro (Silvio Romero) é autor de: A
poesia contemporânea e a sua intuição naturalista (1869); Contos do fim do século (1878); A filosofia no Brasil (1878); A literatura brasileira e a crítica moderna (1880);
Cantos Populares do Brasil - vol. 1 e 2 (1883);
Contos Populares do Brasil (1885);
História da literatura brasileira, 2v.
(1888); A poesia popular no Brasil
(1880); Compêndio da História da
Literatura Brasileira (1906). Informações sobre a edição: Portal Brasiliana USP.
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