entre a Inocência e a Experiência
Alguns
autores são tão incandescentes que é praticamente impossível classificá-los. É
o caso do inglês William Blake:
escritor, tipógrafo, artista gráfico, gravurista, ilustrador, artista
plástico..., cujas obras, literalmente fantásticas, trazem resquícios do
iluminismo e vão do romantismo ao simbolismo. Sem se ocupar muito
com os “ismos” de sua época, Blake, além da originalidade plástica e literária,
foi um artista coerente com sua visão político-social e religiosa, mesmo diante
das adversidades profissionais que o mantiveram praticamente na linha da
pobreza até o fim da vida.
Neste
mês de novembro de 2017, em que se comemora os 260 anos de nascimento de William Blake (Londres:
28.11.1757), que morreu há 190 (Londres: 12.08.1827), vou publicar hoje (28), e nos próximos dois dias, poemas (em inglês, português e
espanhol) do seu notável livro Canções de Inocência (1789) e Canções
de Experiência (1794). A
luz e a sombra no caminho das crianças de ontem e de hoje.
Serão dois poemas de William Blake¹ a cada postagem, um relacionado à inocência (luz) e outro à experiência (sombra): "os dois Estados contrários da Alma Humana", ilustrados com fac-símiles das publicações originais. Na montagem gráfica, acima,
Começo com os emblemáticos O Limpador de Chaminés (em Canções de Inocência) e O Limpador de Chaminés (em Canções de Experiência). São muitas as traduções em português e espanhol dos poemas de Blake..., tanto em edições digitais quanto em papel, variando, inclusive, na métrica e na diagramação. Cada tradutor com sua interpretação. Optei pelas versões de Paulo Vizioli¹ (em William Blake: poesia e prosa selecionadas/ Edição bilíngüe. Editora Nova Alexandria, 1993) e de Nicolás Suescún Peña² (em Canciones de inocência y de experiência, edição epulibre (ano?), mais interessante que a publicada pela Fundación Editorial el perro y la rana, em 2009).
THE CHIMNEY SWEEPER
William Blake
in Songs of Innocence
When my
mother died I was very young,
And my Father
sold me while yet my tongue
Could
scarcely cry “weep! ’weep! ’weep! ’weep!
So your
chimneys I sweep, and in soot I sleep.
There’s
little Tom Dacre, who cried when his head,
That curl’d
like a lamb’s back, was shaved: so I said
“Hush, Tom!
never mind it, for when your head’s bare
You know that
the soot cannot spoil your white hair.”
And so he was
quiet, & that very night
As Tom was
a-sleeping, he had such a sight!
That thousands
of sweepers, Dick, Joe, Ned, & Jack,
Were all of
them lock’d up in coffins of black.
And by came
an Angel who had a bright key,
And he open’d
the coffins & set them all free;
Then down a
green plain leaping, laughing, they run,
And wash in
the a river, and shine in the sun.
Then naked
& white, all their bags left behind,
They rise
upon clouds and sport in the wind;
And the Angel
told Tom, if he’d be a good boy,
He’d have God
for his father, & never want joy.
And so Tom
awoke; and we rose in the dark,
And got with
our bags & our brushes to work.
Tho’ the
morning was cold, Tom was happy and warm,
So if all do
their duty they need not fear harm.
O LIMPADOR DE CHAMINÉS
William Blake em Canções da Inocência
tradução: Paulo Vizioli²
Ao morrer minha mãe, eu era
criancinha;
E meu pai me vendeu quando ainda a
língua minha
Dizia “vale-dor!” De “varredor” não
fujo,
Pois limpo chaminés, e sigo sempre
sujo.
Chorou Tom Dacre ao lhe rasparem o
cabelo,
Cacheado como um cordeirinho. E eu
disse ao vê-lo:
“Não chores, Tom! Porque a fuligem
não mais deve
Manchar, como antes, teu cabelo cor
de neve.”
E ele ficou quietinho; e nessa noite,
então,
Enquanto ele dormia, teve uma visão:
Viu Dick, Joe, Ned e Jack, - e mil
colegas mais, -
Encerrados em negros caixões funerais.
E um anjo apareceu, com chave
refulgente,
E abriu os seus caixões, soltando-os
novamente;
E correm na verdura, a rir, para o
arrebol,
E se banham num rio e reluzem ao sol.
Brancos e nus, sem mais sacolas e
instrumentos,
Eis que sobem as nuvens, brincam
sobre os ventos;
E esse anjo disse a Tom que, se ele
for bonzinho,
Terá Deus como pai, e todo o seu
carinho.
E assim Tom despertou; e, antes do
sol raiar,
Com sacolas e escovas fomos
trabalhar.
Feliz, Tom nem sentia o frio matinal;
Quem cumpre o seu dever não teme
nenhum mal.
EL DESHOLLINADOR
William Blake em Canciones de Inocencia
traducción: Nicolás Suescún Peña³
Cuando mi madre murió yo era muy
joven,
y cuando mi padre me vendió mi boca
apenas podía gemir, gemir, gemir,
gemir,
así que limpio chimeneas y duermo en
el hollín.
Un día el pequeño Tom Dacre lloró
cuando raparon
su cabeza rizada como el lomo de un
cordero,
y le dije:
«¡Calla, Tom! No
importa, porque con
la cabeza desnuda el hollín no
arruinará tu pelo claro».
De modo que se calmó, y aquella misma
noche,
¡durante el sueño tuvo una visión!
donde miles de deshollinadores, Dick,
Joe, Ned y Jack,
estaban todos prisioneros en ataúdes
negros.
Y llegó un Ángel que tenía una llave
brillante,
abrió los ataúdes y los puso en
libertad;
entonces por un verde prado corren
brincando y riendo,
y se lavan en
un río, y brillan bajo el sol.
Luego desnudos y blancos, abandonadas
sus bolsas,
se encaraman a las nubes y juguetean
con el viento,
y el ángel le dice a Tom que si se
comporta bien,
tendrá a Dios como padre y no
carecerá de alegrías.
Tom despertó entonces, y nos
levantamos en la oscuridad,
y con nuestras bolsas y cepillos
salimos a trabajar.
Si bien la mañana era fría, Tom se
sentía feliz y abrigado;
pues quienes cumplen sus deberes nada
tienen que temer.
THE CHIMNEY SWEEPER
William Blake
in Songs of Experience
A little
black thing among the snow,
Crying “weep!
weep” in notes of woe!
“Where are
thy father & mother? say?”
“They are
both gone up to the church to pray.
“Because I
was happy upon the heath,
“And smil’d
among the winter snow,
“They clothed
me in the clothes of death,
“And taught
me to sing the notes of woe.
“And because
I am happy & dance & sing,
“They think
they have done me no injury,
“And are gone
to praise God & his Priest & King,
“Who make up
a heaven of our misery.”
O LIMPADOR DE CHAMINÉ
William Blake em Canções da Experiência
tradução: Paulo Vizioli
Na neve há um pontinho bem negro que
vai
E diz “varre-dor!” com os tons do
pesar!
“Responde: onde estão tua mãe e teu
pai?”
“Os dois foram juntos à Igreja rezar.
“Como entre os espinhos mostrei que
era forte,
E ria no inverno, entre a neve a
tombar,
Vestiram a mim com as vestes da
morte,
E a mim ensinaram os tons do pesar.
E, como feliz eu cantei e dancei,
Acharam que tudo comigo é pilhéria;
E louvam a Deus e Seu Padre e Seu
Rei,
Que formam um Céu com a nossa
miséria.”
EL DESHOLLINADOR
William Blake em Canciones de
Experiencia
traducción: Nicolás Suescún Peña
Una cosita negra entre la nieve,
gimiente ¡llora!, ¡llora! con notas
de pesar.
“Dime: ¿dónde están tu padre
y tu madre?
Ambos fueron a la iglesia para rezar.
“Porque yo era feliz en los montes
y le sonreía a la nieve invernal,
me cubrieron con ropajes de muerte
y me enseñaron a cantar notas
de dolor.
“Y porque soy feliz, y bailo y canto,
creen que no me han causado daño,
y fueron a alabar a Dios, a su Cura
y al Rey,
que con nuestra miseria construyen
un cielo”.
1. William Blake (1757-1827) foi
escritor, tipógrafo, artista gráfico, gravurista, ilustrador, artista plástico.
Há farto material (principalmente em inglês) na web: como biografia e obras,
ensaios críticos sobre a produção literária e plástica deste humanista genial. Recomendo:
William Blake Archive-1; William Blake Archive-2; William Blake Archive-3; Poetry Foundation; A cidade de Londres nas canções da experiência de William Blake (Flavia Maris Gil Duarte); Romantismo Inglês; Templo Cultural Delfos: William Blake - o poeta visionário. William
Blake é autor de: Poetical
Sketches (1783); There is no Natural
Religion (1788); All Religions Are
One (1788); Songs of Innocence
(1789); Book of Thel (1789); The French Revolution: A Poem in Seven Books
(1791); Ilustrações para Original Stories
from Real Life, de Mary Wollstonecraft (1791); A Song of Liberty (1792); The Marriage of Heaven and Hell (1793); Visions of the Daughters of Albion
(1793); America, A Prophecy (1793); Songs of Experience (1794); Songs of Innocence and of Experience (1794);
Europe, a Prophecy (1794); The Book of Urizen (1794); The Song of Los (1794); The Book of Ahania (1795); The Book of Los (1795); Ilustrações para Night Thoughts,
de Edward Young (1797); Milton
(1804); Ilustraçõe do livro The Grave,
de Robert Blair (1808); Everlasting
Gospel (1818); Jerusalem (1820); The Ghost of Abel (1822); Ilustrações para Dante's Divine Comedy
(1825); ilustrações para O livro de Jó
(1826).
2. Paulo Vizioli
(Piracicaba-SP: 19/07/1934 - Borgo San Lorenzo/Itália: 09/10/1999). Foi
professor de literatura americana e inglesa da USP, crítico literário e
tradutor de autores como William Blake, W. Wordsworth; S. T. Coleridge, Oscar Wilde, Alexander Pope;
John. Donne, Geoffrey Chaucer, W. C. Williams.
Vizioli foi premiado com o Jabuti (1994) pelo livro William Blake: poesia e prosa
selecionadas/edição bilíngue.
3. Nicolás Suescún Peña (Bogotá/Colômbia: 05/05/1937-14/04/ 2017) foi escritor de prosa e verso,
jornalista, professor, artista gráfico, artista plástico. Dirigiu a revista
literária Eco e foi chefe de redação
da revista Cromos, onde publicou
artigos sobre política internacional. Traduziu, entre outros,
Ambrose Bierce, Anne Marie Garat, Arthur Rimbaud, Christopher
Isherwood, Gustave Flaubert, Honore de Balzac, Jaime
Manrique, Robert Louis Stevenson, Stephen Crane, Wade
Davis, William Blake, William Butler Yeats, William
Shakespeare, William Somerset Maugham. É autor de contos: El
retorno a casa (1971); El último
escalón (1974); El extraño y otros
cuentos (1980); Oniromanía
(1996); de poemas: La vida es (1986);
Trés a.m. (1986); La voz de nadie (2000); Bag bag (2003); Este realmente no es el momento (2007); Empezar en cero (2007); Jamás
tantos muertos y otros poemas (2008); de novelas: Los cuadernos de N (1994); Opiana
(2015).
Muito bom!
ResponderExcluirAs iluminuras e gravuras também.
..., e pensar que ainda hoje, tem criança (sem infância) trabalhando feito adulto, para matar a fome..., e aumentar o capital do capitalista! ..., grato pela leitura e considerações!
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