domingo, 1 de julho de 2018

Paul Celan: a paz e a perda

Hoje o Falas ao Acaso abre espaço para a contemplação de dois belos momentos da obra do escritor, ensaísta e tradutor romeno judeu/alemão Paul Celan, com a publicação de Denk dir e Grabschrift fur François.  O primeiro fala de paz no mundo e ou segundo de perda em família. As traduções para o português, com os títulos de Imagine e de Epígrafe para François, mais uma vez ficaram a cargo do escritor Marcílio Farias: Denk Dir foi escrito e publicado por Celan, Poeta alemão (1920-1970) de que mais gosto, em Junho de 67, durante a guerra dos seis dias. Alguns comentaristas afirmam que John Lennon, que leu Celan, inspirou-se neste Poema para escrever (em 1971) o seu clássico Imagine. Utilizei o texto original, conforme publicado nas Obras Completas (Gedichte) de Celan pela Verlag em 2003. New Orleans, Abril de 2018.

Na busca pelos dois poemas originais de Paul Celan (1920-1970) na internet, encontrei Denk dir e Grabschrift für François traduzidos para o espanhol, com os titulos de Imagínate e Epitafio para François, por José Luis Reina Palazón, em Paul Celan - Obras completas (Editorial Trotta, 2002). Denk dir foi traduzido para o inglês pelo norte-americano John Felstiner (1936-2017), com o título Just Think, em Selected Poems and Prose of Paul Celan - translated by John Felstiner (W. W. Norton, 2001) e pelo britânico Michael Hamburger (1924-2007), com o título Think of It, em Paul Celan - Selected Poems (Penguin Books, 1972). Encontrei também duas versões de Grabschrift für François: Epitaffio per François, feita pelo escritor italiano Antonio Bux e Epitaph for François, do escritor e tradutor alemão Johannes Beilharz. Ilustrações de Joba Tridente, 2018.


                

Denk dir
Paul Celan

Denk dir:
der Moorsoldat von Massada
bringt sich Heimat bei, aufs
unauslöschliste,
wider
allen Dorn im Draht.

Denk dir:
die Augenlosen ohne Gestalt
fuhren dich frei durchs Gewühl, du
erstarkst und erstarkst.

Denk dir: deine
eigene Hand
hat dies wieder
ins Leben empor-
gelittene
Stück
bewohnbarer Erde
gehalten.

Denk dir:
das kam auf mich zu,
namenwach, handwach,
für immer,
vom Unbestattbaren her.


Imagine
Paul Celan
tradução: Marcílio Farias

Imagine
O mouro guerreiro de Massada
Ensinando a si mesmo o nome PÁTRIA
De forma inextinguível
Contra
Farpas de todos os arames
Imagine
Muitos olhos sem forma
Guiando você na multidão
E seu coração
Cada vez
Mais forte
Imagine
Sua mão em minha mão
Mais uma vez
Nessa vida
Arisca
Arriscado segmento fragmento
Nessa terra
Inabitável.
Imagine
Você vindo ao meu encontro
Desperto como seu nome em meu nome
Alerta como a minha
Mão na sua mão
Para sempre
Vindo eternamente
Retornante.


Imagínate
Paul Celan
Traducción: José Luis Reina Palazón

Imagínate:
el soldado en la ciénaga de Masada
aprende patria, de la manera
más imborrable,
contra
cada púa en el alambre.

Imagínate:
los que no tienen ojos ni figura
te llevan libremente a través del gentío, tú
te vas fortaleciendo
cada vez más.

Imagínate:
tu propia mano
ha sostenido
este pedazo
de tierra habitable
alzado
de nuevo
a la vida
por el sufrimiento.

Imagínate:
esto me tocó en suerte,
en vela el nombre, en vela la mano
para siempre,
desde lo insepultable.


Just Think
Paul Celan
translation John Felstiner 

Just think:
the Peat-Bog Soldier of Masada
makes a homeland for himself, most
ineffaceably,
against
every barb in the wire.

Just think:
the eyeless ones without shape
lead you free through the tumult, you
go from strength
to strength.

Just think: your
own hand
has held
this piece of
habitable earth,
again suffered
up into life.

Just think:
this came toward me,
name-awake, hand-awake, for ever;
from the unburiable.


Think of it
Paul Celan
translation Michael Hambueger

Think of it:
the bog soldier of Massada
teaches himself home, most
inextinguishably,
against
every barb in the wire.

Think of it:
the eyeless with no shape
lead you free through the tumult, you
grow stronger and
stronger.

Think of it: your
own hand
has held
this bit of
habitable
earth, suffered up
again
into life.

Think of it:
this came towards me
name-awake, hand-awake
for ever,
from the unburiable.



Epitáfio para François. Nota do Tradutor Marcílio Farias: “Em Memória de Eurico Rocha e Hans Tramm. Grabschrift für François foi escrito em 1953 e publicado em 1955, na coletanea Von Schwelle zu Schwelle [De umbral em umbral] (Verlag-Anstalt/Stuttgart 1955). É um dos Poemas mais conhecidos do escritor alemão, traduzido em vários idiomas. Escrito sob forte influência da coletânea de Heidegger “Sobre o caminho do campo” - magistral grupo de ensaios do filósofo de Marburgo sobre a natureza do Processo Criador - registra a morte do seu primeiro filho, François, evento que marcou profundamente o Poeta. Usei o original alemão da Verlag, e o ensaio de John Felstiner, Paul Celan, Poet and Survivor, publicado pela Yale University Press (1995). New Orleans, Maio de 2018.


                

Grabschrift für François
Paul Celan

 Die beiden Türen der Welt
 stehen offen:
 geöffnet von dir
 in der Zwienacht.
Wir hören sie schlagen und schlagen
 und tragen das ungewisse,
und tragen das Grün in dein Immer


Epitáfio para François
Paul Celan
tradução: Marcílio Farias

As duas portas do mundo
Continuam abertas:
Abertas por ti na
Noite incerta que provocaste no
Mundo, nesse mundo recriado por tua vida
Por tua vinda.
De longe escutávamos o ruído feito pelo
Vento e as portas batendo batendo
Levando embora a esperança lá
Pra dentro de um eterno infinito
Que agora inventaste.


Epitafio para François
Paul Celan
Traducción: José Luis Reina Palazón

Las dos puertas del mundo
están abiertas:
abiertas por ti
en la doble noche.
Las oímos golpear y golpear
y llevamos lo incierto,
llevamos el verdor a tu siempre.


Epitaffio per François
Paul Celan
traduzione: Antonio Bux

L’una e l’altra porta
del mondo, aperte:
aperta l’una e l’altra
da te, nella notte bifronte.
Le udiamo sbattere e sbattere,
noi portiamo l’indefinito,
portiamo quel Verde nel tuo Eterno.


Epitaph for François
Paul Celan
translation Johannes Beilharz

The two doors of the world
stand open:
opened by you
in the twinight.
We hear them slam and slam
and carry the uncertain,
and carry the green into your always.


Paul Celan (Cernăuţi, Romênia, 23.11.1920 - Paris, França, 20.04.1970), pseudônimo de Paul Pessakh Antschel (em alemão) ou Paul Pessakh Ancel (em romeno): escritor, tradutor e ensaísta considerado um dos mais importantes autores literários do pós-guerra. A sua catártica poesia, por vezes de uma melancolia profunda, desvela muito do seu sofrimento com o nazismo (que o abalaria até o suicídio em 1970, quando se atirou no Rio Sena, em Paris) e com a morte dos seus pais em campo de concentração (o pai de tifo e a mãe com um tiro na nuca). Poliglota (com pleno domínio de sete línguas), apaixonado pela França (onde se radicou desde 1948) e pela língua francesa. Paul Celan, que traduziu cerca de cinquenta dos mais eminentes escritores e foi merecedor dos prêmios: Prêmio Literário da Cidade de Bremen (1958); Prêmio Georg Büchner de Darmstadt (1960); Grande Prêmio Cultural de Nordrhein Westfalen (1964), é autor de Der Sand aus den Urnen (1948); Mohn und Gedächtnis (1952); Von Schwelle zu Schwelle (1955); Sprachgitter (1959); Gespräch im Gebirg (1959); Der Meridian (1961); Die Niemandsrose (1963); Atemwende (1967); Fadensonnen (1968); Lichtzwang (1970); Schneepart (1971); Zeitgehöft (1976). Há farto material crítico e analítico sobre ele na internet. Assim, para saber mais: Templo Cultural Delfos: Paul Celan - o poeta trágico; Revista Caliban: Paul Celan, a experiência do limite da linguagem; Escamandro: Do peito seu coração para a noite; Revistas USP - Celso Fraga da Fonseca: Poemas de Paul Celan (1920-1970); Revista Cult: Rosa Luxemburgo e Paul Celan na encruzilhada; PEPSIC - Mariana Camilo de Oliveira: Catástrofe e sublimação na poesia de Paul Celan: apontamentos sobre uma dor que dorme com as palavras; Poetry Foundation: Paul Velan; Scielo - Mauricio Mendonça Cardozo: A Obscuridade do Poético em Paul Celan; Humanas UFPR - Vivien Delitsch Ferenczy: Paul Celan: Poemas da Juventude; Maria João Cantinho: Paul Celan; Flashpointmag - Doug Valentine with Pierre Joris: Paul Celan and the Meaning of Language An Interview with Pierre Joris; Periódicos UFSC - Prisca Agustoni de Almeida Pereira:  Traduzir o silêncio: história, ética e estética na obra de Paul Celan; Quarterly Conversation: Breathturn Into Timestead: The Collected Later-Poetry by Paul Celan; Esprits Nomades: Paul Celan: Poète D’Âpres Le Déluge; Casa Rui Barbosa - Juliana P. Perez: Abertura à presença humana: um estudo sobre Die Niemandsrose (A rosa de ninguém), de Paul Celan. The New York Times: A Poet at War With His Language; Ellis Sharp: The Complicity of Paul Celan...

Marcílio Farias é formado e pós-graduado pela UnB (Universidade de Brasília) em Jornalismo, Cinema e Filosofia. Em 1989 emigrou para os Estados Unidos. Vive e trabalha entre Natal (Brasil) e Phoenix-Miami-Boston (EUA). Obras publicadas/poesia: Visual Field (1996), Watermark Press, MD, EUA; O Livro Cor de Triângulo Cor-de-Rosa (2007), e Rito para Ressuscitar um Elefante (2010), ambos pela Scortecci Editora, São Paulo, Brasil. Links de Marcílio FariaCurrículo completo. Poemas: Moebius; Mandala; Passado incômodo; (John); Diálogo visto de longe na Praça de Sé.

José Luis Reina Palazón (Puebla de Cazalla, Espanha: 1941): escritor, filólogo, filósofo, e tradutor. Além das obras completas de Georg Trakl e de Paul Celan, traduziu Hans Magnus Enzensberger, Else Lasker-Schüler, Johann Wolfgang Goethe, Gottfried Benn, Nelly Sachs, Heinrich Heine, Herta Mueller, Marina Tsvetaeva, Boris Pasternak, Mallarmé, Jean Cocteau, Max Jacob, Arthur Rimbaud, Samuel Becket, Kunert, Grünbein, Sarah Kirsch, Sachs, Ajmátova, Tsvietáieva. É autor de sete livros de poesia, onde se destaca a trilogia Exotarium. Entre os vários prêmios de tradução que recebeu estão:  Prêmio do Ministério da Cultura da Áustria (Obras Completas de Georg Trakl), 1992; Prêmio Academia Oradea (Antologia de Anna Ajmátova), Romênia, 1997; Prêmio Nacional de Tradução (Obras Completas de Paul Celan) 2000; Prêmio Annibal Caro (Poesia Italiana) 2003; Prémio de Tradução da Fundação Goethe de 2004; Prémio Nacional de Tradução, 2007. É autor de sete livros de poesia, onde se destacam Exotarium I: La soledad del día; Exotarium II: Cuerpo Inseguro e Exotarium III: Antes del olvido. Para saber mais: ABC de Sevilla: José Luis Reina Palazón, Poeta y Premio Nacional de Traducción e FaceBook: José Luis Reina Palazón.

John Felstiner (Nova York, EUA: 05.07.1936 - (?): 24.02.2017), professor de literatura inglesa, literatura comparada e estudos judaicos, escritor, crítico literário, tradutor e ambientalista. Recebeu vários prêmios relacionados à tradução, como o British Comparative Literature Association (1991), pelas traducões de Pablo Neruda e Paul Celan; Gold Medal, Council for the Advancement and Support of Education (1991), por "Looking for Kafka"; finalista do Prêmio Truman Capote Award for Literary Criticism (1997), por Paul Celan: Poet, Survivor, Jew; Ungar German Translation Award, American Translators Association (2001) por Selected Poems and Prose of Paul Celan. Entre suas traducões estão The Lies of Art: Max Beerbohm's Parody and Caricature (1972); (com Jonathan Cohen e David Unger) Enrique Lihn, The Dark Room and Other Poems (1978); Neruda: The Way to Macchu Picchu (1980); Paul Celan: Poet, Survivor, Jew (1995); The Heights of Macchu Picchu, with photogravures by Edward Ranney (1998); Selected Poems and Prose of Paul Celan (2000). Para saber mais: Stanford New: Stanford poetry scholar, translator John Felstiner dies at 80; Translationista: Remembering John Felstiner; Center for the Art of Translation: The Unforgotten: A Tribute to John Felstiner (1936–2017); Poetry Foundation: John Felstiner; Web Site de John Felstiner: Louis John Felstiner, Jr.; Encyclopedia.com: John Felstiner; Wikipédia: John Felstiner.

Michael Hamburger (Berlim, Alemanha: 22.03.1924 - Suffolk, Inglaterra: 07.06.2007): escritor, crítico literário, memorialista, acadêmico e tradutor de autores como Paul Celan, Friedrich Hölderlin, Gottfried Benn, Günter Grass, WG Sebald, Charles Baudelaire, Trakl, Bertolt Brecht, Hugo von Hofmannsthal, Nelly Sachs, Hans Magnus Enzensberger, Rilke. Entre os vários prêmios que recebeu estão o Johann-Heinrich Voß-Preis für Übersetzung (1964), o Prêmio Aristeion (1990), a Ordem do Império Britânico (1992) e o Petrarca-Preis (1992). Michael Hamburguer é autor de poesia: Poems 1950–1951 (1952); Weather and Season: New Poems (1963); Collected Poems 1941–1994 (1995 e 1999); Circling the Square (2007); Taccuino di un vagabondo europeo (Poesie 1941–1999) Cura e traduzione di di Maura Del Serra (1999); e de prosa: Reason and Energy (1957); From Prophecy to Exorcism: the Premisses of Modern German Literature (1965); The Truth of Poetry (1969); Testimonies, Selected Shorter Prose 1950-1987 (1989); A Mug's Game (memórias, 1973); String of Beginnings (memórias, 1991); Philip Larkin: A Retrospect (2002). Para saber mais: Wikipedia: Michael Hamburger; Poetry Foundation: Michael Hamburger; The Guardian: Michael Hamburger - Poet, translator and academic, more acclaimed in Germany than in Britain; Independent: Arts: Lost in translation; Tate: Michael Hamburger;

Antonio Bux (Foggia, Itália, 1982) é escritor e vive entre a Espanha e a Itália. Seus poemas, presentes em diveras antologias, foram traduzidos para o espanhol, francês, inglês, catalão, alemão, romeno e sérvio. Ele é o autor dos livros Disgrafie (poesie 2000-2007), Trilogia dello zero; Turritopsis, 23 - fragmentos de alguien;  Sistemi di disordine quotidiano;  Un luogo neutrale, Kevlar; Naturario, Sativi; Saga familiar de un lobo estepario. Bux recebeu o XXXVII Prêmio Jovem Poesia Minturnae "Ornella Valerio" para a edição de Trilogia dello zero (2012) e de Turritopsis (2014). Ele administra o blog de poesia Disgrafie. Para saber mais: Antonio Bux; L’undici: Non chiedete ai poeti cosa sia la poesia. Intervista ad Antonio Bux; Margutte: Antonio Bux: fare poesia è esigenza di sacrificarsi quotidianamente.

Johannes Beilharz (Oberndorf, Alemanha: 15.01.1956): escritor, pintor, tradutor de Gabriel Ferrater , Barbara Guest , John Ashbery , Kenneth Koch , Harry Mathews, Edward Dorn , John Tranter, Kabir , Rabindranath Tagore, Friedrich Hölderlin, Hugo von Hofmannsthal , Ingeborg Bachmann e Erwin Einzinger. Para maiores informações sugiro uma visita ao seu site, onde se encontra sua autobiografia, poemas e prosa (em inglês e alemão): Johannes Beilharz - 1, Johannes Beilharz - 2, Johannes Beilharz - 3; Wikipédia: Johannes Beilharz.

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