quinta-feira, 19 de julho de 2018

João Guimarães Rosa: Reportagem

O ano de 2018 marca os 110 anos de nascimento de João Guimarães Rosa (Cordisburgo-MG: 27.06.1908 - Rio de Janeiro-RJ: 19.11.1967), um dos mais renomados escritores brasileiros. Autor de contos célebres presentes em livros como Sagarana (1946), Primeiras Histórias (1962), Tutameia (1967) e da obra-prima Grandes Sertões: Veredas (1956), antes de alcançar a linguagem coloquial sertaneja definitiva e nos deliciar com toda riqueza do falar regionalista, Guimarães Rosa enveredou pela poesia. Porém, mesmo premiado pela Academia Brasileira de Letras e com elogios do poeta Guilherme de Almeida (1890-1969), o seu livro de poema Magma (1936) foi considerado “pouco convincente” por ele: “O Magma, aqui dentro, reagiu, tomou vida própria, individualizou-se, libertou-se do meu desamor e fez-se criatura autônoma, com quem talvez eu já não esteja muito de acordo, mas a quem a vossa consagração me força a respeitar.” (em discurso de agradecimento ao prêmio, na ABL, em 1937).

João Guimarães Rosa não é o primeiro escritor a negar a própria obra. Magma (1936), que só foi publicado postumamente em 1977, realmente está aquém de suas obras magnas, como Sagarana e Grande Sertões: Veredas. No entanto, embora menor em sua bibliografia, não é descartável. Há excelentes poemas, entre outros não tão elaborados..., uma vez que a sua fascinante linguagem ainda não estava polida de tanta significância: "(...) escrevi um livro não muito pequeno de poemas, que até foi elogiado. Passaram-se quase dez anos, até eu poder me dedicar novamente à literatura. E revisando meus exercícios líricos, não os achei totalmente maus, mas tampouco muito convincentes." 

Aproveitando a data de 41 anos da primeira edição de Magma, lançado, pela Editora Nova Fronteira, 41 anos após a sua premiação, selecionei alguns poemas deste livro, para quatro postagens e um poema bônus, para homenagear este brasileiríssimo escritor João Guimarães Rosa, que nos deixou precocemente há 51 anos. Você que conheceu o Sono das Águas e apreendeu o sentido das cores Alaranjado, Verde, Amarelo, hoje avalia seus conceitos no comovente e desconcertante Reportagem.


                 

Reportagem
João Guimarães Rosa

O trem estacou, na manhã fria,
num lugar deserto, sem casa de estação:
a parada do Leprosário…

Um homem saltou, sem despedidas,
deixou o baú à beira da linha,
e foi andando. Ninguém lhe acenou…

Todos os passageiros olharam ao redor,
com medo de que o homem que saltara
tivesse viajado ao lado deles…

Gravado no dorso do bauzinho humilde,
não havia nome ou etiqueta de hotel:
só uma estampa de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro…

O trem se pôs logo em marcha apressada,
e no apito rouco da locomotiva
gritava o impudor de uma nota de alívio…

Eu quis chamar o homem, para lhe dar um sorriso,
mas ele ia já longe, sem se voltar nunca,
como quem não tem frente, como quem só tem costas….

*
ilustração: foto e montagem de Joba Tridente.2018


João Guimarães Rosa (Cordisburgo, MG: 27.06.1908 - Rio de Janeiro, RJ: 19.11.1967): médico, diplomata, escritor brasileiro. A sua obra, de forte apelo regional, é ambientada no sertão brasileiro e nos brinda, linha a linha, com seu delicioso falar, cheio de sotaques e novos vocábulos. Guimarães Rosa foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, em 16.11.1967, e deveria ocupar a cadeira 2, de Álvares de Azevedo, não fosse a sua morte três dias depois, em 16.11.1967. Iniciou a carreira literária em 1929, com a publicação do conto O mistério de Highmore Hall, na revista O Cruzeiro. Dono de uma cultura invejável, com domínio de fala e leitura em várias línguas, dizia que “Estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração.” Recebeu os seguintes prêmios: Academia Brasileira de Letras pelo livro de poesia Magma; Prêmio Filipe d'Oliveira por Sagarana (1946); Prêmio Machado de Assis (do Instituto Nacional do Livro), Prêmio Carmen Dolores Barbosa (1956) e Prêmio Paula Brito (1957) pelo romance Grande sertão: Veredas; Prêmio do PEN Clube do Brasil (1963), para Primeiras estórias. Guimarães Rosas é autor de Magma (1936); Sagarana (1946); Com o Vaqueiro Mariano (1952); Corpo de Baile (1956); Grande Sertão: Veredas (1956); Primeiras Estórias (1962); Manuelzão e Miguilim (1964); Campo Geral (1964); No Urubuquaquá, no Pinhém (1965); Noites do sertão (1965); Tutaméia - Terceiras Estórias (1967); Estas Estórias (póstumo. 1969); Ave, Palavra (póstumo, 1970); Antes das Primeiras Estórias (póstumo, 2011). Há farto material na internet sobre Guimarães Rosa, portanto, para saber mais sobre um dos pioneiros do Realismo Fantástico no Brasil, sugiro: Templo Cultural Delfos: João Guimarães Rosa - o demiurgo do sertão; Templo Cultural Delfos: João Guimarães Rosa e o Magma - o poeta não cita: canta; Revista Prosa Verso e Arte: João Guimarães Rosa; Academia Brasileira de Letras: João Guimarães Rosa; USP - Banco de Dados Bibliográfico: João Guimarães Rosa; Instituto Moreira Sales: A João Guimarães Rosa por Maureen Bisilliat; Folha de S.Paulo: Memórias do diplomata João Guimarães Rosa; Revista Planeta: Centenário de João Guimarães Rosa; Memorial da Democracia: João Guimarães Rosa Reinventa a Linguagem; SciELO: A biblioteca alemã de João Guimarães Rosa; Clipping CACD: Entrevista com Guimarães Rosa; Sílvio José Stessuk: tese: Magma - Breviário de Rosa.


2 comentários:

  1. Lembro-me de ler, nos livros de literatura do colégio, sobre um primeiro livro de poemas do Guimarães. Não os conhecia.
    Muito obrigado pelas postagens.

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    Respostas
    1. ..., grato a você, mais uma vez pela visita, leitura e considerações, Renê Oliveira. ..., o poema acima é um dos meus favoritos. ..., com o tempo acabei descobrindo vários poemas de Guimarães Rosa em meio à sua prosa. ..., grande abraço!

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