FEDERICO GARCÍA LORCA
Cláudio Murilo Leal
Depois
de uma certa idade e ou conforme o roteiro da vida a gente vai se sentindo a
cada dia mais nostálgico e de tanto vagar a esmo no carrossel da memória acaba entrando
no labirinto do se: E se eu não tivesse dado atenção ao meu
instinto? E se eu não tivesse mudado de cidade? E se eu tivesse
seguido outra profissão? E se eu...? E por aí vai, sem encontrar no Fio
de Ariadne alguma saída satisfatória a outros caminhos do que poderia (ou
não!) ter sido o seu destino. Quando jovem deixei uma vida que poderia ter
sido promissora (ou não!), em São Paulo, onde dava meus primeiros passos na
música, no teatro, na literatura e nas artes gráficas e plásticas, para me
aventurar em uma vida comunitária macrobiótica (que não foi muito além) em
Brasília.
Toda
via das mudanças, no entanto, nos leva a algo novo e ou ao menos inusitado e no
planalto central, rodeado por um belíssimo cerrado, acabei conhecendo muita
gente talentosa que ainda hoje produz arte e cultura de qualidade e ou que já
se foi deste mundo, deixando-nos suas relíquias. Ali, entre outras atividades
culturais, eu escrevia para o Correio Braziliense, que tinha o escritor
e professor Cláudio Murilo Leal também como colaborador. Na
efervescência literária candanga conheci autores como Cassiano Nunes, TT. Catalão, Chico Alvim, Otávio Afonso, Ézio Pires, Heitor Humberto de
Andrade, José Santiago Naud, Sóter, Marcílio Farias, Hugo Mund Jr., José Helder de Souza, Luiz
Turiba, Celso
Araujo; Luiz Martins da Silva, Nilton Maciel, Paulo Bertran, Nicolas Behr,
Paulo Tovar, Romário Schettino, Vicente Sá, Renato Riella..., mas de Cláudio
Murilo guardo a grata lembrança dele ter me presenteado com uma edição de bolso
de Orlando (em inglês), de Virgínia Wolf, e de eu retribuir ilustrando
uma unidade já impressa de um dos seus livros, acredito que o A Rosa Prática.
Em
dez anos de Falas ao Acaso, já publiquei um bocado de
escritores e escritoras que admiro, mas nunca o suficiente para diminuir o
acervo, já que também ocupo o meu tempo com outras atividades. Nos últimos anos
tenho diminuído o ritmo, tanto aqui quanto no Claque ou Claquete e no Lixo Que Vira Arte..., ainda assim, num vacilo, acabo
atualizando um e outro blog. Por esses dias pandêmicos, ao assistir a
uma belíssima adaptação de Sra. Dalloway, Orlando e The Waves,
de Virgínia Wolf, realizada pelo coreógrafo Wayne McGregor para o Corpo de
Ballet do Royal Opera House, com música de Max Richter, me lembrei do poeta Cláudio
Murilo Leal e saí pela web em busca do
contato perdido há muitos anos. Soube que, aos 83 anos, ele ainda mora no Rio
de Janeiro. Mas, excetuando o enciclopédico portal de Antonio Miranda, com boa mostra de sua produção
literária, há mais site de divulgação dos seus livros, de referências universitárias
e ou de algum artigo crítico do que de compartilhamento dos seus tocantes
poemas..., que já há muitos anos chamavam a atenção pela cadência diferenciada
tanto no ritmo quando no tema humanista.
Assim,
enquanto não me é possível realizar uma seleção de excelência da obra de Cláudio
Murilo Leal, aproveito a proximidade do marco infeliz de 84 anos do cruel assassinato
do grande escritor e dramaturgo espanhol Federico
García Lorca, nascido em 5 de junho de 1898 e morto em 18 de agosto de
1936, para assinalar a sua presença no Falas ao Acaso com a publicação do
seu intenso e perturbador poema Federico García Lorca (41
Poetas do Rio, Funarte, 1998).
FEDERICO GARCÍA LORCA
Cláudio Murilo Leal
Água com farolitos
a água
Federico.
Lua nos olivais
a lua
Federico.
Laranjas de ouro
laranjas
Federico.
Gitanos que cantan
gitanos
Federico.
Tua alma traída
a tua alma
Federico.
II
Federico, aonde vais?
— a Granada.
E a tua voz de jasmins?
— amordaçada
E tua fronte cigana
— assassinada.
III
Ante a lua comovida,
cobre-se a cela de nardos,
sexta-feira da Paixão,
véspera de teu Calvário.
Um tremor de inquietos pássaros
paira em teus olhos cerrados
e um lençol de pesadelos
sobre teu corpo deitado.
O pensamento repousa
num romanceiro gitano
mas nas ruas de Granada
percorre um frêmito estranho.
Um sino sem esperança
anuncia a madrugada.
Uma hora
(angústias e solidão)
duas horas
(as estrelas se escondem)
três horas
(cravos martirizados)
quatro horas
(a Morte afia os seus punhais)
cinco horas
(chora o regato e o rouxinol).
Levam-te por uma estrada
de espinhos e crocodilos
como uma pomba aprisionada,
às cinco horas da madrugada.
As Bestas galopando
às cinco horas da madrugada
em seu tropel de espantos
às cinco horas da madrugada.
E quando por ti perpassa
às cinco horas da madrugada
um calafrio de lâminas,
descerram-se todos os sudários
e os lírios se enrubescem
às cinco horas da madrugada.
Às cinco horas da madrugada!
Eram as cinco em todos relógios!
Eram as cinco nos campos de Granada!
VI
Federico assassinado
na branca areia de Espanha
é uma rosa andaluza
sobre lençóis de Holanda.
Seu sangue espalha no ar
Um leve olor de lavanda,
seus ossos se pulverizam
em estrelinhas de nácar
e um pranto entre os ciprestes,
poesia inacabada,
soluça os versos mozárabes
de um romance fantasma.
La guardia civil caminera
a Federico levava:
ela, fome de pantera,
ele, orgulho de prata,
ela, veias insensíveis
e olhos frios, sem alma,
apaga a luz das estrelas
no sangue da madrugada.
Mil pandeirinhos sossegam
os seus murmúrios de água.
Um anjo deita a cabeça
sobre uma alva almofada
e a Morte com dedos finos
toca a sua velha guitarra.
Por Málaga ou Córdoba,
ou por Sevilha ou Granada,
vagueia como sonâmbula
uma voz assassinada.
*
ilustração.joba.tridente.2020
Cláudio
Murilo Leal (Rio de
Janeiro-RJ: 1937) é Escritor, Ensaísta, Tradutor, Doutor em Letras e Mestre em
Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (Brasil). Lecionou
Literatura Brasileira, como assistente do professor e acadêmico Afrânio
Coutinho, e posteriormente Literatura Hispano-Americana, na Faculdade de Letras
da Universidade Federal do Rio de Janeiro e nas Universidades de Brasília; de
Essex (Inglaterra); de Toulouse-Le-Mirail (França) e de Complutense (Madri). Cláudio
Murilo defendeu a sua tese sobre A poesia de Machado de Assis, na
Academia Brasileira de Letras, em 2000. Foi colaborador dos jornais Correio
Braziliense e Jornal de Brasília, Diretor do “Colegio Mayor
Universitario” Casa do Brasil, em Madrid, e Presidente do PEN Club do Brasil
(2008-2010). Cláudio Murilo Leal, que é autor de Poemas; Novos Poemas;
Fonte; Gesto Solidário; As Doze Horas; A Rosa Prática;
A Musa Alienada; Poemas de Amor; Caderno de Proust (Prêmio
Nacional de Poesia do Instituto Nacional do Livro, 1981); A Velhice de Ezra
Pound; O Poeta Versus Maniqueu; Escrito en la Carne; Reflets;
As Quatro Estações; Catarse; As Guerras Púnicas; Treze
Bilhetes Suicidas; Módulos; Cinelândia; traduziu para o
espanhol a Antologia Poética, de Carlos Drummond de Andrade (Espanha, 1986)
e organizou antologia Toda a Poesia
de Machado de Assis (Record, 2008).
Para
saber mais: Antonio Miranda: Cláudio Murilo Leal; Cláudio Murilo Leal: As Abstrusas Palavras de Manuel
Bandeira; Cláudio
Murilo Leal: Os direitos autorais e a
profissionalização do escritor; ABL: Claudio Murilo Leal: A vocação narrativa da poesia de
Machado de Assis;
Rascunho - Álvaro Alves de Faria: No Devido Lugar.
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