terça-feira, 23 de junho de 2020

Pippo Delbono: Dez Poemas Curtos



PIPPO DELBONO
Dez Poemas Curtos

Os poemas curtos ou haicais, abaixo, foram extraídos, por mim, da peça teatral Orchidee (2013), do dramaturgo e diretor italiano Pippo Delbono, disponibilizada gratuitamente (com legendas em português, traduzidas por David Pais e revistas por Rita Gonçalves Ramos) pelo Istituto Italiano di Cultura di Rio de Janeiro. A quebra dos versos e adaptação são minhas.

Confesso que não conhecia obra alguma do autor até assistir às provocantes e desconcertantes apresentações de suas peças Questo Buio Feroce (Esta Escuridão Feroz, 2006); Dopo la Battaglia (Após a Batalha, 2011) e Orchidee (Orquídeas, 2013) no ciclo Teatro Italiano em Streaming, do Instituto Italiano de Cultura do Rio de Janeiro, compartilhado no Vimeo (com legendas em português, italiano, espanhol, francês e polonês). A que mais me tocou foi Esta Escuridão Feroz, inspirada na obra (This Wild Darkness: The Story of My Death) do escritor americano Harold Brockey (1930-1996), morto em consequência da AIDS. Mas foi Orquídeas que, após uma tocante narrativa sobre as cerejeiras do quintal da infância do dramaturgo, me surpreendeu com os breves poemas saindo dos escuros bastidores para a luminosidade da boca de cena. Eles não são gratuitos, têm tudo a ver com as entranhas do espetáculo, mas me pegaram na rasteira do inesperado de uma peça que, na voz de Delbono: “..., nasce de um grande vazio que minha mãe me deixou quando morreu. Minha mãe, que depois dos conflitos, das separações, encontrei novamente. Eu, um pouco mais velho, um pouco mais sábio, ela um pouco mais criança. E assim o vazio. O não se sentir mais filho de ninguém. O vazio do amor. Mas Orchidee também nasce de muitos vazios, de muitos abandonos. O vazio que vivemos na cultura, em sermos artistas perdidos. O próprio teatro que sinto muitas vezes um lugar que ficou muito empoeirado, falso, morto. A mentira aceita, da representação teatral.



DEZ POEMAS CURTOS
Pippo Delbono

céu longínquo,
flutua nas minhas pupilas
a face da minha mãe.


o meu corpo definha,
o meu espírito ilumina-se.
montanhas nevadas.


se a dor tivesse uma voz,
seria o grito
dos patos selvagens.


o grito dos grous,
tão forte que parece
a minha própria voz.


montanhas no sono,
cada árvore se prepara
para ser caixão.


dormirei bem,
até que a lande dos meus sonhos
reverdeje.


no fim,
tornar-me-ei árvore
na lande nevada.


feto de inverno:
é o sonho
ou a lembrança de um sonho


aos sessenta anos,
o coração inconsolável,
eu atravesso o mar.


na minha morte,
vinde todos,
disfarçados de pássaros.


***
ilustração.joba.tridente.2020
*lande: charneca
*feto: planta

Pippo Delbono (Varazze-Itália: 1959) é dramaturgo, roteirista, escritor, ator e diretor de teatro e cinema. Nos anos 1980 estudou arte dramática em uma escola tradicional em Savona, onde conheceu o ator argentino Pepe Robledo, do Libre Teatro Libre. Os dois se mudaram para a Dinamarca, juntando-se ao grupo Farfa, dirigido por Iben Nagel Rasmussen, atriz histórica do Odin Teatret. Em busca de uma nova linguagem teatral, Delbono se dedicou ao estudo dos princípios do teatro oriental, no qual o foco é o trabalho meticuloso e rigoroso do ator sobre o corpo e a voz. Em 1987, conheceu Pina Bausch, e foi convidado para participar do Wuppertaler Tanztheater, ocasião extraordinária que marcou uma etapa fundamental na carreira artística do diretor polêmico e original. Os espetáculos de Pippo Delbono não são meras transposições cênicas de textos teatrais, mas criações totais, geralmente composta por narrativas em off, cenas mudas, performances, monólogos, diálogos, números musicais, colagem de textos de autores diversos como Bertold Brecht, Charlie Chaplin, Pier Paolo Pasolini, Bíblia. A sua companhia agrega atores profissionais e participação de pessoas marginalizadas (portadores de doenças mentais, ex-moradores de rua, portador de síndrome de Down), criando uma experiência cênica única no palco e na platéia. Entre os seus espetáculos estão: Barboni; Il Tempo degli Assassini; La Rabbia, Guerra; Esodo; Gente di Plastica; Urlo; Il Silencio; Racconti di Giugno; Questo Buio Feroce; La Menzogna; Dopo la Battaglia; Orchidee; Vangelo; La Gioia. Fonte: web e Instituto Italiano de Cultura.
Para saber mais: Compagnia Pippo Delbono: Pippo Delbono; Wikipédia: Pippo Delbono; Facebook: Pippo Delbono; Revista Lume UFRGS: entrevista Pippo Delbono; Revistas USP - Martha Ribeiro: Corpos sublimes: o teatro-festa de Pippo Delbono Il vangelo della teatralità; Capital Cultural: entrevista: Pippo Delbono.

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