PIPPO DELBONO
Dez Poemas Curtos
Os
poemas curtos ou haicais, abaixo, foram extraídos, por mim, da peça teatral Orchidee
(2013), do dramaturgo e diretor italiano Pippo Delbono, disponibilizada
gratuitamente (com legendas em português, traduzidas por David Pais e revistas
por Rita Gonçalves Ramos) pelo Istituto
Italiano di Cultura di Rio de Janeiro. A quebra dos versos e adaptação são
minhas.
Confesso
que não conhecia obra alguma do autor até assistir às provocantes e
desconcertantes apresentações de suas peças Questo Buio Feroce (Esta
Escuridão Feroz, 2006); Dopo la
Battaglia (Após a Batalha, 2011) e Orchidee (Orquídeas, 2013) no
ciclo Teatro Italiano em Streaming, do Instituto
Italiano de Cultura do Rio de Janeiro, compartilhado no Vimeo (com legendas
em português, italiano, espanhol, francês e polonês). A que mais me tocou foi Esta
Escuridão Feroz, inspirada na obra (This Wild Darkness: The Story of My
Death) do escritor americano Harold Brockey (1930-1996), morto em consequência
da AIDS. Mas foi Orquídeas que, após uma tocante narrativa sobre as
cerejeiras do quintal da infância do dramaturgo, me surpreendeu com os breves
poemas saindo dos escuros bastidores para a luminosidade da boca de cena. Eles
não são gratuitos, têm tudo a ver com as entranhas do espetáculo, mas me pegaram
na rasteira do inesperado de uma peça que, na voz de Delbono: “..., nasce de
um grande vazio que minha mãe me deixou quando morreu. Minha mãe, que depois
dos conflitos, das separações, encontrei novamente. Eu, um pouco mais velho, um
pouco mais sábio, ela um pouco mais criança. E assim o vazio. O não se sentir
mais filho de ninguém. O vazio do amor. Mas Orchidee também nasce de
muitos vazios, de muitos abandonos. O vazio que vivemos na cultura, em sermos
artistas perdidos. O próprio teatro que sinto muitas vezes um lugar que ficou
muito empoeirado, falso, morto. A mentira aceita, da representação teatral.”
DEZ POEMAS CURTOS
Pippo Delbono
céu longínquo,
flutua nas minhas pupilas
a face da minha mãe.
o meu corpo definha,
o meu espírito ilumina-se.
montanhas nevadas.
se a dor tivesse uma voz,
seria o grito
dos patos selvagens.
o grito dos grous,
tão forte que parece
a minha própria voz.
montanhas no sono,
cada árvore se prepara
para ser caixão.
dormirei bem,
até que a lande dos meus sonhos
reverdeje.
no fim,
tornar-me-ei árvore
na lande nevada.
feto de inverno:
é o sonho
ou a lembrança de um sonho
aos sessenta anos,
o coração inconsolável,
eu atravesso o mar.
na minha morte,
vinde todos,
disfarçados de pássaros.
***
ilustração.joba.tridente.2020
*lande: charneca
*feto: planta
Pippo
Delbono (Varazze-Itália:
1959) é dramaturgo, roteirista, escritor, ator e diretor de teatro e cinema. Nos
anos 1980 estudou arte dramática em uma escola tradicional em Savona, onde
conheceu o ator argentino Pepe Robledo, do Libre Teatro Libre. Os dois
se mudaram para a Dinamarca, juntando-se ao grupo Farfa, dirigido por
Iben Nagel Rasmussen, atriz histórica do Odin Teatret. Em busca de uma
nova linguagem teatral, Delbono se dedicou ao estudo dos princípios do teatro
oriental, no qual o foco é o trabalho meticuloso e rigoroso do ator sobre o
corpo e a voz. Em 1987, conheceu Pina Bausch, e foi convidado para participar
do Wuppertaler Tanztheater, ocasião extraordinária que marcou uma
etapa fundamental na carreira artística do diretor polêmico e original. Os
espetáculos de Pippo Delbono não são meras transposições cênicas de textos
teatrais, mas criações totais, geralmente composta por narrativas em off, cenas
mudas, performances, monólogos, diálogos, números musicais, colagem de textos
de autores diversos como Bertold Brecht, Charlie Chaplin, Pier Paolo Pasolini,
Bíblia. A sua companhia agrega atores profissionais e participação de pessoas marginalizadas
(portadores de doenças mentais, ex-moradores de rua, portador de síndrome de
Down), criando uma experiência cênica única no palco e na platéia. Entre os
seus espetáculos estão: Barboni; Il Tempo degli Assassini; La
Rabbia, Guerra; Esodo; Gente di Plastica; Urlo; Il
Silencio; Racconti di Giugno; Questo Buio Feroce; La
Menzogna; Dopo la Battaglia; Orchidee; Vangelo; La
Gioia. Fonte: web e Instituto Italiano de Cultura.
Para saber mais: Compagnia Pippo Delbono: Pippo Delbono;
Wikipédia: Pippo Delbono; Facebook: Pippo Delbono; Revista Lume UFRGS: entrevista Pippo Delbono; Revistas USP - Martha Ribeiro: Corpos sublimes: o teatro-festa de
Pippo Delbono Il vangelo della teatralità; Capital Cultural: entrevista: Pippo Delbono.
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