domingo, 8 de abril de 2018

Marcílio Farias: George Seferis


O escritor Marcílio Farias, que já deixou a sua marca no Falas ao Acaso, com seus excelentes poemas e notáveis traduções (sem compromisso) de Ashraf Fayadh; Youssef Rakha; Thomas Merton I e II, III e IV; Hermann Hesse; Jean Arthur Rimbaud; Navajo John-Com-O-Sol-No-Peito; Seamus Heaney..., está de volta com o instigante GEORGE SEFERIS: “- Poemeto que escrevi há quase trinta anos, do qual nem mais lembrava, achado por um Amigo entre escritos que deixei com ele em 1990, quando saí de Brasília. Levei um susto quando abri seu email. Seferis é meu Poeta-guia desde que o li pela primeira vez quando tinha 14 anos, na biblioteca do SESC, em Natal, RN. A ideia desse texto veio de seu ‘Meres’ - “Dias” - diário escrito entre 1929-1964, do capítulo sobre sua expedição arqueológica à Capadócia. Pensei em revisá-lo, mas parei na intenção.”

George Seferis, essência do poema de Marcílio Farias, é o genial escritor que nasceu turco (em Esmirna, 1900) e morreu grego (em Atenas, 1971), e cuja obra reflete as contradições da cultura e da ética num mundo em constante ebulição, onde passado (por vezes) dourado e presente (por vezes) opaco se tangenciam e se repelem. Com esta bela obra Marcílio Farias deu-me a oportunidade de também prestar homenagem ao poeta George Seferis (1900-1971), publicando, na sequência, uma série de onze poemas (incluindo sete haicais), em tradução de renomados tradutores para o português, espanhol, inglês, italiano, francês e grego, ..., com o bônus de mais duas formidáveis dedicações a ele.   



GEORGE SEFERIS
Marcílio Farias
Brasília, Março de 1989

1
Escavamos morros e vales, velhas colinas cobertas de cinza, lixo, e ruinas de bombardeios antigos e recentes. Desencavamos ossadas de homens, mulheres e crianças pensando aprender algo mais sobre o nascimento e a morte da nossa ilusão urbana, de nossa ilusão amorosa. Perdemos o sono examinando teorias precisas, histórias perfeitas, mapas, gráficos, hipóteses - muito café e muito uísque nos ajudaram a sonhar sobre as vidas dessas ossadas vividas há milhares de anos.

2
Assistíamos TV onde novos imperadores invadiam almas e
residências, derrubando fé e montanhas, colinas e planícies como se fossem possuídos pelo deus, novos
Calígulas, ou novos Kostas, eternos ditadores com rugas e artrite comendo-lhes os dias e as noites. Assistíamos TV bebendo café, bebendo uísque sem conseguir produzir um sonho decente, cheio de cor e de música. Acordávamos no meio da noite pensando no riso de nossas mães.

3
Nas reuniões diárias para definir estratégia e
Conduta, mais teorias, mais fotos de ossadas de mulheres, homens, e crianças, mais fotografias de covas rasas e ruínas admiradas como se fossem o Santo Graal, ou o Manto Sagrado, ou a espada de Alexandre. Na parede, mapas da região esturricada cheios de tachinhas coloridas Indicando as rotas de imensa eterna migração que produziu nossas cidades
E nos deixou a herança de sangue, deuses, pecados e virtudes que adoramos.

4
No meio de uma planície barrenta, aprendemos que um dia ela foi um lago imenso cheio de ilhas e peixes, hoje seca e poeirenta no meio do nada. Antes de retornarmos ao mundo real encontramos um casal de geólogos procurando
Uranio para exploração futura, conversamos sobre a Amazônia e a floresta, Imaginamos o rugido das feras noturnas reduzindo nossas tendas e nossos corpos a pedaços. E esperamos o pôr do sol que nos deixou sem fala quando vermelho e ouro sangue nos mostraram a vida.

*
ilustração de Joba Tridente.2018


Marcílio Farias é formado e pós-graduado pela UnB (Universidade de Brasília) em Jornalismo, Cinema e Filosofia. Nos anos 70/80 trabalhou para a UNICEF/Brasil, USIS - Brasil e WHO, como consultor e assessor de assuntos públicos e culturais, respectivamente. Atuou como secretário particular do escultor Rubem Valentim, professor visitante da Universidade de Brasília e da Fundação Nacional de Teatro, editor assistente do Jornal de Brasília, colaborador do Jornal do Brasil, Correio Braziliense, Última Hora, Jornal do Unicef e The Brazilians (NY). No ano de 1974, integrou a equipe vencedora do Prêmio Esso para Melhor Contribuição à Edição Jornalística/Jornal de Brasília. No final da década de 80, escreveu e dirigiu o curta-metragem "Digitais" hors-concours em Lausanne e no Festival de Salvador, vetado pelo Concine logo em seguida.
Em 1989, emigrou legalmente para os Estados Unidos. Atuou como assessor cultural e adido cultural ad hoc do Consulado Geral do Brasil, em Boston, de 1993 a 2003. Professor visitante da Universidade de Massachusetts - Boston, conferencista convidado do David Rockefeller Center for Latin American Studies (Harvard University) e Sloan School of Management (MIT). Professor de Comunicação Impressa e de História da Cultura na Universidade de Phoenix, AZ, EUA. Membro Honorário da American Academy of Poets (Owing Mills, MD), da International Society of Poets (Washington, DC) e da Society of Friends of The Longfellow House (Cambridge, MA). Vive e trabalha entre Natal (Brasil) e Phoenix-Miami-Boston (EUA).
Obras publicadas: Visual Field (poemas), 1996 - Watermark Press, MD, EUA; O Livro Cor de Triângulo Cor-de-Rosa (poemas), 2007, e Rito para Ressuscitar um Elefante (poemas), 2010, ambos pela Scortecci Editora, São Paulo, Brasil. Os livros podem ser encontrados nas livrarias Cultura e Martins Fontes, em São Paulo, ou diretamente na editora Scortecci. Links: Poemas publicados no Falas ao Acaso: Moebius; Mandala; Passado incômodo; (John); Diálogo visto de longe na Praça de Sé.


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