Estou aproveitando a postagem anterior, Trem de Alagoas, para apresentar esta maravilha de Castigo Pró Comboio Malandro, do grande
escritor e ativista angolano António
Jacinto (1924-1991), que fala de um Trem de Angola que (também) transporta
alegrias e tristezas, e foi publicada em Poemas
(1961). A versão (gráfica) que estou postando é a do Boletim Mensagem, ano III, nº 3/4, da Casa dos Estudantes do
Império, Lisboa - Portugal, 1960. O genial compositor e cantor português Fausto Bordalo Dias musicou e gravou Castigo P’ro Comboio Malandro, com o
título Comboio Malandro (link de
vídeos abaixo), em seu álbum P’ró Que Der
e Vier (1974).
Castigo P’ro Comboio Malandro
Esse
comboio malandro
passa
passa sempre com a força dele
ué ué ué
hii hii hii
te-quem-tem te-quem-tem te-quem-tem
o comboio malandro
passa
Nas janelas muita gente:
ai bô viaje
adeujo homéé
n'ganas bonitas
quitandeiras de lenço encarnado
levam cana no Luanda p'ra vender
passa
passa sempre com a força dele
ué ué ué
hii hii hii
te-quem-tem te-quem-tem te-quem-tem
o comboio malandro
passa
Nas janelas muita gente:
ai bô viaje
adeujo homéé
n'ganas bonitas
quitandeiras de lenço encarnado
levam cana no Luanda p'ra vender
hii hii
hii
aquele vagon de grades tem bois
múu múu múu
aquele vagon de grades tem bois
múu múu múu
tem
outro
igual como este dos bois
leva gente,
muita gente como eu
cheio de poeira
gente triste como os bois
gente que vai no contrato.
Tem bois
que morre no viaje
mas preto não morre
canta como é criança,
Mulonde iá Késsua uádibalé
uádibalé uádibalé...
Esse comboio malandro
sozinho na estrada de ferro
passa
passa
sem respeito
ué ué ué
com muito fumo no trás
hii hii hii
te-quem-tem te-quem-tem te-quem-tem
Comboio malandro
o fogo que sai do corpo dele
vai no capim e queima
vai nas casas dos pretos e queima
Esse comboio malandro
já queimou o meu milho,
Se na lavra do milho tem pacaças
eu faço armadilhas no chão,
se na lavra tem kiombos
eu tiro a espingarda de kimbundo
e mato neles
mas se vai lá fogo do comboio malandro
- deixa! -
ué ué ué
te-quem-tem te-quem-tem te-quem-tem
só fica fumo,
muito fumo mesmo.
Mas espera só
Quando esse comboio malandro descarrilar
e os brancos chamar os pretos p'ra empurrar
eu vou
mas não empurro
- nem com chicote -
finjo só que faço força
Comboio malandro
você vai ver só o castigo
vai dormir mesmo no meio do caminho.
igual como este dos bois
leva gente,
muita gente como eu
cheio de poeira
gente triste como os bois
gente que vai no contrato.
Tem bois
que morre no viaje
mas preto não morre
canta como é criança,
Mulonde iá Késsua uádibalé
uádibalé uádibalé...
Esse comboio malandro
sozinho na estrada de ferro
passa
passa
sem respeito
ué ué ué
com muito fumo no trás
hii hii hii
te-quem-tem te-quem-tem te-quem-tem
Comboio malandro
o fogo que sai do corpo dele
vai no capim e queima
vai nas casas dos pretos e queima
Esse comboio malandro
já queimou o meu milho,
Se na lavra do milho tem pacaças
eu faço armadilhas no chão,
se na lavra tem kiombos
eu tiro a espingarda de kimbundo
e mato neles
mas se vai lá fogo do comboio malandro
- deixa! -
ué ué ué
te-quem-tem te-quem-tem te-quem-tem
só fica fumo,
muito fumo mesmo.
Mas espera só
Quando esse comboio malandro descarrilar
e os brancos chamar os pretos p'ra empurrar
eu vou
mas não empurro
- nem com chicote -
finjo só que faço força
Comboio malandro
você vai ver só o castigo
vai dormir mesmo no meio do caminho.
Ilustração de Joba Tridente - 2013
António Jacinto do Amaral Martins (Luanda, 1924 – Lisboa, 1991) é um dos
maiores nomes da literatura angolana e da Geração
Mensagem (*). Publicou em Notícias do Bloqueio, Itinerário, O Brado Africano. Ativista político, foi preso em 1960 e,
desterrado para Campo de Tarrafal, em Cabo Verde, cumpriu pena até 1972. Em
1973 se uniu à guerrilha MPLA (Movimento Popular de Libertação da Angola). Com
a independência de Angola, foi co-fundador da notória União de Escritores
Angolanos e Ministro da Cultura (1975 - 1978). Entre os prêmios mais
importantes que recebeu, destacam-se: Prémio
Noma, Prémio Lotus da Associação dos
Escritores Afro-Asiáticos e Prémio
Nacional de Literatura. António
Jacinto é autor de: Poemas (1961
e 1982); Vovô Bartolomeu (1979); Em Kilunje do Golungo (1984); Sobreviver em Trrafal de Santiago (1985
e 1999); Prometeu (1987); Fábulas de Sanji (1988).
(*) “A Geração Mensagem (1950-53) da literatura
angolana de expressão portuguesa formou-se na continuidade do movimento dos
“Novos Intelectuais de Angola”, cujo lema - “Vamos Descobrir Angola” - operaria
uma revolução decisiva na sociedade colonial dos fins da década de 40. Mensagem apresenta-se, assim, como órgão
catalisador de um punhado de jovens angolanos dispostos assumirem uma atitude
de combate frontal ao sistema sociocultural vigente na época. Foi sem dúvida, o
mais forte contributo para a verdadeira busca de uma cultura, de uma literatura
autêntica, social e, sobretudo, participada. Segundo os próprios mentores desta
Geração, Mensagem pretendia ser o
marco iniciador de uma cultura nova, de
Angola e por Angola;
fundamentalmente angolana. Cultura essa que se desejava que fosse forte,
verdadeira, pujante e humana. Por estes motivos, Mensagem proclamava, bem alto, o slogan cultural e político de
“redescobrir” Angola.” Texto (fragmento) extraído de Infopédia.
Descobri estes
dois vídeos de Fausto Bordalo (o
Cantor Maldito) ao pesquisar sobre António Jacinto. Veja e ouça Comboio Malandro 1 e 2..., e fique parado se for capaz. Ah, se
quiser saber um pouco sobre o artista português, este é o do site Fausto
- Cantor Maldito
(link).
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