terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

António Jacinto: Castigo P’ro Comboio Malandro



Estou aproveitando a postagem anterior, Trem de Alagoas, para apresentar esta maravilha de Castigo Pró Comboio Malandro, do grande escritor e ativista angolano António Jacinto (1924-1991), que fala de um Trem de Angola que (também) transporta alegrias e tristezas, e foi publicada em Poemas (1961). A versão (gráfica) que estou postando é a do Boletim Mensagem, ano III, nº 3/4, da Casa dos Estudantes do Império, Lisboa - Portugal, 1960. O genial compositor e cantor português Fausto Bordalo Dias musicou e gravou Castigo P’ro Comboio Malandro, com o título Comboio Malandro (link de vídeos abaixo), em seu álbum P’ró Que Der e Vier (1974).


Castigo P’ro Comboio Malandro

Esse comboio malandro
passa
passa sempre com a força dele
                    ué ué ué
                    hii hii hii
te-quem-tem te-quem-tem te-quem-tem

                                o comboio malandro
                                passa

Nas janelas muita gente:
                    ai bô viaje
                    adeujo homéé
n'ganas bonitas
quitandeiras de lenço encarnado
levam cana no Luanda p'ra vender

hii hii hii

aquele vagon de grades tem bois
                              múu múu múu

tem outro
igual como este dos bois
leva gente,
muita gente como eu
cheio de poeira
gente triste como os bois
gente que vai no contrato.

Tem bois
que morre no viaje
mas preto não morre
canta como é criança,
           Mulonde iá Késsua uádibalé
            uádibalé uádibalé...
Esse comboio malandro
sozinho na estrada de ferro
passa
           passa
sem respeito
ué ué ué
com muito fumo no trás
hii hii hii
      te-quem-tem te-quem-tem te-quem-tem

Comboio malandro
o fogo que sai do corpo dele
vai no capim e queima
vai nas casas dos pretos e queima
        Esse comboio malandro
        já queimou o meu milho,

Se na lavra do milho tem pacaças
eu faço armadilhas no chão,
se na lavra tem kiombos
eu tiro a espingarda de kimbundo
e mato neles
mas se vai lá fogo do comboio malandro
      - deixa! -
                     ué ué ué
te-quem-tem te-quem-tem te-quem-tem
só fica fumo,
muito fumo mesmo.
                Mas espera só
Quando esse comboio malandro descarrilar
e os brancos chamar os pretos p'ra empurrar
eu vou
mas não empurro
                               - nem com chicote -
finjo só que faço força
               Comboio malandro
               você vai ver só o castigo
               vai dormir mesmo no meio do caminho.


Ilustração de Joba Tridente - 2013

  

António Jacinto do Amaral Martins (Luanda, 1924 – Lisboa, 1991) é um dos maiores nomes da literatura angolana e da Geração Mensagem (*). Publicou em Notícias do Bloqueio, Itinerário, O Brado Africano. Ativista político, foi preso em 1960 e, desterrado para Campo de Tarrafal, em Cabo Verde, cumpriu pena até 1972. Em 1973 se uniu à guerrilha MPLA (Movimento Popular de Libertação da Angola). Com a independência de Angola, foi co-fundador da notória União de Escritores Angolanos e Ministro da Cultura (1975 - 1978). Entre os prêmios mais importantes que recebeu, destacam-se: Prémio Noma, Prémio Lotus da Associação dos Escritores Afro-Asiáticos e Prémio Nacional de Literatura. António Jacinto é autor de: Poemas (1961 e 1982); Vovô Bartolomeu (1979); Em Kilunje do Golungo (1984); Sobreviver em Trrafal de Santiago (1985 e 1999); Prometeu (1987); Fábulas de Sanji (1988).

(*) “A Geração Mensagem (1950-53) da literatura angolana de expressão portuguesa formou-se na continuidade do movimento dos “Novos Intelectuais de Angola”, cujo lema - “Vamos Descobrir Angola” - operaria uma revolução decisiva na sociedade colonial dos fins da década de 40. Mensagem apresenta-se, assim, como órgão catalisador de um punhado de jovens angolanos dispostos assumirem uma atitude de combate frontal ao sistema sociocultural vigente na época. Foi sem dúvida, o mais forte contributo para a verdadeira busca de uma cultura, de uma literatura autêntica, social e, sobretudo, participada. Segundo os próprios mentores desta Geração, Mensagem pretendia ser o marco iniciador de uma cultura nova, de Angola e por Angola; fundamentalmente angolana. Cultura essa que se desejava que fosse forte, verdadeira, pujante e humana. Por estes motivos, Mensagem proclamava, bem alto, o slogan cultural e político de “redescobrir” Angola.” Texto (fragmento) extraído de Infopédia.

 

Descobri estes dois vídeos de Fausto Bordalo (o Cantor Maldito) ao pesquisar sobre António Jacinto. Veja e ouça Comboio Malandro 1 e 2..., e fique parado se for capaz. Ah, se quiser saber um pouco sobre o artista português, este é o do site Fausto - Cantor Maldito (link).

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