domingo, 17 de fevereiro de 2013

Conto Indiano: A História do Primeiro Príncipe



Entre dezembro de 2012 e fevereiro de 2013 li O Mahabharata, de Vyasa, em uma ótima adaptação de Jean-Claude Carrière, (em tradução de Noêmia Arantes para a Brasiliense), O Ramayana, de Walkimi, numa razoável e velha edição (não lembro o tradutor e editora), e Maravilhas do Conto Indiano, organizado por Fernando Correia da Silva, para a Cultrix (2ª. Edição - 1964?), que traz entre os seus tradutores: o mestre José Paulo Paes (1926 - 1998). Em sua tradução para o capítulo: Dos Jatacas Budistas, destaco, em A História do Primeiro Príncipe, uma passagem do mais puro deslumbramento descritivo da figura feminina (p. 133) e que me deixou em estado de graça. Como não gostar de ler depois de tamanha belezura?


A História do Primeiro Príncipe (fragmento)

(...)
Ela me explicou a planta do palácio, e eu penetrei sorrateiramente nos aposentos da princesa. E lá, à luz de lâmpadas incrustadas de gemas, circundada pelas companheiras que dormiam a sono solto após a fadiga dos seus muitos jogos, vi a princesa. Dormia num divã de pernas de marfim, esculpidas com a forma de leões deitados e incrustadas de pedras preciosas; as almofadas e o divã eram estofados com penugem de cisnes, e pétalas de flores haviam sido espalhadas por sobre ele. O pé esquerdo da princesa estava curvado sob o calcanhar do pé direito. Flexionara os graciosos tornozelos. Os calcanhares estavam unidos e os delicados joelhos ligeiramente curvos. As coxas também. Um dos braços estava encantadoramente atravessado por sobre o quadril, enquanto o outro se encolhera para que a mão pudesse pousar, como flor, na sua face. A túnica de seda chinesa ajustava-se, com perfeição, à terna curva das suas ancas. O delgado abdômen estava ligeiramente arqueado, e os firmes seios adolescentes tremiam ao arfar da respiração profunda. O pescoço bem modelado, algo inclinado para o lado, deixava ver um colar de rubis presos entre si por elos de ouro. Um dos brincos estava oculto à vista, mas o outro deixava ver seu engaste de pedrarias, cujo brilho melhor destacava-lhe a beleza da cabeleira descuidosamente atada. Era tão alva a sua tez, que mal se notava o branco resplendor dos dentes por entre os róseos lábios entreabertos. A mão veludosa apoiada à face ocultava-lhe um dos brincos, e os reflexos da magnífica canópia floral que encimava o leito, focalizando o seu queixo semivoltado para cima, punham-lhe em relevo a formosura. Os olhos haviam-se cerrado como lótus noturnos, e os longos cílios sedosos estavam imóveis. Diminutas gotículas de transpiração, que a fadiga fizera assomar-lhe à fronte, perolavam a pinta de macia pasta de sândalo colocada entre os seus olhos. A hera dos seus cabelos como que forcejava por alcançar-lhe a face enluarada. Ela dormia confiadamente e, com o corpo coberto a meio pela colcha imaculadamente branca, repousando depois de longas e despreocupadas brincadeiras, semelhava o relâmpago dormitando no seio da derradeira nuvem de outono.

Vi, pela internet, que o livro Maravilhas do Conto Indiano pode ser encontrado baratinho nos sebos. Vale cada centavo porque, além da excelência dos míticos contos que remontam aos Vedas, Mahabharata, Ramayana, tem também alguns antológicos contos de autores modernos: Rabindranath Tagore tragicômico com O Abandonado; Babani Batacharia emocionante com o dramático Um Momento de Eternidade; Mulk Rajanand divertido com O Marajá e a Tartaruga; Yashpal falando da intolerância em Meu Deus, que Crianças Estas!; Ram Cumar cinematográfico em Tempestade de Poeira; Balwant Gargi tocante em Um Aperto de Mãos.

Ilustração de Joba Tridente – 2013

4 comentários:

  1. Quanta poesia!
    Imaginei um divã com pernas de marfim...e o perfume das pétalas no ar tocando a bela mulher...

    Uma boa história faz as palavras pularem do papel e se mexerem dentro de nós.
    Bete Godoy

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    Respostas
    1. Olá, Bete.
      É uma belezura só!
      Há tempos não lia algo tão arrebatador.
      Um privilégio que precisa ser partilhado!

      Abs.

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  2. Olá. Sou sua super fã, Joba.
    E esta sua postagem-contribuição aqui é realmente magnífica.
    Obrigada pelas dicas.
    Como não gostar de ler depois delas?

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    Respostas
    1. Olá, Malungo.
      Gratíssimo pela sua visita...,
      e obrigado pelo super-fã.

      Tenho procurado postar textos que me tocam
      e que acredito que devem tocar os amantes da literatura.

      Há muitos anos as Maravilhas do Conto Indiano
      aguardavam a vez na estante.
      Valeu esperar!

      Abração!

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