Entre
dezembro de 2012 e fevereiro de 2013 li O
Mahabharata, de Vyasa, em uma ótima adaptação de Jean-Claude Carrière, (em tradução
de Noêmia Arantes para a Brasiliense), O
Ramayana, de Walkimi, numa razoável e velha edição (não lembro o tradutor e
editora), e Maravilhas do Conto Indiano,
organizado por Fernando Correia da Silva, para a Cultrix (2ª. Edição - 1964?),
que traz entre os seus tradutores: o mestre José Paulo Paes (1926 - 1998). Em sua tradução para o capítulo: Dos Jatacas Budistas, destaco, em A História do Primeiro Príncipe, uma
passagem do mais puro deslumbramento descritivo da figura feminina (p. 133) e
que me deixou em estado de graça. Como não gostar de ler depois de tamanha belezura?
A
História do Primeiro Príncipe (fragmento)
(...)
Ela me
explicou a planta do palácio, e eu penetrei sorrateiramente nos aposentos da
princesa. E lá, à luz de lâmpadas incrustadas de gemas, circundada pelas
companheiras que dormiam a sono solto após a fadiga dos seus muitos jogos, vi a
princesa. Dormia num divã de pernas de marfim, esculpidas com a forma de leões
deitados e incrustadas de pedras preciosas; as almofadas e o divã eram
estofados com penugem de cisnes, e pétalas de flores haviam sido espalhadas por
sobre ele. O pé esquerdo da princesa estava curvado sob o calcanhar do pé
direito. Flexionara os graciosos tornozelos. Os calcanhares estavam unidos e os
delicados joelhos ligeiramente curvos. As coxas também. Um dos braços estava
encantadoramente atravessado por sobre o quadril, enquanto o outro se encolhera
para que a mão pudesse pousar, como flor, na sua face. A túnica de seda chinesa
ajustava-se, com perfeição, à terna curva das suas ancas. O delgado abdômen
estava ligeiramente arqueado, e os firmes seios adolescentes tremiam ao arfar
da respiração profunda. O pescoço bem modelado, algo inclinado para o lado, deixava
ver um colar de rubis presos entre si por elos de ouro. Um dos brincos estava
oculto à vista, mas o outro deixava ver seu engaste de pedrarias, cujo brilho
melhor destacava-lhe a beleza da cabeleira descuidosamente atada. Era tão alva
a sua tez, que mal se notava o branco resplendor dos dentes por entre os róseos
lábios entreabertos. A mão veludosa apoiada à face ocultava-lhe um dos brincos,
e os reflexos da magnífica canópia floral que encimava o leito, focalizando o seu
queixo semivoltado para cima, punham-lhe em relevo a formosura. Os olhos
haviam-se cerrado como lótus noturnos, e os longos cílios sedosos estavam
imóveis. Diminutas gotículas de transpiração, que a fadiga fizera assomar-lhe à
fronte, perolavam a pinta de macia pasta de sândalo colocada entre os seus olhos.
A hera dos seus cabelos como que forcejava por alcançar-lhe a face enluarada.
Ela dormia confiadamente e, com o corpo coberto a meio pela colcha
imaculadamente branca, repousando depois de longas e despreocupadas
brincadeiras, semelhava o relâmpago dormitando no seio da derradeira nuvem de
outono.
Vi, pela internet, que o livro Maravilhas do Conto Indiano pode ser encontrado baratinho nos sebos. Vale cada centavo porque, além da excelência dos míticos contos que remontam aos Vedas, Mahabharata, Ramayana, tem também alguns antológicos contos de autores modernos: Rabindranath Tagore tragicômico com O Abandonado; Babani Batacharia emocionante com o dramático Um Momento de Eternidade; Mulk Rajanand divertido com O Marajá e a Tartaruga; Yashpal falando da intolerância em Meu Deus, que Crianças Estas!; Ram Cumar cinematográfico em Tempestade de Poeira; Balwant Gargi tocante em Um Aperto de Mãos.
Ilustração
de Joba Tridente – 2013
Quanta poesia!
ResponderExcluirImaginei um divã com pernas de marfim...e o perfume das pétalas no ar tocando a bela mulher...
Uma boa história faz as palavras pularem do papel e se mexerem dentro de nós.
Bete Godoy
Olá, Bete.
ExcluirÉ uma belezura só!
Há tempos não lia algo tão arrebatador.
Um privilégio que precisa ser partilhado!
Abs.
Olá. Sou sua super fã, Joba.
ResponderExcluirE esta sua postagem-contribuição aqui é realmente magnífica.
Obrigada pelas dicas.
Como não gostar de ler depois delas?
Olá, Malungo.
ExcluirGratíssimo pela sua visita...,
e obrigado pelo super-fã.
Tenho procurado postar textos que me tocam
e que acredito que devem tocar os amantes da literatura.
Há muitos anos as Maravilhas do Conto Indiano
aguardavam a vez na estante.
Valeu esperar!
Abração!